Zeno Veloso
Jurista
A desembargadora gaúcha Maria Berenice Dias, minha
querida amiga e colega de diretoria do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito
de Família), enviou-me a 3ª edição de seu livro 'Manual de Direito das
famílias', publicado pela Revista dos Tribunais. Já falei desta obra, desde que
apareceu, prevendo que teria grande sucesso, o que aconteceu. Trata-se de um dos
melhores livros sobre a matéria.
Um dos capítulos mais notáveis é o dedicado à união
estável, que nosso Código Civil regula nos artigos 1.723 a 1.726. As
características da união estável, como entidade familiar, são: convivência
pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de
família. Temos, aí, o elemento objetivo, externo, a convivência, a vida em
comum, de forma notória, à vista de todo mundo e durante um tempo mais ou menos
longo, que não é logo definido de modo fixo, mas vai depender do caso concreto,
das circunstâncias, da decisão que o juiz der; e o elemento subjetivo, interior,
o conteúdo finalístico, moral e espiritual do relacionamento: a constituição de
uma família, com base no amor, no afeto.
Por força de norma constitucional, a família, base da
sociedade, tem especial proteção do Estado. E não cuida a Carta Magna, neste
passo, apenas da família matrimonializada, formalizada, decorrente de um
casamento, mas, igualmente, da família informal, natural, conseqüência de um
vínculo de convivência.
Há direitos e deveres, pessoais e patrimoniais, na
união estável. Os companheiros, reciprocamente, devem lealdade, respeito e
assistência. Há um regime de bens na união estável, o da comunhão de parcial, se
os conviventes não tiverem estabelecido outro. Na dissolução do relacionamento,
há o dever de alimentos, conforme as circunstâncias e, por morte de um deles, o
sobrevivente tem direito hereditário, na forma do artigo 1.790 do Código
vigente, que considero tenebroso, uma verdadeira excrescência, conforme tenho
dito e repetido em todas as palestras que faço, invariavelmente, com apoio dos
que debatem comigo.
É muito difícil, às vezes, estabelecer a
diferença entre a união estável e um namoro prolongado. Um homem e uma mulher
podem estar convivendo, tendo conta conjunta, fazendo viagens, mantendo um
relacionamento íntimo, sem desejar que isso passe disso, sem querer,
absolutamente, constituir família. Querem se amar, livremente, desejam namorar,
intensamente, sem deixar de ser somente namorados. Maria Berenice não admite a
hipótese de um casal de namorados firmar um contrato para exprimir, exatamente,
que não têm, além do relacionamento afetivo, outro compromisso, outro
comprometimento, que possa gerar, por exemplo, deveres pessoais e patrimoniais:
alimentos, herança, etc. Eu penso diferente e já escrevi sobre o tema neste
espaço. Creio que o contrato de namoro é possível, assim como a cautela e caldo
de galinha não fazem mal algum. Aliás, acabo de ler a escritura pública de pacto
de convivência, lavrada no cartório do 26º Ofício de São Paulo, entre Eva
Missine, alemã, médica, e Henrique de Campos Meirelles, brasileiro, engenheiro,
solteiro. Eles dizem, no dito contrato, que convivem, mas apenas isso, não
formam, de jeito algum, uma união estável. Henrique, o varão, é nosso atual
presidente do Banco Central. Na próxima semana, falarei do contrato de namoro.
12.12.2006
Fonte:
Jornal O Liberal - Edição de 16.09.2006