A publicitária Fabíola de Souza Arantes Seo, de 29 anos, responsável pela
área de atendimento da agência de propaganda Giacometti, de São Paulo, anda
feliz da vida. Vai ao escritório duas vezes por semana e fica disponível um
terceiro dia por telefone.O tempo livre usa para desenvolver seu lado
empreendedor na fazenda da família, no sul de Minas Gerais, que pouco a pouco se
profissionaliza para atrair turistas.
Já Alex Sorlino, de 33 anos, consultor e sócio da Sher, empresa paulistana
especializada em marketing e desenvolvimento, organizou uma agenda de trabalho
sem obrigação de ter hora para entrar e sair da empresa. Isso lhe permite
dividir sua atenção com algo que é tão importante para ele quanto os negócios: a
carreira de ator e suas demandas, como testes e ensaios.
Os casos de Fabíola e Alex mostram que é possível unir o útil ao agradável
seguindo um modelo de trabalho que surgiu nos Estados Unidos há uma década e foi
batizado de flextime (horário flexível de entrada e saída). Essa
flexibilização vem ganhando espaço em empresas que valorizam os resultados
independentemente da carga horária cumprida pelos funcionários. Embora tenha
nascido da necessidade de manter profissionais competentes do sexo feminino no
emprego após a licença-maternidade, a prática não se restringe mais às mulheres.
Segundo a consultoria americana Catalyst, pioneira em pesquisas nessa área, em
1997 60% das empresas americanas já tinham adotado algum programa de
flexibilização, com resultados positivos em termos de produtividade.
No Brasil, a Hewwit Associates, consultoria de recursos humanos de São Paulo,
constatou numa pesquisa realizada em 180 empresas há três anos que sete em cada
dez tinham um programa nesses moldes, contemplando principalmente os
funcionários que queriam fazer um MBA ou precisavam resolver problemas pessoais.
Mas será que é possível reivindicar ao chefe tempo para cuidar de um projeto que
não diz respeito à carreira sem se queimar? O consultor Simon Franco, presidente
para a América Latina da TMP Worldwide, alerta que é preciso cautela. 'Tudo isso
é muito novo, não se pode falar em tendência ainda, há casos e casos', diz. 'As
empresas lutam para sobreviver, querem profissionais comprometidos 24 horas por
dia e ter múltiplos interesses na carreira pode ser visto por muitas como falta
de foco.' Para ele, o flextime é um privilégio que atualmente só os
profissionais bem-sucedidos e dispostos a correr riscos podem pleitear.
Coragem para arriscar
A publicitária Fabíola, citada no início desta reportagem, hoje só sorrisos,
conseguiu engavetar a carta de demissão porque arriscou negociar com o chefe.
'Ganhava bem, era valorizada e tinha a confiança dos clientes, mas queria
desenvolver outras habilidades, e o meu dia-a-dia não permitia', conta. 'Vivia
sob pressão, ansiosa.' Cumprindo expediente de segunda a sexta-feira, das 9 às
18h30, conciliando a agenda com viagens a trabalho e um curso de MBA à noite,
sobravam, no máximo, dois fins de semana por mês para ela tocar o projeto da
fazenda da família. Só no percurso de ida e volta até lá, um total de 720
quilômetros, ela gastava nove horas.
'Estava decidida a dar um tempo na propaganda para ter condições de desenvolver
meu projeto pessoal', afirma. Fabíola admite que seu erro foi achar que era a
empresa que tinha de criar uma alternativa para segurá-la no emprego, quando ela
mesma tinha condições para isso. Mas percebeu a tempo. No período de transição
para seu desligamento da Giacometti, que levou três meses, a publicitária viu na
prática o esboço de um modelo de trabalho que poderia ser vantajoso tanto para
ela quanto para o chefe. 'Fui treinada durante seis anos para realizar minhas
tarefas de acordo com a metodologia da agência. Apesar de o mercado estar
repleto de gente competente, não seria de um dia para o outro que se colocaria
alguém no meu lugar', diz. Com esse argumento o chefe deu uma semana para que
ela apresentasse uma proposta formal. Em três páginas, Fabíola descreveu seus
objetivos, como conduziria os projetos sob sua responsabilidade, a
infra-estrutura de que necessitaria, a remuneração e o principal para pôr em
prática seus planos: a flexibilização da carga horária, com a garantia de
relatórios periódicos sobre sua produtividade e o status em que se encontraria
cada projeto. O acordo também pode ser revisto se uma das partes se mostrar
descontente. No início do ano, a chance de tocar a agência e a fazenda tornou-se
fato e ela passou a trabalhar 24 horas semanais para a Giacometti, com
benefícios proporcionais à nova carga horária. Abriu mão de duas funcionárias e
agora tem uma assistente não exclusiva. Antes atendia até seis clientes
simultaneamente. Hoje atua por projeto, não ultrapassando três de cada vez.
