G1 selecionou três casos de pessoas que estão tentando sair das dívidas.
Especialistas alertam: pesquisar menor taxa é fundamental para a saúde
financeira.Ligia Guimarães
Do G1, em São Paulo
Link da reportagem original:
http://g1.globo.com/Noticias/Economia/0,,MUL78915-5599,00.html
Pesquisar taxas, renegociar prazos, fugir do cheque especial: para quem se
atrapalhou com o orçamento e chegou à metade do ano afundado em dívidas, reduzir
os juros do saldo devedor ao máximo deve ser prioridade absoluta.
A atitude é especialmente importante no Brasil, país dono de uma das taxas
mais exorbitantes do mundo: a média dos juros cobrados pelos bancos no cheque
especial é de 139,7% ao ano, de acordo com números do Banco Central.
Sair do vermelho é possível, mas requer sacrifício: segundo especialistas
ouvidos pelo G1, são necessárias mudanças profundas e
permanentes na maneira de se relacionar com o dinheiro.
“É como fazer regime. Não adianta parar de comer por um período curto: é
preciso fazer reeducação alimentar. Com dinheiro, é a mesma coisa: precisa mudar
a cultura financeira”, diz o economista Alexandre Assaf Neto, professor da
Fipecafi - Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras.
Para Vera Rita de Mello Ferreira, professora de Psicanálise e psicologia
econômica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), “o primeiro
passo é entrar em contato com a realidade”.
Ela propõe uma reflexão: “Senta e coloca no papel qual a verdadeira situação
– quanto [dinheiro] sai e quanto entra. Para muita gente, isso não é suficiente
porque não consegue sentar, ou não consegue colocar no papel.”
O G1 selecionou três exemplos de pessoas que enfrentaram o
problema de dever mais do que podiam pagar, mas estão conseguindo vencer o
desafio: aprenda com os erros e acertos de cada um, na avaliação de
especialistas.
Dívida 1: Financiamento de
carro
Prestes a entrar como sócia em um escritório de arquitetura em Jataí (GO), a
empresária Rosemeri Schaurich, de 38 anos, decidiu dar entrada no financiamento
de dois automóveis: um para ela e um para o sócio.
PROBLEMA
Em apenas dois meses, acumulou uma dívida de R$ 100 mil. No primeiro carro,
retirado da concessionária em agosto, ela se comprometeu a pagar 60 parcelas de
R$ 1.312,00; com os juros, os R$ 41 mil do valor do carro saltaram para R$ 78
mil. Com a renda que vinha da escola de informática da qual é proprietária até
hoje, não conseguiu pagar mais que a terceira parcela do carnê.
O pagamento das parcelas do segundo veículo – que valia R$ 22 mil - deveria ser
responsabilidade do sócio de Rosemeri. A situação financeira da empresária, no
entanto, se agravou quando ele foi embora e abandonou tanto a empresa quanto as
despesas.
ACERTO
Para quitar a dívida, Rosemeri apelou à Justiça: entrou com uma ação
requerendo a diminuição dos juros cobrados pela financeira. Diante da
iniciativa, o banco propôs um acordo: a empresária devolveu os veículos, pagou
R$ 7 mil referente às parcelas atrasadas do segundo veículo e encerrou o
assunto: ficou livre das dívidas e sem os automóveis.
ERRO
Faltou planejamento nas compras de Rosimeri. Para o especialista Alexandre
Lignos, da consultoria IGF, a empresária pecou pelo consumismo.
“A pessoa se encanta com o carro, ou com algum produto e compra sem
planejamento”, diz. “Se ela planejasse, fizesse alguma reserva, poderia num
futuro próximo comprar o bem e poder usufruir dele de verdade”, diz.
Dívida 2: Gastos com
faculdade
O administrador Eduardo dos Santos Leonel, 26 anos, não conseguiu manter em
dia as mensalidades da faculdade, que começou a cursar em 2001.
