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Carreira / Emprego - Útil & agradável  

Data: 11/12/2008

 
 

A publicitária Fabíola de Souza Arantes Seo, de 29 anos, responsável pela área de atendimento da agência de propaganda Giacometti, de São Paulo, anda feliz da vida. Vai ao escritório duas vezes por semana e fica disponível um terceiro dia por telefone.O tempo livre usa para desenvolver seu lado empreendedor na fazenda da família, no sul de Minas Gerais, que pouco a pouco se profissionaliza para atrair turistas.

Já Alex Sorlino, de 33 anos, consultor e sócio da Sher, empresa paulistana especializada em marketing e desenvolvimento, organizou uma agenda de trabalho sem obrigação de ter hora para entrar e sair da empresa. Isso lhe permite dividir sua atenção com algo que é tão importante para ele quanto os negócios: a carreira de ator e suas demandas, como testes e ensaios.

Os casos de Fabíola e Alex mostram que é possível unir o útil ao agradável seguindo um modelo de trabalho que surgiu nos Estados Unidos há uma década e foi batizado de flextime (horário flexível de entrada e saída). Essa flexibilização vem ganhando espaço em empresas que valorizam os resultados independentemente da carga horária cumprida pelos funcionários. Embora tenha nascido da necessidade de manter profissionais competentes do sexo feminino no emprego após a licença-maternidade, a prática não se restringe mais às mulheres. Segundo a consultoria americana Catalyst, pioneira em pesquisas nessa área, em 1997 60% das empresas americanas já tinham adotado algum programa de flexibilização, com resultados positivos em termos de produtividade.

No Brasil, a Hewwit Associates, consultoria de recursos humanos de São Paulo, constatou numa pesquisa realizada em 180 empresas há três anos que sete em cada dez tinham um programa nesses moldes, contemplando principalmente os funcionários que queriam fazer um MBA ou precisavam resolver problemas pessoais. Mas será que é possível reivindicar ao chefe tempo para cuidar de um projeto que não diz respeito à carreira sem se queimar? O consultor Simon Franco, presidente para a América Latina da TMP Worldwide, alerta que é preciso cautela. 'Tudo isso é muito novo, não se pode falar em tendência ainda, há casos e casos', diz. 'As empresas lutam para sobreviver, querem profissionais comprometidos 24 horas por dia e ter múltiplos interesses na carreira pode ser visto por muitas como falta de foco.' Para ele, o flextime é um privilégio que atualmente só os profissionais bem-sucedidos e dispostos a correr riscos podem pleitear.

Coragem para arriscar

A publicitária Fabíola, citada no início desta reportagem, hoje só sorrisos, conseguiu engavetar a carta de demissão porque arriscou negociar com o chefe. 'Ganhava bem, era valorizada e tinha a confiança dos clientes, mas queria desenvolver outras habilidades, e o meu dia-a-dia não permitia', conta. 'Vivia sob pressão, ansiosa.' Cumprindo expediente de segunda a sexta-feira, das 9 às 18h30, conciliando a agenda com viagens a trabalho e um curso de MBA à noite, sobravam, no máximo, dois fins de semana por mês para ela tocar o projeto da fazenda da família. Só no percurso de ida e volta até lá, um total de 720 quilômetros, ela gastava nove horas.

'Estava decidida a dar um tempo na propaganda para ter condições de desenvolver meu projeto pessoal', afirma. Fabíola admite que seu erro foi achar que era a empresa que tinha de criar uma alternativa para segurá-la no emprego, quando ela mesma tinha condições para isso. Mas percebeu a tempo. No período de transição para seu desligamento da Giacometti, que levou três meses, a publicitária viu na prática o esboço de um modelo de trabalho que poderia ser vantajoso tanto para ela quanto para o chefe. 'Fui treinada durante seis anos para realizar minhas tarefas de acordo com a metodologia da agência. Apesar de o mercado estar repleto de gente competente, não seria de um dia para o outro que se colocaria alguém no meu lugar', diz. Com esse argumento o chefe deu uma semana para que ela apresentasse uma proposta formal. Em três páginas, Fabíola descreveu seus objetivos, como conduziria os projetos sob sua responsabilidade, a infra-estrutura de que necessitaria, a remuneração e o principal para pôr em prática seus planos: a flexibilização da carga horária, com a garantia de relatórios periódicos sobre sua produtividade e o status em que se encontraria cada projeto. O acordo também pode ser revisto se uma das partes se mostrar descontente. No início do ano, a chance de tocar a agência e a fazenda tornou-se fato e ela passou a trabalhar 24 horas semanais para a Giacometti, com benefícios proporcionais à nova carga horária. Abriu mão de duas funcionárias e agora tem uma assistente não exclusiva. Antes atendia até seis clientes simultaneamente. Hoje atua por projeto, não ultrapassando três de cada vez. Se o salário diminuiu no fim do mês, o valor da hora trabalhada aumentou em 15%. Tudo foi calculado levando em conta custos e benefícios.