Se o salário diminuiu no fim do mês, o valor da hora trabalhada aumentou em 15%.
Tudo foi calculado levando em conta custos e benefícios.
Apesar de o celular não dar trégua e os colegas brincarem chamando-a de turista
quando aparece no escritório, Fabíola conquistou a rotina desejada, e as viagens
à fazenda tornaram-se mais freqüentes. 'Posso até trabalhar mais, mas estou
muito mais feliz', diz. 'Não me sinto funcionária, mas uma prestadora de
serviços que tem de oferecer o que o cliente, no caso o meu chefe, precisa.'
'É o caminho da felicidade', diz o especialista em recursos humanos Sílvio
Bugelli, de São Paulo. De acordo com ele, o atual modelo de trabalho tal como o
conhecemos está 'matando' as pessoas e comprometendo a qualidade de vida. 'Cerca
de 70% do tempo gasto nas empresas é desperdício: com mudanças na rotina de
trabalho se pode, sim, ganhar em produtividade', diz Bugelli. O consultor
informa que esse tipo de negociação é cada vez mais comum em acordos coletivos,
como forma de frear a informalidade, mas pode ser acertado individualmente por
quem é capaz de abrir mão de compensações financeiras em nome de um projeto
pessoal. 'Todo mundo sabe que um profissional mais feliz rende muito mais.'
Flexibilidade que dá pique
De acordo com Rugenia Maria Pomi, sócia-diretora do Saratoga Institute, em São
Paulo, centro de informações e pesquisas em gestão do capital humano, o flextime
é uma das práticas que auxiliam na integração de vida, saúde e trabalho. 'A
adoção do horário de trabalho flexível está rendendo frutos para empresas e
colaboradores, pois ajuda a reduzir o absenteísmo, os índices de acidentes do
trabalho e de ações trabalhistas, além de melhorar o clima organizacional e,
assim, os resultados financeiros', diz.
Alex Sorlino, o consultor que virou ator, não imaginava a dimensão que a nova
profissão ganharia em sua vida nem que ela daria mais gás a seu trabalho na
empresa. Em 1999, ele se matriculou numa escola de teatro. Três semanas depois
recebeu o convite para participar de uma novela da Record. Em seguida, veio um
comercial para a TV. Hoje ele faz parte de um grupo de teatro amador. À medida
que a nova atividade foi ganhando espaço em sua vida, o consultor, que é o
titular da área de treinamento, mas exerce outras funções dentro da Sher, teve
de negociar com os oito sócios (isso mesmo: oito) um esquema para dar conta do
recado e não deixar ninguém na mão. Hoje, ele não está disponível 100% de seu
tempo para a empresa. Dedica uma média de seis horas diárias à consultoria,
com ganhos proporcionais a sua participação nos negócios, e tem conseguido
manter um pé em cada canoa. 'Não se trata de hobby, estou agregando
valores', garante. 'Levo para a consultoria lições que aprendo no palco. Uma
carreira não anula a outra ao contrário!'
Os sócios de Alex não têm do que reclamar. 'Depois que descobriu sua vocação
artística, mostrou-se mais motivado e os resultados de suas tarefas tornaram-se
mais satisfatórios', atesta o sócio Jaime Jimenez, de 33 anos, que, além da Sher,
dá aulas e cuida de outra empresa. 'Desde o início da sociedade, combinamos que
iríamos respeitar as atividades paralelas de cada um e criamos uma estrutura
para não provocar dependência', explica Jimenez. 'Sempre temos uma carta na
manga.' E se a Globo chamar Alex para uma de suas produções, normalmente
gravadas no Rio de Janeiro? 'Não penso em substituir uma profissão por outra.
