Henrique* tem 15 anos de experiência em atendimento ao cliente, nível
superior e inglês intermediário. Você contrataria um profissional como esse? E
se fosse acrescentada ao currículo a idade de 37 anos - considerada por muitos
como avançada para o mercado - e uma dívida no SPC que beira os R$12 mil?
Após trabalhar em duas grandes empresas do setor de aviação, nas quais atuava
como comissário de bordo, Henrique adquiriu a dívida depois da última demissão,
sem receber os últimos salários, 13º e demais direitos trabalhistas. "Passei por
inúmeras dificuldades, perdi meu apartamento em um leilão e fui obrigado a
vender meu carro. A minha sorte é que tenho os meus pais, então pude voltar a
morar com eles", conta o profissional.
Como Henrique, milhares de profissionais atingidos pela crise e pelo
desemprego têm seus nomes colocados no SPC - Serviço de Proteção ao Crédito - ou
no cadastro da Serasa. Mas até que ponto ter o nome sujo atrapalha o
desenvolvimento profissional? E como limpar o nome - que só será possível com
dinheiro - se as empresas não oferecem a oportunidade de recomeçar?
Segundo Vanessa Hahn, sócia da MK Consultoria, especializada em recrutamento
e seleção, é fato que algumas empresas barram os profissionais com nome sujo,
logo na primeira etapa do processo seletivo. Mas ela afirma que também essa não
é a regra do mercado, e os profissionais que vivem esse problema não devem parar
de procurar uma recolocação. "A melhor coisa é ser sincero, falar que o problema
será resolvido, até estabelecendo prazo. Assim você evita que a empresa descubra
depois, e também demonstra ter honestidade e planejamento, atitudes valorizadas
no ambiente corporativo".
Além disso, existe grande diferença entre uma dívida de R$5mil, referente a
aluguel, prestação de carro e outras pendências menores, e uma outra de R$150
mil, sem dúvida mais difícil de ser paga do que a anterior. Por isso, geralmente
as organizações buscam analisar em que contexto a dívida foi adquirida.
Para Marcel Solimeo, economista e diretor da Associação Comercial de São
Paulo, a prática de excluir candidatos com nome no SPC do processo seletivo é
maléfica para a economia como um todo. "Não é bom nem para o empregador, que
pode perder bons profissionais que apresentam um problema reversível, nem para o
empregado, que perde a oportunidade de se recolocar em virtude do problema - e
assim não consegue o crédito para saldar a dívida", garante.
Ao contrário de Henrique, que após um ano e dois meses ainda não conseguiu
uma recolocação, Otávio* teve mais sorte, pelo menos por enquanto. Ele largou o
emprego de propagandista do setor farmacêutico para montar um negócio próprio. O
empreendimento era uma distribuidora de alimentos e durou apenas três anos.
"Passei por muitas dificuldades quando a empresa faliu, tive que vender meu
carro e entregar minha casa. Com 61 cheques devolvidos e uma dívida de 60 mil
reais, percebi que precisava arrumar um emprego muito rápido. Felizmente, após
algumas entrevistas, consegui retornar para a minha área de atuação anterior,
que era a indústria farmacêutica. Sempre deixei bem clara a situação, expliquei
que tinha um problema com o meu nome, mas que só conseguiria resolver se tivesse
um emprego", lembra ele.
Otávio conta que após quatro anos e meio trabalhando nessa empresa, decidiu
sair, dessa vez para batalhar outro projeto de negócio próprio. Nessa altura,
ele já tinha sanado 98% da dívida. "Hoje tenho uma franquia de cosméticos e
maquiagem com a minha noiva e estou muito feliz", orgulha-se ele, realizado.
Hoje, a dívida está paga. Para quem vive a mesma situação, Otávio dá a dica:
"O ideal é não esconder a verdade, mas ao mesmo tempo mostrar que você também
pode ser importante para a empresa. A experiência pode acabar pesando mais do
que o risco, como aconteceu comigo".