Apesar de o celular não dar trégua e os colegas brincarem chamando-a de turista quando aparece no escritório, Fabíola conquistou a rotina desejada, e as viagens à fazenda tornaram-se mais freqüentes. 'Posso até trabalhar mais, mas estou muito mais feliz', diz. 'Não me sinto funcionária, mas uma prestadora de serviços que tem de oferecer o que o cliente, no caso o meu chefe, precisa.'

'É o caminho da felicidade', diz o especialista em recursos humanos Sílvio Bugelli, de São Paulo. De acordo com ele, o atual modelo de trabalho tal como o conhecemos está 'matando' as pessoas e comprometendo a qualidade de vida. 'Cerca de 70% do tempo gasto nas empresas é desperdício: com mudanças na rotina de trabalho se pode, sim, ganhar em produtividade', diz Bugelli. O consultor informa que esse tipo de negociação é cada vez mais comum em acordos coletivos, como forma de frear a informalidade, mas pode ser acertado individualmente por quem é capaz de abrir mão de compensações financeiras em nome de um projeto pessoal. 'Todo mundo sabe que um profissional mais feliz rende muito mais.'

Flexibilidade que dá pique

De acordo com Rugenia Maria Pomi, sócia-diretora do Saratoga Institute, em São Paulo, centro de informações e pesquisas em gestão do capital humano, o flextime é uma das práticas que auxiliam na integração de vida, saúde e trabalho. 'A adoção do horário de trabalho flexível está rendendo frutos para empresas e colaboradores, pois ajuda a reduzir o absenteísmo, os índices de acidentes do trabalho e de ações trabalhistas, além de melhorar o clima organizacional e, assim, os resultados financeiros', diz.

Alex Sorlino, o consultor que virou ator, não imaginava a dimensão que a nova profissão ganharia em sua vida nem que ela daria mais gás a seu trabalho na empresa. Em 1999, ele se matriculou numa escola de teatro. Três semanas depois recebeu o convite para participar de uma novela da Record. Em seguida, veio um comercial para a TV. Hoje ele faz parte de um grupo de teatro amador. À medida que a nova atividade foi ganhando espaço em sua vida, o consultor, que é o titular da área de treinamento, mas exerce outras funções dentro da Sher, teve de negociar com os oito sócios (isso mesmo: oito) um esquema para dar conta do recado e não deixar ninguém na mão. Hoje, ele não está disponível 100% de seu tempo para a empresa. Dedica uma média de seis horas diárias à consultoria, com ganhos proporcionais a sua participação nos negócios, e tem conseguido manter um pé em cada canoa. 'Não se trata de hobby, estou agregando valores', garante. 'Levo para a consultoria lições que aprendo no palco. Uma carreira não anula a outra ao contrário!'

Os sócios de Alex não têm do que reclamar. 'Depois que descobriu sua vocação artística, mostrou-se mais motivado e os resultados de suas tarefas tornaram-se mais satisfatórios', atesta o sócio Jaime Jimenez, de 33 anos, que, além da Sher, dá aulas e cuida de outra empresa. 'Desde o início da sociedade, combinamos que iríamos respeitar as atividades paralelas de cada um e criamos uma estrutura para não provocar dependência', explica Jimenez. 'Sempre temos uma carta na manga.' E se a Globo chamar Alex para uma de suas produções, normalmente gravadas no Rio de Janeiro? 'Não penso em substituir uma profissão por outra. Paulo Autran é ator e dono de pousada', despista o consultor.

