Numa palestra há alguns anos, o jornalista Joelmir Betting fez uma brilhante
definição de terceiro setor. Enquanto o primeiro setor se caracteriza pelo uso
do bem público para gerar benefícios públicos, o segundo setor se caracteriza
pelo uso do bem privado para gerar benefícios privados. Pelo raciocínio, o
terceiro setor seria o uso de bens privados para gerar benefícios públicos e,
porque não dizer, haveria também o quarto setor, que seria o uso de bens
públicos para gerar benefícios privados (o que explica muitas coisas que temos
visto na política ultimamente). Há aproximadamente 5 anos, eu pedi a meus alunos
para escreverem, como trabalho final da disciplina de empreendedorismo, um Plano
de Negócios.
Um grupo de alunos resolveu escrever um plano para a recuperação de uma
creche que atendia mães que não tinham recursos para pagar pelos serviços. Na
época eu rechacei o trabalho dizendo que entidades sem fins lucrativos e
empresas eram bastante diferentes e que o plano de negócios tinha que ser
escrito de forma totalmente diferente. A veemência com que defenderam a idéia me
fez prestar mais atenção nos modelos de negócios do terceiro setor desde então.
Hoje eu faço uma idéia diferente do que normalmente chamam de ONG (Organização
Não Governamental), um termo, aliás totalmente inapropriado pois qualquer
empresa do setor privado também é não governamental, assim ONG seriam todas as
organizações do segundo e do terceiro setores. Talvez o termo mais apropriado
seja OSFL (Organização Sem Fins Lucrativos). E é aí que reside a essência deste
tipo de organização, a ausência do lucro como um fim em si mesmo.
Muitas pessoas confundem ‘sem fins lucrativos’ com ‘sem resultados financeiros’
e são dois conceitos bastante distintos. Com o passar do tempo, as OSFL estão se
dando conta que precisam ser administradas de forma profissional, precisam zelar
pelo bom uso dos recursos que lhes são colocados à disposição, e, mais
importante, precisam buscar formas de se desvincular da necessidade da doação
voluntária de recursos e serviços. Estas organizações estão cada vez mais
procurando formas de garantir sua auto-sustentabilidade. Em outras palavras,
estão tentando fazer dinheiro para conseguir se manter. Por outro lado, as
empresas com fins lucrativos, passada a onda de se definir declarações de missão
e visão de forma artificial e divulgar por todos os cantos da empresa, estão
finalmente aprendendo que é mais importante entender o significado e o objetivo
de sua missão e visão do que simplesmente decorar a declaração.
Neste processo de amadurecimento, algumas estão descobrindo que o objetivo
final da empresa não é necessariamente gerar valor para o acionista na forma de
lucros financeiros. O acionista agora está sendo visto como uma entidade
necessária para prover os recursos a serem usados para um fim maior da empresa,
que acaba resvalando para algum tipo de benefício para a sociedade. As novas
declarações de missão e visão estão começando a refletir estes novos valores.
Nas relações entre representantes do segundo e do terceiro setores, os objetivos
também estão começando a evoluir.
Cada vez menos as empresas estão dispostas a doar dinheiro para causas
sociais apenas para colocar alguma coisa em seus relatórios de balanços sociais.
Elas estão procurando alinhar causas sociais à sua missão e valores. Da simples
doação de recursos, estão aproximando suas competências e seus modelos de
negócio para atender a comunidade a que servem. As empresas que fazem isso com
maior sucesso são aquelas que pouco conseguem diferenciar quais das suas ações
são de negócio e quais são sociais. Vamos falar um pouco sobre a diferença entre
dono e investidor.
Quando uma empresa abre o seu capital ela visa, primordialmente, a captação
de recursos externos. Neste ponto, o dono passa a ter sócios investidores, que
são os acionistas. Apesar de ambos, numa primeira instância, visarem o lucro,
enquanto o dono quer manter o seu negócio no longo prazo, os acionistas são mais
volúveis, na primeira turbulência retiram o seu capital e o levam para outros
negócios mais promissores, a maioria não mantém uma relação de fidelidade. Uma
parte dos resultados financeiros é re-investida na empresa e outra parte é
distribuída entre o dono e os acionistas.
No terceiro setor, as organizações também precisam de investidores, que,
neste caso, não visam o lucro e por isso são melhor designados como doadores ou
patrocinadores. Não há nenhum problema se a entidade usar estes recursos para
criar negócios que gerem receita suficiente para ela não mais depender destes
doadores. Seria como se os resultados financeiros fossem, parte re-investidos na
empresa e parte distribuída entre os investidores que por sua vez investiriam na
empresa novamente.
Se você está entendendo a minha linha de raciocínio já deve ter percebido que
o que quero demonstrar é que a única diferença entre organizações do segundo e
do terceiro setor é o que ambas fazem com o lucro que geram. O resto é ou será
absolutamente a mesma coisa. Enquanto as empresas privadas distribuem seus
lucros para os acionistas, as OSFL revertem os lucros para a comunidade na forma
de novos investimentos para que aumentem a abrangência dos benefícios sociais
propostos e que garantam sua sustentabilidade no longo prazo. Bem, eu lembrei de
escrever sobre isto porque há uma semana, quando um aluno me perguntou qual a
diferença de escrever um plano de negócios para o terceiro setor, me lembrei
daquele grupo de alunos que reprovei e, fazendo um humilde ‘mea culpa’ aqui
publicamente, afirmo: ‘Não há diferença alguma!!’.