Vejam só: diz a imprensa que o Conselho de Ensino do estado norte-americano
do Kansas, aprovou neste mês uma nova regra para o ensino de Ciências, em função
da qual os professores terão que explicar aos alunos a teoria de que a vida pode
ter origem divina!
Essa nova tese está sendo chamada de “Teoria do Desenho Inteligente” (definida
como “a visão de que a natureza demonstra sinais tangíveis de que foi desenhada
por uma inteligência pré-existente” ), baseada na Gênese da Bíblia. Isso
contesta as idéias de Darwin, para quem as espécies evoluíram por conta própria
ao longo de milhões de anos, adaptando-se às condições naturais.
O que isso tem a ver com o mundo corporativo ou com teorias organizacionais? Vou
explicar.
Grande parte das empresas – nacionais ou multinacionais – está cheia de
“donos da verdade”. São aqueles profissionais que acreditam ter o monopólio das
certezas, a patente da sabedoria, a marca registrada das soluções infalíveis.
E por causa dessa “certeza”, quase sempre sem respeitar o direito do outro de
discordar, tais profissionais impõem suas “ verdades ” em todos os setores e
atividades da organização e, o que é mais lamentável, espalham seus vírus também
na cultura e nos valores da empresa. Neste caso em particular o estrago é maior,
porque a contaminação que é apenas de uma cabeça, por força de um indevido
“poder”, passa a ser injetada à força, gradativamente, nos corações e mentes dos
colaboradores.
No contexto dessas organizações não há diálogo. Não há espaço para argumentação
e muito menos contra-argumentação. Qualquer atitude ou pensamento contrário ao
da “verdade absoluta” é logo desqualificado, ignorado ou simplesmente rejeitado.
Uma pena. Não há fórmula mais eficaz para envelhecer depressa pessoas ou
organizações do que se deixar reger por uma obsessiva e radical postura de
jamais mudar de idéia ou de opinião por acreditar numa verdade absoluta.
Nada pior para um gestor que supor que sua idéia é sempre a melhor. Nada pior
para um grupo que aceitar, de cara, a primeira idéia que lhe foi apresentada.
Nada pior para uma pessoa que, de tempos em tempos, não questionar suas próprias
“verdades”.
Talvez o antônimo mais adequado para “verdade” não seja “mentira”, mas
“humildade”. As pessoas de bom senso e as praticantes daquela humildade que só
os verdadeiramente fortes possuem, sabem que, por mais certeza que tenham a
respeito dos seus conceitos e pontos de vista, sempre devem deixar uma margem
para admitir que possam estar enganados – ou apenas desatualizados. Estes
aprendem muito mais, porque são receptivos a outras hipóteses e alternativas que
não exclusivamente as suas.
Alguns autores e palestrantes, que chegam a galgar alguns degraus de um
questionável sucesso comercial, tendem a incorrer nessa “síndrome da verdade
absoluta” e atingem o ápice quando recebem o título honorífico – e às vezes
ridículo – de “guru”. E, há décadas, eles vêm afirmando categoricamente que têm
a solução de todos os males organizacionais. Quem já pagou para ver sabe quão
cara foi a aventura de tentar comprar uma “verdade”.
Na minha modesta opinião, prefiro propostas no lugar de verdades . Quanto mais
simples e honestas forem as propostas, melhor. Na verdade, penso que toda teoria
não deveria passar mesmo de uma proposta. Já que ninguém tem o monopólio da
verdade, o máximo que alguém pode fazer é sugerir uma teoria, idéia ou conceito
como proposta de possível solução, a ser avaliada e testada – se for da
conveniência de todos.
E mesmo que se trate de uma proposta considerada “absurda” ou “ridícula”, merece
ser avaliada e testada sem preconceitos ou má vontade. Foi essa postura humilde
que permitiu as grandes descobertas e invenções em toda a história da
Humanidade.
Agora, posso relacionar esses comentários com a introdução do artigo, onde me
referi à “Teoria do Desenho Inteligente”.
Eis o que quero propor para reflexão, com este artigo: se um Conselho de Ensino
– não importa de que país, mas sim a validade dessa instituição colegiada – tem
a disposição, o desprendimento e, claro, a coragem de propor mais uma
alternativa para tentar explicar a origem de vida – algo que a todo-poderosa
Ciência não conseguiu fazê-lo durante todos esses longos séculos que vem
tentando – por que um único indivíduo, independente do cargo que ocupa, não pode
admitir, no seu trabalho, hipóteses mais simples, como, por exemplo, a de que a
solução da liderança não está nos gritos, agressões e perdigotos, mas numa
relação de respeito, justiça, reconhecimento e afetividade?
Porque estes mesmos “donos da verdade” não conseguem admitir uma simples revisão
ou reflexão sobre seu destempero comportamental – frutos de suas verdades – a
despeito dos constantes destroços emocionais que vão deixando por onde passam,
nas suas organizações?
Moral da história: muitas vezes, em muitas empresas, a solução dos problemas que
a tirariam do prejuízo ou a salvariam da falência, estava a poucos metros da
sala do “dono da verdade”, bem ali onde se reúnem seus pares ou simples
auxiliares de escritório, analistas, técnicos, vendedores, operários,
secretárias, estagiários...
Uns poucos passos e uma pequena dose de humildade teriam evitado o nostálgico
fracasso de muitas empresas onde os detentores das decisões também detinham o
monopólio de uma falsa “verdade”.
Desculpem o trocadilho, mas é verdade ou não é?