Conheça todos os custos envolvidos para não contrair uma dívida pesada demais
para seu contracheque
Saiba como fechar o financiamento do seu carro sem comprometer o orçamento
Parca ou polpuda, a carteira do consumidor brasileiro nunca comportou tantas
parcelas na compra do carro próprio. Com a possibilidade de dividir a prestação
em até 80 meses, o financiamento do veículo tornou-se muito mais acessível. A
consequência do fenômeno não poderia ser mais óbvia: até o fim do ano, mais de
30 milhões de carros devem estar nas ruas, número dois terços maior que o
registrado no começo da década. "A casa própria é o principal sonho do
brasileiro, mas o carro talvez seja o primeiro que ele consegue alcançar", diz
Sílvio Paixão, professor da Fipecafi (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis,
Atuariais e Financeiras). Diante do crescimento da economia e da pujante oferta
de crédito, especialistas alertam que é preciso ter cuidado antes de assumir um
compromisso que à primeira vista parece não ameaçar o orçamento familiar.
Conheça a importância do planejamento financeiro e saiba como escapar do perigo
de ter o carro apreendido:
1. Conheça o real custo do financiamento
Seja a compra do primeiro carro próprio ou a tão almejada troca por um modelo
mais sofisticado, financiar o veículo dos sonhos tem um preço - e o valor não
engloba apenas a taxa de juros cobrada pelos bancos. O consumidor precisa ficar
atento ao custo efetivo total da operação, o chamado CET. Embora relegado ao
rodapé das propagandas e ofertas, o CET representa as despesas totais do
parcelamento sob a forma de uma taxa anual que abarca tarifas, juros, seguro,
IOF (Imposto sobre Operação Financeira) e quaisquer outros encargos, como
serviço de despachante e gravame eletrônico (registro no Detran de que o carro
foi financiado). A partir da informação unificada, fica mais fácil comparar as
ofertas de diferentes bancos e concessionárias.
Segundo Marcelo Segredo, diretor da Associação Brasileira do Consumidor
(ABC), as revendas evitam fornecer a informação sobre o CET porque embutem na
maioria dos contratos o valor de uma comissão recebida pela venda, conhecida
como "tabela de retorno". "A financeira paga este bônus para a concessionária à
vista. Sem a planilha demonstrativa do CET, o consumidor nem desconfia que arque
com um custo que não é obrigatório e que terá que saldá-lo ao longo do tempo com
correção monetária". Assim, defende Segredo, uma comissão de 6.500 reais pode
passar despercebida nas 72 parcelas do financiamento de um carro de 55.000
reais. Mas ao cabo do contrato, o peso do encargo - que já era alto - chegará a
11.650 reais, considerados os juros e impostos incidentes a cada mês.
Ciente de todos os custos, faça as contas do está sendo cobrado. Este
detalhamento pode inclusive desmitificar anúncios imperdíveis, como o tão
apregoado juro zero. "Todo financiamento tem um preço, e mesmo que não haja
cobrança de juros, o carro nunca sairá pelo mesmo valor à vista", explica Hessia
Costilla, economista da Pro Teste (ONG de defesa do consumidor). Se o orçamento
estiver apertado, dispense o serviço de despachante. O emplacamento sai mais em
conta quando feito no Detran pelo próprio consumidor.
2. Combine o preço final com o tamanho do seu bolso
Prazos esticados, parcelas mais curtas. Eis a fórmula de sucesso dos
financiamentos. Se por um lado a flexibilização do pagamento democratiza o
acesso a um bem que há até pouco tempo não entrava na garagem da classe C, por
outro é importante lembrar que o custo total do carro cresce - e muito - à
medida que aumentam as folhas no carnê de prestações. Uma simulação virtual
demonstra que a partir de uma entrada de 20%, um carro de 30.000 reais dividido
em 24 vezes sairá por 38.445 reais com parcelas mensais de 1.351 reais. Se o
prazo subir para 48 meses, as parcelas caem para 877 reais. Por sua vez, o custo
do automóvel chega a 48.129 reais, encarecimento de 60% em relação ao preço à
vista.
Caso precise vender o veículo para incrementar o caixa, o proprietário vai
arcar com ainda mais prejuízos. Qualquer carro zero perde de 5% a 10% do seu
valor assim que cruza os portões da concessionária. Mas a depreciação não para
por aí. Cerca de 8% do valor de um carro popular é abatido anualmente,
porcentagem que chega a 10% para os veículos médios. Voltando ao carro
financiado em quatro anos, o automóvel valerá cerca de 18.900 reais quando forem
enfim quitadas todas as parcelas. Em outras palavras, o preço de mercado vai se
equiparar ao custo total do financiamento, de modo que os 30.000 reais
correspondentes ao valor do carro terão sido pagos apenas pela utilização
antecipada do bem. E isso desconsideradas todas as despesas mecânicas e
tributárias que o proprietário certamente terá. Por isso, o consultor financeiro
Gustavo Cerbasi recomenda que o consumidor nunca financie a compra de um bem
pagando prestações por um prazo maior do que o de sua utilização. No caso de um
carro, esse tempo gira em torno de 36 meses. Depois, a desvalorização sofrida
pelo carro não compensará o dinheiro que precisará ser reservado para saldar a
dívida da operação e manter o veículo rodando sem maiores problemas.
