Ações / Bolsa de Valores - Controlar riscos dá lucro
Enquanto americanos contabilizam prejuízos, brasileiros comemoram os
resultados obtidos com o uso racional das ferramentas de gestão
Por Aluisio Alves
Imagine que você decidiu reforçar a proteção do seu patrimônio. Contratou um
seguro residencial mais completo, diversificou investimentos e fontes de renda e
passou a acompanhar mais atentamente o orçamento doméstico. Um belo dia,
descobre que alguns de seus amigos que fizeram o mesmo que você caíram na
miséria. Essa frustração é o que paira hoje sobre grandes colossos financeiros
globais, desde quando assistiram o francês Société Générale vergar diante da
fraude de um simples operador, o Bear Stearns desaparecer e outros ícones como
Citibank e UBS amargarem imensos prejuízos com a crise nos financiamentos de
alto risco ao setor imobiliário dos Estados Unidos. A impressão é de que os anos
e os bilhões de dólares gastos com a adequação às duras regras prudenciais de
proteção da estrutura de capital previstas no acordo de Basiléia 2 (para gestão
de riscos bancários) e da implementação dos controles internos contidos na lei
societária norte-americana Sarbanes-Oxley (lei americana que surgiu na esteira
da crise da Enron, criada para administrar riscos de empresas negociadas em
bolsas) foram praticamente em vão.
As instituições financeiras brasileiras não escondem a satisfação por estarem
passando incólumes à crise americana, mas já se preparam para mais aperto na
regulação. “A crise atual levou muita gente a questionar a eficácia dos
princípios contidos em Basiléia 2. Ações dos agentes supervisores e
regulamentações mais severas estão sendo consideradas”, disse Jorge Azevedo,
diretor de área de gerenciamento de risco da Ernst & Young, durante sua palestra
XII Congresso Latino-americano de Auditoria Interna e Avaliação de Riscos (Clain
2008), evento promovido pela Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) em maio.
Vantagem comparativa
A satisfação dos bancos brasileiros é justificada. Nos últimos anos, eles
lideraram o processo de adequação das empresas brasileiras com ADRs (American
Depositary Receipts, recibos de ações negociados em Nova York) às novas
exigências da Sarbanes-Oxley. E passaram a usar os novos instrumentos de
controles internos como ferramentas de gestão, o que produziu melhorias
importantes em seus principais indicadores.
Entre eles está o índice que mede sua eficiência operacional, que teve uma
melhora de quase 20 pontos percentuais em cinco anos. Pelo lado da estrutura de
capital, o Banco Central flexibilizou algumas regras para adequação ao acordo de
Basiléia 2, exigindo menos capital próprio para cobrir riscos de perdas nos
empréstimos de varejo, como crédito pessoal e cheque especial. Tudo isso dentro
de um cenário de crescimento médio de 25% ao ano das operações de crédito e,
claro, repetidos recordes de lucro. “Temos de transformar as ferramentas de
controle em instrumentos eficazes para o bottom line, ou seja, dar resultados
práticos”, disse Sérgio Werlang, vice-presidente-executivo do Itaú, em palestra
no Clain 2008.
Outra conseqüência positiva foi o aumento de segurança ao cliente, evolução
captada num levantamento do Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de
Incidentes de Segurança no Brasil (CERT.br), mostrando que as tentativas de
fraudes financeiras apresentaram redução de 26% em 2007. “As instituições
financeiras perceberam que boas políticas de gestão de riscos podem trazer
ótimos resultados”, avalia Carlos Sá, diretor da KPMG na área de prevenção a
riscos.
Diferenças
Para Gabriel Jorge Ferreira, presidente da Confederação Nacional das
Instituições Financeiras (CNF), essa evolução resultou do uso disciplinado das
ferramentas de controle pela auditoria interna, sob a supervisão de uma esfera
criada especificamente para cuidar do assunto. Mais adiante, esse processo foi
padronizado de tal forma que os profissionais envolvidos passaram a prestar
contas dos resultados de suas atividades. O último relatório anual do Unibanco,
por exemplo, revela que seu Comitê de Auditoria realizou 27 reuniões ordinárias
e extraordinárias em 2007. E o Itaú passou a utilizar uma ferramenta gerencial
de avaliação econômica que mede os riscos operacionais de cada linha de negócios
por meio de modelos estatísticos, que permitem a constituição de provisão para
perdas esperadas. “O uso da regulação prudencial no Brasil é muito melhor do que
nos Estados Unidos”, avalia.
Os eventos recentes corroboram sua opinião. Em meados de maio, enquanto os
grandes bancos nacionais comemoravam crescimento de quase 40% da carteira de
crédito, rentabilidade média sobre patrimônio de 22%, redução das provisões para
inadimplência e novos recordes de lucros no primeiro trimestre de 2008, grandes
corporações norte-americanas contabilizavam o que se acreditava serem as
derradeiras baixas relacionadas à crise do setor imobiliário, alimentada pelo
excesso dos empréstimos de alto risco.