PROBLEMA
Leonel acumulou as parcelas em aberto até perder o controle da situação: a
dívida chegou aos R$ 10 mil, quantia pesada para seu salário de estagiário, que
ainda precisava ser suficiente para pagar a pensão para a filha, hoje com 7
anos.
ACERTO
Para resolver a questão, ele procurou a administração da faculdade. “Eu disse
que só podia pagar a dívida se continuasse trabalhando e que, se parasse de
estudar, perderia meu emprego”, diz.
Para as negociações, Leonel foi encaminhado à financeira que presta serviço para
a instituição. Resultado: depois de concluir os estudos em 2005, ele só vai
conseguir quitar a dívida em março de 2008. Desde que negociou a dívida, há um
ano e meio, ele pagou mensalmente parcelas que variaram em média de R$ 300 a R$
700.
“Tive que cortar gastos. Na época, eu morava com a minha mãe e tive que parar de
contribuir com as despesas do mês. Reduzi totalmente a conta de telefone e as
saídas com os amigos”, diz. “Valeu a pena. Depois disso, descobri que gastava
muito dinheiro com bobeira. Aprendi”.
ERRO
Faltou pesquisar outras taxas de empréstimo, além da financeira, indicada
pela faculdade. Na avaliação do professor William Eid Junior, da Fundação
Getúlio Vargas (FGV), pesquisa e planejamento são fundamentais antes de se
aceitar qualquer acordo.
“Não pode ir aceitando a primeira que oferecem, sem nem saber quanto paga”,
diz. Segundo ele, financeiras geralmente têm os juros mais altos: um empréstimo
pessoal num banco poderia ter saído mais barato.
Para o consultor Alexandre Lignos, da consultoria IGF, a pressa em limpar o nome
sem pesquisa foi a principal falha de Eduardo.
“O principal erro dele foi a falta de informação. É uma pessoa honesta,
jovem, que quis manter o nome dele e se desesperou, pegou a primeira opção, a
financeira da faculdade”, diz.
Segundo ele, pensar no valor das parcelas sem olhar para as taxas de juro é
um comportamento padrão do brasileiro. “Ele negociou uma parcela que cabia no
salário dele. Podia ter quitado a dívida há muito tempo”, diz.
Dívida 3: Empresa falida
O ‘calote’ de grandes clientes derrubou os negócios do empresário Joaquim
Ribeiro de Oliveira, 51 anos. Em 1996, ele era dono de um mercado em Campo
Grande (MS). Na época, alguns de seus principais compradores, como fazendas e
prefeituras, deixaram de pagar pelo que haviam comprado em seu estabelecimento.
PROBLEMA
Pego de surpresa pela falta de dinheiro em caixa, Joaquim viu seu
estabelecimento falir e amargou mais de R$ 200 mil em dívidas com fornecedores,
agiotas e até com a Receita Federal. Teve, além, disso, dois imóveis
penhorados.
ACERTO
Para reverter a situação, saiu em busca de negociações: ‘chorou’ para
diminuir juros de dívidas, conseguiu empréstimos a juros menores e parcelamento
das dívidas na Receita. Além disso, cortou gastos: vendeu automóveis, e eliminou
‘luxos’, como festas no final de semana com a família. Hoje, ainda tem pela
frente as parcelas do débito com a Receita, que somam R$ 120 mil.
ERRO
Faltou saber administrar a dívida. “Ele tinha imóveis. Colocando-os como
garantia, ele poderia ter conseguido juros bem menores para empréstimo, antes de
tê-los penhorados”, diz Alexandre Lignos, da consultoria IGF. "Ele deixou
acumular a dívida e de repente desistiu, entregou tudo o que tinha".
Outra falha grave é ter procurado um agiota. “Agiota nunca ajuda”, diz.
Segundo o especialista, apegar-se a imóveis na hora de pagar uma dívida não é
recomendável. "É ilusão de segurança".