Cheque pré-datado:
risco para quem dá
Apesar de já ter se tornado um hábito na hora de se fazer compras, o cheque
pré-datado ainda causa polêmica. Isso porque o cheque pré nada mais é do que uma
criação informal do comércio que tem por objetivo facilitar e desburocratizar a
compra a crediário. O problema é que, de acordo com a Lei nº 7.357/85 (a "lei do
cheque"), qualquer cheque é uma ordem de pagamento à vista. Assim, a empresa que
o recebeu poderá pedir o seu desconto assim que recebê-lo, seja qual for a data
nele estipulada.
O advogado Arystóbulo Freitas, especializado em Direitos do Consumidor, explica
que a aceitação do pré-datado se deve a um acordo feito entre as partes
(emitente e beneficiário). "Esse acordo, seja verbal, seja por meio de
publicidade, não pode nunca ser rompido." Ele lembra ainda que a expressão
correta é "cheque pós-datado", uma vez que se trata de um título de crédito com
data futura.
Muitas vezes, porém, esse acordo firmado entre as partes é rompido. E quem sofre
as conseqüências é o emitente.
Foi assim para o analista de sistemas Vítor Ângelo Fernandes. Por uma licença
que retirou no clube de automobilismo Interlagos Motor Clube, ele emitiu dois
cheques pré-datados de R$ 150 (um para 15/5 e outro para 15/6).
Os cheques foram depositados nos dias 29/5 e 31/5, respectivamente. O segundo,
portanto, foi descontado 15 dias antes do prazo combinado.
"Minha sorte foi que o banco, do qual sou cliente há anos, cobriu o valor do
cheque e me telefonou avisando", conta. Fernandes diz que chegou a reclamar na
empresa, mas não houve interesse em solucionar o caso. "Disseram apenas que
houve um descuido na hora de depositar o cheque. Aproveitaram-se do fato de o
cheque pré-datado não estar previsto em lei e não quiseram devolver o valor."
Procurada pelo JT, a empresa preferiu não responder à reclamação do leitor.
Indenização
O advogado Freitas diz que, "quando a empresa deposita o cheque antes do prazo
combinado, ela tem de indenizar o consumidor pelos danos a ele causados". Ele
lembra que há decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em
Brasília, a favor dos consumidores nesses casos.
A verdade é que o desconto antecipado pode acarretar a devolução do cheque por
falta de fundos. E, se isso ocorrer pela segunda vez, o nome do emitente é
enviado para o Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos (CCF), do Banco
Central, e para a Serasa. Todas as instituições financeiras e o Serviço Central
de Proteção ao Crédito (SCPC) também passam a ter essa informação. O nome do
emitente fica "sujo" e, vale lembrar, ter o nome incluído nas "listas negras"
ainda impossibilita o emitente de continuar utilizando cheques, além de os
bancos interromperem o fornecimento de talões.
Outro problema que pode ser causado pelo depósito antecipado de um cheque pré é
a devolução de um terceiro cheque que, pelo desconto antecipado, o banco não
teve fundos para cobrir. O cliente pode ter problemas com a empresa para a qual
havia passado o cheque e com o banco, mais uma vez.
Decisões beneficiam consumidor
Para Marcos Diegues, do Idec, a grande novidade no que diz respeito aos
cheques pré-datados são mesmo as recentes decisões dos tribunais a favor de
consumidores. "Não existe previsão legal para o instituto do pré-datado, mas os
costumes da sociedade também são fonte na criação de regras. E o cheque pré já é
um hábito. Essas decisões vêm reconhecer e regular uma prática existente no
mercado há muito tempo."
Só neste ano, duas decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ)
deram ganho de causa para consumidores que tiveram seus cheques depositados
antes da data combinada.
Uma das beneficiadas foi a comerciária Ivana do Carmo Almeida. Em 1º de junho de
1996, ela pagou as mercadorias que adquiriu no Frigorífico Alvorada Ltda., em
Belo Horizonte, com um cheque para o dia 11. A loja fez o depósito no dia 4, e o
cheque foi devolvido por falta de fundos. Tornou a apresentar o cheque no dia 7,
o que causou o encerramento da conta e a inscrição do nome de Ivana no Cadastro
de Emitentes de Cheques sem Fundos (CCF) do Banco Central (BC).