As diferenças de postura entre o que fizeram a maioria dos bancos americanos e
os brasileiros não passaram despercebidas pelos investidores. Enquanto o valor
de mercado do Itaú aumentou em mais de 400% em seis anos, o do Bradesco se
multiplicou por dez e o do Unibanco cresceu quase 500% desde 2003, o do Citibank
caiu à metade em um ano, para pouco mais de US$ 100 bilhões – diferença que
daria para comprar o Bradesco e o Itaú juntos e ainda sobraria dinheiro.
Futuro
Embora ainda seja cedo para prever que tipo de regras adicionais virão para
tentar evitar crises como a atual, os órgãos reguladores e as próprias
instituições financeiras já começaram a se mexer. O banco de investimentos
Merrill Lynch, um dos mais atingidos, informou que vai cortar 650 empregos e
parar de atuar no setor de financiamentos imobiliários de alto risco nos EUA. O
Citigroup, que perdeu incríveis US$ 35 bilhões, anunciou o corte de 9 mil
empregos e a venda de suas atividades não estratégicas. O suíço UBS, líder em
prejuízos com a formidável marca de US$ 37,4 bilhões, já recorreu a dois
aumentos de capital e vai cortar 5,5 mil postos de trabalho. Até o JP Morgan,
outro que se saiu relativamente bem na crise – acaba de fechar a compra do
falido Bear Sterns – mergulhou num rigoroso processo de corte de custos e
empregos mundo afora, até mesmo no Brasil.
No final de maio, a Securities and Exchange Commission (SEC, a CVM dos EUA)
avisou que está investigando o trabalho das três principais agências de
classificação de risco. As agências vêm enfrentando críticas por terem conferido
notas elevadas a produtos complexos que foram fortemente atingidos por
moratórias nas hipotecas de alto risco. A desconfiança nessas instituições
cresceu ainda mais depois de a Moody´s revelar que conferiu por engano nota
“AAA”, a mais alta, a vários produtos de dívida, devido a um erro nos seus
modelos de software.
Em larga escala, as instituições financeiras começam a promover revisões
independentes em seus modelos internos de gestão de riscos e a reduzir o
interesse por produtos de maior risco. No médio-longo prazo, já se espera a
adoção de novos modelos e a melhora da infra-estrutura de gestão de riscos,
incluindo novos investimentos em TI e dados.
Mesmo sem culpa no cartório, os bancos nacionais não devem escapar ilesos a essa
movimentação. Além de terem de se adaptar a mais e mais regras, essas
instituições vão gastar mais para proteger o capital. Um relatório recente da
Deloitte apontou que a exigência adicional de capital para riscos operacionais
dos bancos brasileiros deve chegar a R$ 21 bilhões até janeiro de 2010, sendo
que as dez principais instituições deverão participar com cerca de 84% deste
montante. Resta o consolo de saber que, mais uma vez, é possível aprender com os
erros dos outros e não repeti-los
RECOMENDAÇÕES DO IIF
O Institute of International Finance (IIF), entidade que reúne os principais
bancos privados do mundo, emitiu recentemente um relatório com uma série de
recomendações para os bancos, com o objetivo de reduzir a vulnerabilidade a
novas crises financeiras.
Uma das principais recomendações é a criação, pelo próprio setor, de ferramentas
de auto-regulação para contínua prevenção a riscos, em três frentes: na gerência
de negócios, na área de gestão de riscos e nas funções de controle. A idéia é
fazer com que as instituições evitem se envolver muito com produtos que não
conheçam muito bem – uma referência indireta aos empréstimos subprime, mercado
de hipotecas de alto risco nos Estados Unidos cuja crise levou a perdas
multibilionárias dos bancos. O IIF também sugere uma postura mais ativa da área
de gestão de riscos dos bancos. “Não é mais apropriado ficar apenas numa posição
passiva, de monitoramento. É preciso que o controle esteja ligado a uma área
estratégica”, diz o documento. A entidade reconhece que a crise do subprime foi
mais profunda do que imaginava. “Desde agosto de 2007, os eventos mostraram
claramente que o sistema financeiro está mais entrelaçado com os mercados e com
diversos setores da economia e com produtos do que se poderia pensar há 18
meses.” O IIF admitiu também que há diferenças importantes de modelos de
negócios em cada parte do mundo, o que também implica níveis diferentes de
exposição a risco. Por isso, conclui, não se pode esperar uma solução única para
todo tipo de circunstâncias. “Assim, a melhor prática não é uma obrigação legal,
mas a adoção de elevados padrões pelas próprias companhias para resolver seus
próprios problemas.” Críticos viram nas sugestões do documento uma tentativa de
evitar um aperto ainda maior da regulação pelas autoridades financeiras.
Referência:
acionista.com
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