3. Pesquise as taxas do mercado
O ideal é pesquisar as condições de financiamento em todos os locais
possíveis. Com diferentes CETs em mãos, você aumenta seu poder de barganha e
pode fechar um negócio mais em conta, seja no banco do qual já é correntista ou
em qualquer outra instituição financeira. No primeiro trimestre deste ano, as
taxas de juros cobradas para o financiamento orbitaram na casa de 1,78% ao mês.
Considerando apenas as financeiras associadas às montadoras, a taxa foi de 1,4%.
Especialistas apontam que a diferença se assenta nos subsídios pagos pela
indústria automobilística para desovar a produção. Muitos dos bancos das
montadoras também conseguem oferecer taxas mais atraentes porque captam dinheiro
no exterior, com o crivo da matriz.
De acordo com Décio Carbonari de Almeida, presidente da Anef (associação das
financeiras das montadoras), é exatamente esse subsídio que possibilita o
financiamento de carros mais caros com juros mais baixos. Isso acontece porque
estes veículos garantem um retorno financeiro mais interessante para as
montadoras quando comparados aos de carros simples. Como seus compradores têm
maior poder aquisitivo, a chance de inadimplência é menor e a liquidação da
dívida é mais rápida. "O que define a taxa de juros não é necessariamente o
produto, mas o risco do comprador. De uma forma geral, o banco faz essa
avaliação pelo prazo de pagamento, e não pelo tipo de veículo", esclarece.
4. Lembre-se que um carro tem outros custos
Além do custo do financiamento em si, vale reforçar que um carro
necessariamente exigirá outros gastos ao longo do tempo. IPVA, seguro,
licenciamento, combustível e manutenção são apenas alguns deles. Segundo estudo
do educador financeiro Reinaldo Domingos, do Instituto DiSOP, o veículo custará
mensalmente em torno de 3% do seu valor de mercado. "Consideradas essas
variáveis, um carro de 20.000 reais requer cerca de 600 reais mensais para
rodar. Imagine que o sujeito já esteja pagando 900 reais pelo financiamento. Se
ele ganhar 7.500 reais, estará comprometendo 20% do seu orçamento com o veículo.
E esse é o teto que deve ser dedicado para uma dívida de financiamento", afirma.
Desde as corriqueiras multas de trânsito a eventos mais drásticos e
imprevistos - como doenças ou perda de emprego - podem pegar o comprador de
surpresa, comprometendo sua disponibilidade de caixa. "O marketing publicitário
e a oferta de crédito fazem com que muitas pessoas realizem sonhos que não
estavam dentro dos planos, mas principalmente dentro da conta bancária",
completa Domingos. Por isso, dedique parte da sua renda mensal a uma poupança,
por exemplo, para evitar situações que inviabilizem sua capacidade de honrar a
dívida do financiamento.
5. Se necessário, renegocie a dívida
Segundo dados da Anef, a inadimplência para o financiamento de carros ficou
em 4,4% em 2009, o dobro da taxa atingida em 2005. "Por mais que você refine
seus modelos de seleção, toda vez que aumenta o volume de crédito, você traz
mais gente que acaba não conseguindo quitar o pagamento", diz Adalberto Savioli,
presidente da Acrefi (Associação Nacional das Instituições de Crédito,
Financiamento e Investimento). Se você estiver prestes a engrossar esta lista,
não se desespere. Ignorar os avisos de cobrança tampouco tornará o problema
menor. Assim que perceber que o orçamento não comporta mais nenhum pagamento,
tente renegociar a dívida no banco, esticando os prazos e diminuindo o valor das
parcelas. Outra opção é tentar passar o carro adiante, vendendo o veículo - e a
dívida - para outro comprador.
Caso permaneça inadimplente, é provável que você tenha o carro retomado. Como
a garantia para a concessão do crédito é o próprio veículo, o automóvel
permanece alienado ao banco até que o pagamento seja completamente quitado. A
lei não determina um prazo mínimo para que o carro seja recuperado, mas as
financeiras em geral protocolam a ação de busca e apreensão mediante um atraso
de três meses. Uma vez notificado, o cliente tem cinco dias para saldar a
dívida. Se isso não acontecer, o automóvel já poderá ser resgatado pelo banco e
irá a leilão. O cliente tem direito ao reembolso de qualquer diferença se o
valor obtido na venda for superior ao saldo devedor.
Diante da possibilidade de perder todo o dinheiro investido, o advogado
Sérgio Bastos, do escritório Gualberto e Bastos, defende que o ideal é dar um
passo para trás e trocar o veículo financiado por outro mais barato. "Os bancos
permitem o refinanciamento, isto é, a transferência do gravame de um mesmo
contrato. Assim, a garantia que era de um Vectra, por exemplo, passará a ser de
um Celta. Entregando o primeiro carro, a pessoa ganhará a diferença de preço
entre os veículos e poderá usar o dinheiro para quitar a dívida, além de
continuar com um automóvel", explica.
Nestes casos o contrato de financiamento permanece o mesmo. O que muda é a
garantia, que passa de um veículo específico para outro. Portanto, os valores
das parcelas continuarão iguais a não ser que o refinanciamento tenha rendido o
suficiente para liquidar as prestações em atraso e antecipar o pagamento das que
estavam por vir. Entretanto, o banco só concordará com a operação quando a
garantia - o preço do Celta - for bem próxima do valor que o cliente estava
devendo - o financiamento em aberto do Vectra. Agindo desta
forma, a instituição procura se precaver de outros atrasos, já que se o carro
for a leilão, não há riscos do valor embolsado não cobrir a dívida.