Rotas de fuga

Profissionais que como Alex adotam o flextime evitam tesourar uma carreira em nome de outros interesses. Reduzir a carga horária, porém, não é a única maneira de fazer isso. Outras opções são o teletrabalho, o chamado job sharing (dois funcionários dividem as tarefas e o salário), semanas comprimidas (a carga horária semanal é a mesma, mas concentrada em menos dias) ou períodos sabáticos. Cada uma dessas saídas tem suas vantagens e seus riscos. Por exemplo, o teletrabalho, aquele que é realizado em casa, garante total proximidade da família, mas afasta o profissional da cultura e até das fofocas da empresa. Já os sabáticos, normalmente não remunerados e sem garantia de manutenção do cargo, podem ser temerários por representar um afastamento do mercado, mas são feitos sob medida para quem quer viver no exterior. Antônio Luiz Seabra, presidente da Natura, empresa-modelo em gestão empresarial e recursos humanos, vê com bons olhos políticas de flexibilidade que garantam a satisfação dos funcionários. Ele mesmo já tirou dois sabáticos e garante: 'Se o funcionário está estimulado, qualquer reprovação da empresa esfria a relação', diz. A Natura não tem e não incentiva o flextime, mas está aberta a ouvir as necessidades de seus empregados. 'Quando a pessoa decide ir atrás de seus sonhos, tem de ir.'

Nem todos os chefes nem todas as empresas são tão razoáveis quanto Seabra e a Natura. Boa parte ainda acredita que a galinha engorda à vista do dono, ou então teme os custos envolvidos. Muitos também acham que, se um funcionário tiver direito a passar menos horas no escritório, todos os outros vão querer o mesmo. A prática nas empresas mostra, porém, que os profissionais gostam de saber que podem optar pelo flextime, mas não necessariamente querem usá-lo. É o que acontece na inglesa British Telecom (veja quadro abaixo).

Outro temor, também infundado, parte dos funcionários, que receiam frear a ascensão profissional. É verdade que é difícil alguém chegar a CEO dando expediente duas vezes por semana, mas isso não significa que terá sua reputação arranhada. Segundo a Catalyst, que acompanhou durante dez anos 24 mulheres que optaram pelo flextime, 13 delas foram promovidas depois de voltar à carga horária e rotina normais. Portanto, se você tem um bom argumento para negociar um horário flexível de trabalho com seu chefe, vá em frente. É uma alternativa menos arriscada que o pedido de afastamento temporário e menos radical que a demissão. Mas ser feliz em dois mundos não é só para quem quer é para quem tem talento.

Experiência que deu certo

A British Telecom teve conquistas significativas com o flextime. Dos 107 000 empregados no mundo todo, 60 000 ocupam funções que permitem que eles trabalhem em tempo parcial. Já são 5 000 atuando em casa, 850 no esquema de job share e 10 000 em tempo parcial. A empresa não leva em conta idade, gênero nem as circunstâncias que levam o profissional a reivindicar esse modelo. 'Não perguntamos o porquê, nem fazemos juízo de valor algum sobre as necessidades de trabalho de forma flexível. A única coisa que sabemos é que um negócio ágil cria pessoas motivadas e clientes contentes', garante Caroline Waters, diretora de política de empregos do grupo BT. Ela afirma que a produtividade dos profissionais que trabalham em casa aumentou em 20%. Também revela que a empresa teve uma economia de 220 milhões de libras em espaço em seus escritórios e em outras despesas no local de trabalho.


Para negociar com o chefe

1) Faça uma proposta por escrito descrevendo suas tarefas e como pretende realizá-las.

2) Avalie também como isso pode afetar o trabalho dos colegas.

3) Apresente vantagens concretas para a empresa, como diminuição de despesas e possibilidade de aumento de produtividade.

4) Sugira um período de teste, que pode durar de três a seis meses. Isso possibilita adequações de ambos os lados à nova realidade.

5) No caso de uma negativa da empresa, faça uma proposta menos ousada, mas que ainda assim lhe permita conciliar as atividades profissionais com seus projetos paralelos.



 
Referência: curriculum.com.br
Autor: Carla França - Você S.A
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