A experiência da sala de aula é uma das atividades que mais valorizo no meio
acadêmico. O educador goza de uma oportunidade inigualável de compreender como
as pessoas evoluem e crescem. Podemos aprender bastante também. Na verdade, às
vezes eu acho que mais aprendo do que ensino. Compreender a natureza das
pessoas, suas motivações intrínsecas, o processo da descoberta e os desafios
constantes que se apresentam na relação inter-pessoal são altamente
enriquecedoras.
Nos primeiros anos em sala de aula, sempre me preocupei com um processo de
transmissão eficaz do conhecimento na área da Administração Geral. Ensinar
fundamentos da administração ou as teorias gerais da administração era, para
mim, dotar o aluno do conhecimento necessário para ele compreender o papel do
administrador nas empresas modernas. Ao assumir a cadeira de empreendedorismo,
percebi a diferença entre formar administradores e formar empreendedores. Cada
vez que tenho contato com as idéias de Fernando Dolabela e Louis Jacques Filion,
como mencionei em meu último artigo, me convenço mais ainda sobre o diferencial
que devemos proporcionar no desenvolvimento de novos empreendedores no meio
acadêmico.
Reconhecido em toda a América Latina como um dos principais autores de livros na
área da Administração, Idalberto Chiavenato me honrou com o convite para
participar do II Encontro Nacional de TGA (Teoria Geral da Administração) na
semana passada em São Paulo, promovido pelo Conselho Federal de Administração (CFA)
e o Conselho Regional de Administração de São Paulo (CRA-SP). O tema reuniu
professores e coordenadores de cursos de Administração de Instituições de Ensino
Superior de todo o Brasil. Apesar do tema tratar do ensino de TGA,
inevitavelmente se falou sobre novas propostas para se ensinar Administração nas
IES.
O que eu constatei neste evento foi que os desafios para se formar
administradores se tornaram muito semelhantes aos de se formar empreendedores.
Ao vermos que, na prática, os dois perfis estão se aproximando muito na condução
das empresas e na economia, percebemos que, mais do que pensar nos conteúdos
disciplinares, as escolas devem pensar nas atitudes, comportamentos e
competências que estes alunos precisam desenvolver para enfrentar os desafios
propostos pelas empresas. A sala de aula não deixa de ser uma organização. É um
laboratório onde se pode simular alguns dos ambientes corporativos, é um
micro-cosmo onde se pode testar e experimentar técnicas que desenvolvem algumas
habilidades específicas. Com o objetivo de contribuir com esta abordagem, quero
aproveitar este espaço para compartilhar um pouco da experiência que adquiri ao
longo dos últimos anos neste sentido:
- Aprender a pensar. Primeiro explique. Quando as coisas parecerem ter
ficado claras, crie uma situação ambígua, explique e depois desminta com outra
versão de outro autor. Deixe as coisas um pouco confusas e faça questionamentos
sobre quem está certo. Peça opiniões dos alunos e levante alternativas para
explicar a ambigüidade. No final da aula, esclareça tudo, no máximo na aula
seguinte. O significado do aprendizado é mais perene quando ele reflete sobre o
assunto de forma provocativa.
- Saber questionar. Antes de começar uma aula teórica, avise-os que, ao
final, sorteará 5 alunos para fazerem perguntas sobre a aula dada. Por isso, até
o final da aula, cada aluno terá que já ter formulado alguma pergunta. Dê
preferência às perguntas que questionam o que foi dito. Para o professor, o
desafio é maior, pois ele precisa saber que hoje em dia ele não detém o poder do
conhecimento sozinho e pode até aprender com os alunos. O professor pode e deve,
em alguns momentos, se desvestir da aura de sabe-tudo, desde que tenha
construído um clima de confiança e respeito que lhe dê segurança para dar esta
liberdade.
- Trabalhar em grupo. Para ensinar a trabalhar em grupo, não basta dar
trabalhos em grupo. É preciso ensiná-los a fazer isso. Desde a distribuição de
tarefas, a condução de uma reunião de trabalho, resolução de conflitos,
administração do tempo, entre outras técnicas. Normalmente eu gasto uma aula
inteira para dar estas dicas antes de passar o primeiro trabalho e os resultados
são surpreendentemente melhores.
- Processos de avaliação. Não avalie apenas o conhecimento. Eu já tive
alunos que foram mal na prova e acabei dando nota por sua capacidade de argüição
que me convenceram que ele mereceria passar. Professores que são inflexíveis
neste quesito acabam pecando por avaliar apenas um aspecto do aluno que é a
absorção do conhecimento. Eu acredito que o empreendedor não precisa apenas
conhecer, mas deve provar que, de uma forma ou de outra vai conseguir atingir os
objetivos e superar os desafios. Todos os meus alunos sabem que sou como uma
águia no dia da prova. Não deixo escapar nada. Mas mesmo assim, incentivo eles a
me desafiarem a colar. O risco de colar na minha aula é altíssimo porque o
flagrante dá uma nota zero. Mas acabo premiando os que encararam o risco, me
enfrentaram e conseguiram colar sem eu perceber.
