Finanças pessoais - Inflação: afinal, como ela pode mexer com nossa mente?
Inflação. Essa palavra assusta você, ou este problema, embora hoje global,
parece não lhe dizer respeito? Sem querer aqui analisar o fato em si e suas
proporções, a idéia é abordar nosso comportamento diante de tal realidade. Perto
ou distante, a inflação parece mexer mesmo com os "ânimos" do brasileiro.
O Índice Nacional de Expectativa do Consumidor, em pesquisa CNI (Confederação
Nacional da Indústria), mostrou pessimismo dos brasileiros com relação à
inflação.
No entanto, mais do que pessimismo ou otimismo, o tema surte efeitos
surpreendentes. A professora, psicanalista e consultora na área psico-econômica,
Vera Rita de Mello Ferreira*, explica que existe uma mistura de medo e atração
quando se fala no assunto. Mas por que isso acontece?
O "X" da questão
Para encontrar a explicação, a alternativa é buscar nos períodos de maior
inflação no País a resposta. Vera Rita acompanhou o problema bem de perto nos
anos 80, 90, analisando seus pacientes e questionando-se o tempo todo como tal
fato afetava emocionalmente a vida das pessoas.
Desenvolvida a sua dissertação de mestrado na USP (Universidade do Estado de São
Paulo) sobre o tema há quase dez anos, o problema parece hoje vir à tona, embora
em proporções bem menores. Hoje, apesar do "medo" que o tema ocasiona, Vera Rita
declara com firmeza: a inflação, de certa forma, atrai as pessoas. A afirmação
surpreende? Pois há uma explicação para isso: a indexação.
Para quem nunca acompanhou planos econômicos, vale esclarecer. Indexação é um
sistema de reajuste automático de preços, incluindo aí os salários, em situações
inflacionárias. "Quando as pessoas percebem, estão lidando com ganhos e gastos
representados por números com vários zeros. Tudo toma grandes proporções, o que,
de alguma forma, enche os olhos das pessoas, que perdem completamente a noção
dos valores e têm uma sensação irreal de multiplicação do dinheiro", esclarece.
Vale lembrar que, somente na década de 80*, foram oito programas de
estabilização econômica, 15 políticas salariais, 54 alterações de sistemas de
controle de preços, 18 mudanças de políticas cambiais, 21 propostas de
renegociação de dívida externa, 11 índices inflacionários diferentes, cinco
congelamentos de preços e salários e 18 determinações presidenciais para cortes
drásticos nos gastos públicos.
Extrato todo dia
Vera menciona que, na época dos altíssimos índices de inflação, acompanhava
pacientes que olhavam seu extrato diariamente, fissurados com a falsa proporção
dos valores. "Era um mundo absolutamente irreal", define. "O tamanho dos números
impressionava".
No entanto, por mais que o tema parecesse assustador e problemático na época,
havia certa resistência em resolvê-lo. "Justamente pela atração que seus efeitos
geravam nas pessoas".
"Nos tempos de inflação alta, era impossível se planejar, porque, de um dia para
outro, os preços subiam drasticamente. Com isso, as pessoas passavam a viver o
hoje intensamente, sem condições de planejar nada. Um tempo de ilusão",
esclarece.
Menor inflação, maior planejamento
Vera destaca que "somente num cenário de estabilização econômica, é possível
configurar determinados quadros de comportamento que vão da possibilidade de
poupar à clareza sobre regras, negócios, investimentos, contratos etc".
"Quando, ao contrário, tínhamos o desgoverno inflacionário, nuances eram
apagadas e vivenciávamos o salve-se quem puder, que paralisava qualquer
possibilidade de planejamento", esclarece.
Talvez por isso, haja aparente temor de enfrentar algo parecido de novo. No
entanto, Vera destaca que o cenário hoje é bem diferente do daquela época,
embora a trajetória de inflação, de certa forma, preocupe.
"É importante que as pessoas tenham consciência do papel fundamental da
estabilidade econômica no planejamento do seu orçamento, da sua educação
financeira. A inflação acaba derrubando tudo isso", esclarece Vera.
Efeitos "colaterais"
Abaixo, Vera relaciona alguns "vícios" que afetam nosso orçamento no dia-a-dia e
que costumam ganhar força em tempos de inflação.
Comportamento de manada - nada mais é do que a força do contágio. Ao ver
muitas pessoas fazendo algo, a capacidade dos demais de avaliar e julgar também
fica comprometida. Por isso, acabam fazendo o mesmo. "Assim como, na fase dos
grandes IPOs (ofertas públicas de ações) do ano passado, todo mundo saiu
investindo em busca de ganhos "garantidos", se, por acaso, alguém disser que é
hora de estocar produtos, os consumidores acabam, até inconscientemente,
seguindo a tendência", explica Vera.
O professor de economia do Ibmec São Paulo, Nuno de Almeida, esclarece que, nas
décadas de 80 e 90, a estratégia era justamente essa, referindo-se à época em
que os preços aumentavam várias vezes no mesmo dia.
No entanto, esse comportamento é perigoso, pois pode acarretar aumento da
inflação, piorando o quadro econômico. "Com o aumento da demanda, os preços
sobem ainda mais", esclarece o professor de economia da FEA/USP (Faculdade de
Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo), Fabio
Kanczuk.
Contas mentais - em resumo, a expressão mostra como distorcemos os
cálculos. Se o efeito é altamente prejudicial em uma economia "estável", avalie
diante de altos índices inflacionários. Por exemplo: se você vai receber uma
remuneração de R$ 2 mil, imagina o seguinte:
- posso comprar um DVD de R$ 400, afinal vou receber R$ 2 mil;
- posso comprar uma TV de plasma por R$ 1.500, pois tenho R$ 2 mil;
- mereço comprar R$ 500 em roupas, pois ganharei R$ 2 mil.
Conclusão: total de gastos de R$ 2.400. Receita de R$ 2 mil!
Distorção do passado - as pessoas que vivenciaram tempos difíceis de
inflação certamente aprenderam muito com a experiência e hoje sabem planejar,
certo?
Para Vera Rita, não. "As pessoas vêem o passado de uma outra forma, direcionam
para aquilo que gostariam de lembrar. Se o problema ocorresse novamente, teriam
dificuldades", declara. Já os mais novos, por não terem acompanhando nada disso,
teriam a impressão de que o problema nem é com eles. "Veriam a questão como algo
muito distante", conclui.
(*) Vera Rita de Mello Ferreira é doutora (PUC-SP) e mestre (USP)
em Psicologia Social e representante da IAREP (International Association for
Research in Economic Psychology) no Brasil.
(*) fonte para momento inflacionário de 80 - HENRIQUES, Ricardo
apud FERREIRA, V.R.M., Psicologia Econômica - estudo do comportamento
econômico e da tomada de decisão.
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