Paulo Autran é ator e dono de pousada', despista o consultor.
Rotas de fuga
Profissionais que como Alex adotam o flextime evitam tesourar uma carreira em
nome de outros interesses. Reduzir a carga horária, porém, não é a única
maneira de fazer isso. Outras opções são o teletrabalho, o chamado job sharing
(dois funcionários dividem as tarefas e o salário), semanas comprimidas (a carga
horária semanal é a mesma, mas concentrada em menos dias) ou períodos
sabáticos. Cada uma dessas saídas tem suas vantagens e seus riscos. Por exemplo,
o teletrabalho, aquele que é realizado em casa, garante total proximidade da
família, mas afasta o profissional da cultura e até das fofocas da empresa. Já
os sabáticos, normalmente não remunerados e sem garantia de manutenção do cargo,
podem ser temerários por representar um afastamento do mercado, mas são feitos
sob medida para quem quer viver no exterior. Antônio Luiz Seabra, presidente da
Natura, empresa-modelo em gestão empresarial e recursos humanos, vê com bons
olhos políticas de flexibilidade que garantam a satisfação dos funcionários. Ele
mesmo já tirou dois sabáticos e garante: 'Se o funcionário está estimulado,
qualquer reprovação da empresa esfria a relação', diz. A Natura não tem e não
incentiva o flextime, mas está aberta a ouvir as necessidades de seus
empregados. 'Quando a pessoa decide ir atrás de seus sonhos, tem de ir.'
Nem todos os chefes nem todas as empresas são tão razoáveis quanto Seabra e a
Natura. Boa parte ainda acredita que a galinha engorda à vista do dono, ou então
teme os custos envolvidos. Muitos também acham que, se um funcionário tiver
direito a passar menos horas no escritório, todos os outros vão querer o mesmo.
A prática nas empresas mostra, porém, que os profissionais gostam de saber que
podem optar pelo flextime, mas não necessariamente querem usá-lo. É o que
acontece na inglesa British Telecom (veja quadro abaixo).
Outro temor, também infundado, parte dos funcionários, que receiam frear a
ascensão profissional. É verdade que é difícil alguém chegar a CEO dando
expediente duas vezes por semana, mas isso não significa que terá sua reputação
arranhada. Segundo a Catalyst, que acompanhou durante dez anos 24 mulheres que
optaram pelo flextime, 13 delas foram promovidas depois de voltar à carga
horária e rotina normais. Portanto, se você tem um bom argumento para negociar
um horário flexível de trabalho com seu chefe, vá em frente. É uma alternativa
menos arriscada que o pedido de afastamento temporário e menos radical que a
demissão. Mas ser feliz em dois mundos não é só para quem quer é para quem tem
talento.
Experiência que deu certo
A British Telecom teve conquistas significativas com o flextime. Dos 107 000
empregados no mundo todo, 60 000 ocupam funções que permitem que eles trabalhem
em tempo parcial. Já são 5 000 atuando em casa, 850 no esquema de job share e 10
000 em tempo parcial. A empresa não leva em conta idade, gênero nem as
circunstâncias que levam o profissional a reivindicar esse modelo. 'Não
perguntamos o porquê, nem fazemos juízo de valor algum sobre as necessidades de
trabalho de forma flexível. A única coisa que sabemos é que um negócio ágil cria
pessoas motivadas e clientes contentes', garante Caroline Waters, diretora de
política de empregos do grupo BT. Ela afirma que a produtividade dos
profissionais que trabalham em casa aumentou em 20%. Também revela que a empresa
teve uma economia de 220 milhões de libras em espaço em seus escritórios e em
outras despesas no local de trabalho.
Para negociar com o chefe
1) Faça uma proposta por escrito descrevendo suas tarefas e como pretende
realizá-las.
2) Avalie também como isso pode afetar o trabalho dos colegas.
3) Apresente vantagens concretas para a empresa, como diminuição de
despesas e possibilidade de aumento de produtividade.
4) Sugira um período de teste, que pode durar de três a seis meses. Isso
possibilita adequações de ambos os lados à nova realidade.
5) No caso de uma negativa da empresa, faça uma proposta menos ousada,
mas que ainda assim lhe permita conciliar as atividades profissionais com seus
projetos paralelos.