- Formas de expressão. Nem todos os alunos são hábeis na comunicação
escrita e por isso vão mal nas provas. Existem alunos que preferem uma chamada
oral do que uma prova tradicional. Alguns alunos adoram seminários porque
possuem uma fluência natural em público, outros vão mais além e se entusiasmam
cada vez que há um trabalho em grupo que explora a dramatização. Comunicação
oral, escrita ou corporal. Dê condições para que o aluno use o melhor meio para
ele expressar sua compreensão do aprendizado.
- Construindo o conhecimento. Em cursos noturnos é comum que uma boa
parcela da classe já esteja trabalhando. Muitas das idéias e conceitos
trabalhados em classe são aplicados ou aplicáveis nas empresas onde eles
trabalham. O significado do conhecimento se dá quando o aluno vê aplicabilidade
no que lhe é passado. Para estes casos é conveniente o professor faça perguntas
sobre a empresa dele, crie condições para que o próprio aluno peça exemplos,
sugira abordagens ‘e se...’. Discutir casos reais em empresas próximas da
realidade do aluno aumenta a sua afinidade com o tema, instigando a curiosidade
e facilitando a absorção.
- Enxergar diferentes pontos de vista. Pegue um tema como por exemplo, o
aborto. Identifique na sala que é favorável ao aborto e quem é contra. Divida a
classe de acordo com estas opiniões e coloque cada parte em um lado da classe de
frente para a outra. Peça então que eles debatam entre si esta questão com o
objetivo de convencer o outro time a aceitar sua visão. O detalhe é que, antes
de começar, você muda as regras. O time que defende o aborto deve convencer o
outro time que o aborto não é bom. Da mesma forma, o time que não é favorável
deve defender o valor contrário. Este exercício, mostra que existem diversos
pontos de vista sobre a mesma realidade. Nossa capacidade de relacionamento e
criatividade cresce na medida em que desenvolvemos a habilidade de se colocar no
lugar do outro e entender a situação sobre o seu ponto de vista.
- Valorize as iniciativas. Quando você der um trabalho deixe bem claro
que um dos critérios que você vai usar será a capacidade do grupo de te
surpreender. Isso vai lhes dar a liberdade de usar a criatividade para buscar
formas inusitadas para desenvolver o trabalho. Já tive grupos que escreveram uma
música para apresentar o trabalho. Outro grupo fez uma extensa, rica e
diversificada pesquisa bibliográfica, outro grupo trouxe especialistas no
assunto para dar uma palestra. Teve um grupo que chegou a decorar toda a sala de
acordo com tema que ia apresentar. Esta é uma liberdade que sempre vai dar
margem para o risco de um ou mais grupos se enveredar por caminhos criativos mas
sem conteúdo. É um preço que se paga para estimular o risco e a inventividade.
- Minimize a importância da nota. O maestro Benjamin Zandler me deu esta
idéia. No começo das aulas diga a todos: ‘Estão todos aprovados. A nota final de
todos é 7. Ninguém vai ser reprovado por faltas. A partir de agora, ninguém mais
precisa vir à aula. Eu não quero dar aulas para quem está interessado em notas e
faltas apenas. Quero que venham apenas os que querem aprender algo e ser alguém
na vida. O meu sucesso agora será medido pelo número de alunos que consigo
manter na classe.’ É claro que só posso fazer isso em cursos de pós graduação.
Vou testar isso na graduação assim que resolver o problema das exigências do MEC
pelos registros de aula, notas e faltas. O número de alunos nas minhas aulas
diminui um pouco, mas eu sei que quem está lá está afim de aprender de verdade e
as aulas são muito bem aproveitadas. O meu desafio obviamente é muito maior, mas
é o tipo de desafio que gosto de assumir.
Estas são apenas algumas das coisas que costumo fazer como professor no ensino
superior, mas não é só isso, eu gosto de experimentar coisas novas e algumas
coisas acabam não dando certo, mas se a sala de aula é uma simulação para o
aluno, também o é para o professor.
Eu escrevi aqui uma vez que empreendedores só podem ser liderados por
empreendedores, pois só eles compreendem a cabeça e o espírito empreendedor a
ponto de explorá-los da melhor forma possível. Agora eu digo que empreendedores
só podem ser despertados por empreendedores, pois só eles podem ajudá-los a
desenvolver o potencial que todos possuem em sua essência natural. É isso que eu
pretendo fazer em sala de aula. Eu sei que todos os meus alunos têm esta
sementinha. Se eu consigo despertar mesmo que seja apenas alguns deles em cada
turma, já fico contente por estar concretizando minha missão.