Dívidas / Endividado ? - Devo, não nego, pago quando puder
Formalização em contrato por escrito de empréstimos entre amigos e familiares
reduz risco de conflito nas relações afetivasUma das modalidades mais
acessíveis e baratas de crédito, a obtenção de dinheiro com familiares e amigos
tende a envolver maior inadimplência do que os empréstimos feitos em
instituições financeiras. Única saída para muitos brasileiros que estão
incluídos em listas de serviços de proteção ao crédito ou não oferecem as
garantias exigidas pelos bancos, os chamados empréstimos `de pai para filho`
também trazem risco de brigas, traumas e rompimento de relações afetivas.
Criado com dificuldades na periferia de Santa Maria, o contabilista Ariovaldo
Ramos Machado, 44 anos, desde a infância trabalhou e estudou até se graduar na
faculdade. Afirma proporcionar o máximo possível de qualidade de vida para a
mulher, Elisângela, e o filho, Augusto. Ele economizou para adquirir um carro e
casa própria. Com orçamento apertado, mas bem administrado, Machado consegue
viajar nas férias, freqüentar restaurantes e ir ao cinema, teatro e futebol.
- Meu salário não passa de R$ 1 mil, mas faço render com pesquisa de preços e
corte de gastos dispensáveis. E jamais compro a prazo. É preciso sobrar algum
valor para colocar na poupança - explica.
Sua ascensão social durou pouco, pois acabou enrascado em dívidas de parentes e
amigos depois de ter assumido contas como avalista, comprado para terceiros em
seu nome ou emprestado recursos nunca devolvidos. Como bola de neve, os
compromissos pendentes estouraram de uma só vez, justamente quando enfrentava
dificuldades por causa de um acidente com o filho.
Sem apoio dos demais familiares, Machado teve de vender a casa para quitar os
débitos e mudou-se para Porto Alegre. Depois disso, nunca mais quis emprestar
dinheiro ou ouvir falar dos entes `próximos`, inclusive da mãe (depois acabou
perdoando) que defendeu os responsáveis pela discórdia financeira.
- Foi uma falta de respeito tão grande que tive de optar entre reconstruir a
vida em outro lugar ou continuar junto de pessoas despreparadas e sem capacidade
para conviver em sociedade - conta.
Compromisso assinado
Dicas sobre como solicitar ou conceder empréstimos financeiros entre amigos e
familiares:
» A liberação de recursos deve ser formalizada com a assinatura de notas
promissórias, com data e valor dos pagamentos, já acrescidos de juros. O ideal é
a iniciativa do procedimento partir do próprio interessado no empréstimo.
Qualquer papelaria ou livraria dispõe do impresso para tudo ficar `nos
conformes`
» O devedor também pode reconhecer firma em cartório
» É conveniente o interessado oferecer garantias, como parcelamento em cheques
» O interessado no dinheiro deve pedir um valor condizente com sua renda mensal
» Deve-se parcelar o pagamento no menor número possível de vezes
» Deve-se oferecer juros, no mínimo, equivalentes aos pagos na caderneta de
poupança, mesmo que o dono do dinheiro não queira
» É preciso ter consciência de que amigos ou familiares devem ter prioridade no
momento de quitação de dívidas
» É importante analisar se o solicitante do empréstimo costuma pagar suas contas
» Deve-se emprestar apenas valores que não farão falta, ficando sempre com
recursos para suprir despesas
» Quem empresta deve perguntar o destino para os recursos antes de sua decisão.
Quando o motivo não tiver fundamento, é importante avaliar criteriosamente a
situação
» Deve-se determinar um percentual de juros para conceder o dinheiro, desde que
não seja alto, pois nesse caso pode contribuir para a não-devolução dos recursos
» Na liberação de recursos, é importante dar prioridade a quem pretende quitar
outras dívidas ou fechar um bom negócio
» O ideal é condicionar a liberação do dinheiro à adoção, pelo devedor, de um
planejamento de longo prazo para seu orçamento
Fontes: professores e especialistas em finanças Luciano Volcanoglo Biehl,
da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), e Gustavo Cerbasi, da Universidade
de São Paulo (USP)
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Financiamento caseiro
Inspirado em hábitos do falecido pai Ernesto, um imigrante italiano que
acreditava na ajuda mútua para o progresso de todos, o engenheiro agrônomo
Gianfranco Badin Aliti, 35 anos, afirma manter relações financeiras harmoniosas
com a mãe, Carmem, e as irmãs Graziella e Mariela, todos moradores de Canoas.
- Quem tem mais empresta para quem tem menos, porque o importante é o bem-estar
familiar - ressalta.
Pedidos de dinheiro, enfatiza Aliti, são feitos caso realmente exista
necessidade. A concessão de recursos só é efetivada, lembra, se houver motivo
justo para sua utilização, como gastos inesperados por conta de doença ou chance
de um negócio imperdível. Mas, se o pedido partir de amigos, a situação muda,
diz ele:
- Valores pequenos até posso emprestar sem preocupação, mas em caso de quantias
maiores é necessário pensar bem, e dependerá da causa do pedido, capacidade de
pagamento e histórico do interessado, além do acerto de um percentual de juros
como remuneração.
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Crédito a fundo perdido
É unanimidade entre os especialistas em finanças pessoais: a liberação de
recursos para amigos e familiares quase sempre se transforma em empréstimos de
fundos perdidos. Quem não estiver disposto a perdoar a dívida, precisa elaborar
um contrato de gaveta, com definição de prazos, valores e assinatura de notas
promissórias pelo devedor, alerta Gustavo Cerbasi, professor da Universidade de
São Paulo (USP) e autor do livro Dinheiro: Os Segredos de Quem Tem.
Cerbasi lembra que quase 70% dos consumidores estão endividados. Cadastradas em
órgãos de proteção ao crédito, as pessoas recorrem a parentes e amigos. Ao
deixar de honrar compromissos, comprometem relações, o orçamento do credor e o
próprio futuro financeiro.
- Misturar amizade e dinheiro é uma situação explosiva, que pode provocar
desentendimentos e até acabar com antigas relações - reforça Luciano Volcanoglo
Biehl, professor do Campus de Gravataí da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra).
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