A duração, na qual estamos imersos é a mobilidade pura. Está além de nossa
expressão analítica. Mas, podemos identificar a sucessão dos acontecimentos
entre uma consciência em fluxo e o mundo externo. Intuímos a presença de padrões
e conexões lógicas e necessárias. Assentimos uma relação imediatamente dada
desta consciência consigo mesma e com a exterioridade, mas dentro deste
incessante vir-a-ser, somente entendemos este continuum criando divisões.
Ontem, hoje e amanhã são nomes dados aos recortes que efetuamos, espacializando
o tempo. Esta é a maneira pela qual uma parte de nossa racionalidade, a
inteligência, opera: em função da utilidade. Nada mais útil do que poder
controlar um fenômeno. Estas técnicas nos permitem um determinado grau de acerto
ao analisarmos, prevermos e controlarmos como se dão estas relações e interações
que nos atingem. Também permitem validar ou não juízos e opiniões, estratégias e
pensamentos. Atravessamos deste modo peculiar, as instâncias de nossa condição
especia de existência social (biopsicosocial?) a que chamamos mundo, por via de
apropriações.
Um estranhamento: Sempre que alguém quer atenção para seu discurso, o relaciona
a uma série de fontes de dados. Em alguns casos, para fazer a devida referência
ou buscar subsídios para o debate. Mas, na esmagadora maioria dos casos se faz
isso apenas para apoio de plataformas próprias. Nada mais natural, o ser humano
médio é assim mesmo e sempre busca o apelo à autoridade, que está vigente desde
a idade média, a despeito de todo esforço de Descartes.
O mesmo se dá em relação a opiniões, chancelas, análises e levantamentos
encomendados para mensurar sociedades, as chamadas pesquisas e verificações:
apresentamos sintomas de uma endêmica necessidade de confirmações, de “opiniões”
autorizadas, a nos apontar qual seve ser a interpretação do real. Mas, pesquisas
dependem da metodologia e, como se sabe, elas a priori não são isentas. Cabe
verificação empírica.
Mesmo porque o que se recolhe é fruto de questionários e estratificações
planejadas e raciocínio indutivo. Ou seja: não se levantam dados da realidade,
mas apenas se busca confirmar conjecturas ou caminhos para estratégias já
previamente traçadas. Um exemplo clássico são os levantamentos sociais: O ethos
ultrautilitarista dá o tom da política atual. Mas dificilmente se apontam rumos
ou soluções. Seria cômico se não fosse trágico este apontar, este delimitar de
indicadores e nenhuma ação. Quando avançaremos rumo ao bem comum?
Temos a tendência de "confiar" em números. Coisas bonitas que adquirem
substância e realidade quando apresentadas em gráficos e planilhas? Como
chegamos a isto? Difícil resumir aqui, mas digamos que temos um bom caminho já
andado e a ignorância anda de mãos dadas com a ilusão.
Há muito já se fez a denúncia: Ciência não é pura, no entanto busca-se a
fundamentação na razão e no "esclarecimento”. Esta é uma crença perigosa. A
política se vale de meios e entremeios que fariam corar Maquiavel, sendo a
indiferença com as bases sua pior faceta.
Poucos se dão conta de que suas opiniões são, mormente, vazias e superficiais,
só valem para expressar sua própria frustração. Uma vez extrapoladas para o
contexto, se perdem, vazias e, sem fundamento ou inaplicáveis, portanto,
descartáveis e descartadas pelos mandatários. Exemplos não faltam: já tivemos
escândalos e manipulação de dados e veiculação suspeita na mídia e no governo
antes. Os indicadores não são melhores hoje.
A ordem do discurso ainda impera. No campo das "verdades" estatísticas, a crença
é xiita: saiu a tabulação têm-se a “verdade”. No entanto, metodologias a priori
não são isentas, assim cabe verificação empírica das chamadas "tendências". O
niilismo midiático reforça o senso oportunista de uma população sem cultura:
aposta-se no que tem mais pontos. Tudo é jogo e interesse. Definimos no Brasil
um novo estágio do utilitarismo preferencial e os filósofos ainda não chegaram a
perceber a capacidade da perversidade instalada. Quando avançaremos? Tudo deve
ser levado em conta de "interesses de mercado", "estratégia e gestão".
Até que ponto os cânones da administração devem nortear o humano? Todos
caminhamos rumo às conceituações e esquecemos que a espacialização do tempo nos
lega apenas os substratos teóricos que inundam este país de "papers". Ações são
tímidas. A prática encarnada mata o espírito. Resultado: Todos amam com
parcimônia e gozam com tibieza, sonegando muito neste percurso.