Ivana entrou com um pedido de indenização na Justiça, alegando imprudência e
negligência da loja. Ganhou em todas as instâncias e deverá receber mais de R$
18 mil de indenização, cerca de 100 vezes o valor do cheque. O frigorífico
recorreu ao STJ.
Caso semelhante foi o de Rogério Vieira e Costa, do Rio de Janeiro, que fez uma
compra na Ultralar Comércio e Indústria Ltda. com um único cheque que deveria
ser descontado em 30 dias.
Sem comunicar o consumidor, porém, a loja depositou o cheque três dias após a
compra. O cheque foi devolvido por insuficiência de fundos, reapresentado no dia
22 e novamente devolvido. Assim como no caso de Ivana, o fato acabou levando o
nome de Costa a ser incluído no CCF.
Costa buscou, então, reparação pelo dano moral que sofreu. A 4ª Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro acolheu a ação do consumidor, fixando a
indenização em 40 salários mínimos. A Ultralar recorreu da decisão, baseada na
"lei do cheque", que diz que o cheque é uma ordem de pagamento à vista. O
recurso foi negado por unanimidade.
Como e quando sustar
Se você emitiu um cheque pré-datado, mas o serviço ou produto que havia
encomendado não foi feito ou entregue de forma satisfatória, pode optar por
sustá-lo. Isso, porém, deve ser feito com cautela: sustar um cheque
indevidamente, para fugir ao pagamento ou sem motivo justo, pode levar o
emitente a responder por crime de estelionato.
Arystóbulo Freitas diz que, para que um cheque seja sustado, é necessário que o
cliente comprove o cancelamento do negócio.
Marcos Diegues, gerente de serviços ao associado do Instituto Nacional de Defesa
do Consumidor (Idec), atenta para a importância de se ter tudo sempre bem
documentado. Assim, anotar a data em que o cheque deverá ser depositado em nota
fiscal ou fazer uma declaração no verso explicando que ele se destina ao
pagamento de um serviço a ser feito em data específica são boas saídas que podem
servir de prova na hora da sustação. "São formas de se tornar o contrato mais
expresso."
Antes de mais nada, porém, deve-se tentar negociar com a empresa. Não sendo
possível o acordo, é aconselhável que se consulte um órgão de defesa do
consumidor.
No banco é preciso preencher um documento específico e justificar o pedido de
sustação. Os bancos podem cobrar tarifas pela sustação de cheques, contanto que
os clientes tenham prévio conhecimento.
Cuidados |
Ao preencher um cheque,
não deixe espaços em branco que possam ser utilizados para
adulteração do valor
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Preencha com sua própria
caneta
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Se o preenchimento for
feito à máquina, verifique se o valor e a data estão corretos
antes de assinar
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Não deixe seu talão de
cheques à vista
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Nunca emita ou aceite
cheques rasurados, com emendas ou borrões
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PRÉ-DATADOS |
Não assine atrás do
cheque, porque assim ele poderá ser passado para terceiros, os
quais poderão depositá-lo antes da data. O emitente deve fazer
constar na nota fiscal o número do cheque emitido para pagamento
e, sendo pré-datado, incluir a data em que deve ser depositado
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O cheque pré-datado deve
ser sempre nominal (com o nome da pessoa ou da empresa que
receberá o pagamento) e com a data em que deverá ser depositado
- nunca deve ser preenchido com o dia da compra. Outra
alternativa é escrever abaixo da assinatura: "Bom para o dia
X"
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Não passe um cheque
pré-datado se você não tiver confiança na pessoa ou na empresa
que vai recebê-lo. É preciso ter certeza de que o acordo de
postergar a data do depósito será cumprido
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Guarde toda a
publicidade referente à compra. Ela poderá servir como prova de
que o fornecedor oferecia o cheque pré-datado como forma de
pagamento
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