Antes de começar a ler este artigo pegue os canhotos de seu talão de
cheques e as faturas dos cartões de crédito. Examine-os e veja se acha um
alerta do tipo "O Banco Central adverte: excesso de dívidas faz mal à saúde".
Nos maços de cigarro, encontram-se advertências sobre os males causados pelo
fumo. É uma imposição do Ministério da Saúde aos fabricantes. Talões de cheques
e cartões de créditos, no entanto, circulam livres por aí, amparados por pesadas
propagandas das instituições financeiras, que lhe oferecem tão gentilmente
crédito farto, para comprar da TV último tipo a uma casa própria, de roupas
novas à viagem dos sonhos. Enfim, eles vendem a torto e a direito a idéia de que
você pode tudo, desde que esteja armada com seus poderosos cartões e tenha ao
menos um cheque especial. Mas não se engane: você não pode tudo e tem que
aprender a fazer escolhas, pois excesso de endividamento faz mal à saúde. Pode
não causar câncer como o cigarro. Só que vai deixá-la nervosa, estressada e
prejudicar não só sua alma, mas também seu corpinho.
O primeiro passo para tentar evitar tudo isso é: não se sinta culpada se
chegar o dia em que não conseguir pagar todos os seus débitos. Digamos que você
se alavancou, como gostam de dizer os economistas. Alavancagem é um jargão do
mercado financeiro que significa tomar dinheiro emprestado. Alavancagem - seja
por meio dos complexos contratos de derivativos dos mercados futuros e de
opções, seja nos aparentemente inofensivos cartões de crédito ou cheques
especiais - é um perigo. Mas existe um consolo: renegociar dívidas é parte do
processo econômico. Governos renegociam dívidas. Foi assim com a Argentina, no
ano passado, com o Brasil em 1990, no início do governo Collor, e com a Rússia,
em 1998. Empresas também renegociam dívidas. No primeiro semestre deste ano,
várias empresas brasileiras anunciaram que não poderiam pagar suas dívidas e
precisariam reestruturá-las. Lembre-se sempre desses episódios quando estiver
prestes a contrair uma nova dívida para pagar outra antiga. Não faz sentido.
Dívidas que não podem ser pagas só se resolvem se são reestruturadas. O caminho
é esse, grave bem.
Não há mistério em reestruturar uma dívida nem é preciso ter vergonha. Sente-se
com seu gerente do banco e fale sobre o seu fluxo de caixa (receita menos
despesa) e sobre seu passivo (as dívidas). O gerente é a pessoa mais indicada
para ajudar a traçar caminhos. Afinal, reestruturação de dívidas é um assunto
com o qual os bancos estão pra lá de acostumados. Você vai ponderar que seu nome
pode acabar nos serviços de proteção ao crédito. "Meu nome vai ficar sujo!?"
Pois eu garanto que vai, porque credores são implacáveis. Mas, acredite, isso
não é tão mal. O nome "sujo" evitará que você se endivide mais, já que não
poderá fazer outros empréstimos. E, depois que reestruturar e quitar suas
dívidas, seu nome sai dos serviços de proteção ao crédito.
Dica adicional: não se afobe. Se você está com pagamentos em atraso por
determinado tempo, os créditos correspondentes junto à instituição vão para uma
conta chamada créditos de liquidação duvidosa. Quando isso ocorre, o Banco
Central obriga a instituição a fazer uma provisão. O caso é dado como perdido.
Eis a melhor hora para conversar com o credor. Como não espera receber nada, ele
tende a ser mais razoável.
Então, vamos analisar um caso real: o meu. Há alguns anos eu quebrei. O total do
serviço da minha dívida (juros sobre cheque especial, cartões, empréstimos etc.)
já era tão alto que nem uma pessoa espartana conseguiria sair daquela espiral
financeira. Foi aí que abri meu coração com minha gerente, Sônia Girão. Ela
cuida da minha conta desde 1996 e já havia me alertado sobre o meu excesso de
endividamento. "Não estressa", repetia. "Você consegue pagar tudo." Eu só
precisava de tempo e organização. Começamos pelo cheque especial, o maior vilão.
Paguei em prestações, durante um ano. Na seqüência, paguei ao outro banco. Sim,
eu tinha dois cheques especiais!!! Isso num momento em que as taxas de juro
desse produto, que os bancos vendem como salvação da lavoura, ultrapassavam a
casa dos 150% ao ano! Daí passei para os cartões de crédito. Foi uma surpresa
quando uma administradora me apresentou uma conta de mais de R$ 40 mil… Paramos
de negociar. Não havia comprado tanto assim. Mas, num primeiro momento, eles
aplicam todas as multas possíveis, como se as taxas de juro nas alturas não
fossem suficientes para punir o endividado. Não me abalei, "esqueci" o absurdo e
passei aos credores seguintes. Fui renegociando um a um e pagando. Três, quatro
anos depois, recebi uma carta da administradora do cartão propondo acordo para
quitar a dívida… por R$ 4 mil!
Passo a passo: reestruturação da dívida
Mantenha sempre a calma. Lembre-se: ter dívidas não faz de você um marginal
1. Faça uma lista de todas as suas receitas: salário, pensão, aluguel de um
imóvel etc.
2. Na mesma folha, ao lado da receita, liste as despesas. Não coloque as
dívidas, apenas despesas mensais para viver, como comida, aluguel etc.
3. Subtraia as despesas da receita e veja quanto sobrou. Se não sobrou, volte
para o passo anterior e seja mais criteriosa. Por exemplo, se os gastos com
telefone estão altos, tente reduzi-los.
4. Com a sobra, monte um programa para iniciar a reestruturação.
5. Separe de 15% a 20% da sua receita mensal para o pagamento das dívidas. Não
feche nada que implique mais do que isso, porque aí você não vai conseguir dar
conta. Desistirá no caminho.
6. Liste suas dívidas, incluindo os juros que deve pagar por cada uma delas.
7. Comece quitando as dívidas mais caras - com freqüência, é a do cheque
especial. Fale com o credor e estabeleça quanto será pago mensalmente.
8. Os bancos oferecem linhas de crédito direto ao consumidor (CDC) para quitar o
cheque especial. Bom negócio: os juros cobrados no CDC costumam ser mais baixos
que os do cheque especial. Para não se afundar de novo quando quitar e puder
voltar a usar o cheque especial, peça o cancelamento.
9. Não ligue se levar anos para quitar suas dívidas. E, se um credor tratar você
mal no período, diga que está fazendo o possível e que, se ele voltar a ser
grosseiro, vai colocá-lo no fim da fila.