A pergunta que não quer calar é atualmente múltipla: Porque o desemprego
estrutural, com ou sem Marx? Porque ainda a voz do cidadão não encontra meios de
coerção contra o Estado? Porque a Justiça é cega, surda e lerda? Porque se morre
nas filas dos hospitais e, depois de dada a notícia o âncora sorri e passa a
falar de futebol e tudo bem? Porque desviamos o olhar dos que estão caídos nas
ruas? A resposta não está pairando no vento, está escrita nos códigos
empoeirados, no marketing aético, nas autarquias e nas associações.
Estamos longe de uma república calcada na paidéia, na meritocracia, na equidade
concorrencial ou sequer desenvolvimento. Mas esta é a parte fácil, já que
lutamos contra um tributarismo feroz. Mentalidade opressora que distorce e, não
raro, inviabiliza a vida das pessoas e empresas. O difícil é delimitar o alcance
de uma vontade de potência que constrangeria até os homens do porvir, embora
dirigidas aos mais ferozes instintos hedonisticamente atuais. Tempos e costumes?
Faça seu comentário num blog para ninguém ver! Sim! Todos falam, mas ninguém
escuta. Passeia-se entre transglobalismos e novas nomenclaturas, no entanto as
fórmulas se esgotam.
Dionisio está solto! Voltando ao assunto, se manipular está no vade mecum das
ações, porque não das informações e dados? O que impede os subterfúgios, as
interpretações dolosas, as chicanas jurídicas e estatísticas? A possibilidade de
usar o avião em campanha é remotamente ética. Presidentes do senado enroscados
em modelos crônicos de corrupção, logo serão substituídos por outros tantos
lobbies e jabás.
Tudo vai mal, esganiçava-se Robertão Rei, mas o pior é saber que poucos terão
coragem ou inteligência para ousar ações impeditivas do mal. Já os sectários das
disciplinas ditatoriais florescem a cada calourada nas universidades públicas e
após invadirem reitorias e cantarem Vandré, vão embora com o pequeno butim para
o boteco. Mas estes são apenas pequenos e anacrônicos imbecis. Malvados mesmos
são os que dão usinas para terroristas e fazem ameaças tributárias, dizendo que
se cortarem impostos haverá menos feno para o gado.
Mas, para os que cultivam a idolatria dos indicadores não posso deixar de
contribuir com algumas estimativas: Enquanto finalizo estas mal traçadas linhas,
5 ou 6 pessoas morreram assassinadas no estado e outras 15, talvez menos, de
fome e doenças parasitárias. 10 empresas fecharam e milhares foram despedidos.
Umas tantas enlouqueceram e mataram a amante, enquanto outros cometeram
latrocínio, concussão ou foram para a cama com crianças. Traficantes se reúnem
toda noite embaixo de minha janela, que tranco cuidadosamente pois não posso
contar com uma polícia investigativa e firme. Se eu denunciar me identificando,
estarei com os dias contados.
Amanhã tento engolir isto, de novo, com um café preto (sem racismo) e um pão na
chapa. E o espetáculo da vida continua! Até que a ingrata das gentes me
surpreenda nas mandíbulas de um cachorro ou naquela bala perdida. Se tiver
sorte, viverei para contemplar a extinção dos últimos ecossistemas e me
abrigarei nas marquises sem chuva do pesadelo de Loyolla Brandão, após o fim das
economias de mercado. Cruz credo! Nem sei o que é pior.
Contudo é isto o que nos espera e o que estamos acostumados a aceitar - calados
e sem meios de gritar -, mesmo que quiséssemos. Faltam instrumentos eficazes e a
própria liberdade de expressão e de agir é um controle imposto a todos: digam o
que quiserem, ninguém ouvirá. Horários nobres não vendem mais tanto. Jornalistas
não formam opinião. Estudos de mercado agora têm prazo de validade. O
atendimento foi terceirizado, o acesso a lugar nenhum agora é virtual, as leis e
processos são ininteligíveis; a segurança e o dinheiro também estão distantes.
Fugir ou lutar também é complicado: marxismos são ignorantes, míopes e
antidemocráticos, mas poderios econômicos são devastadores, assertivos, sombrios
e acachapantes. De outro lado a inércia estutural das economias de mercado,
determina mobilizar canais de distribuição e modos de comunicação cada vez mais
padronizados. Realidade é igual à percepção? Será?
A questão, entre outras é: O que será de nós agora, que o tempo já chegou? Mas,
também podemos perguntar: Quando começa o futuro? Alcançará o bicho homem o seu
destino? Quando avançaremos para o bem comum? Quando viverei e morrerei como
homem e cidadão? Acabou o texto e falta ainda tanto a dizer...