Portabilidade de crédito entre bancos ainda é pouco conhecida no Brasil
Para migrar uma dívida, é preciso comparecer ao banco de destinoTodo mundo já
ouviu falar na portabilidade da telefonia móvel. Mas e em portabilidade de
crédito? Pouca gente sabe, mas assim como o consumidor insatisfeito pode mudar
de operadora de celular mantendo o número, o tomador de um empréstimo pode
migrar sua dívida, sem cobrança de tarifa ou IOF, para outro banco com melhores
condições de pagamento.
De maneira análoga, é direito de qualquer cidadão liquidar a dívida de uma
vez antes do fim do prazo de financiamento. Mas nem sempre é tão fácil: a falta
de informação e a cobrança abusiva de taxas pode dificultar a vida de quem quer
se ver livre dos juros altos.
Antes de a portabilidade de crédito ser aprovada pelo Banco Central em 2006,
quem queria transferir seu saldo devedor tinha de pegar um empréstimo no novo
banco para cobrir a dívida com a instituição anterior, pagando novamente o
Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Agora já é possível fazer o mesmo
procedimento sem ônus algum para o mutuário. O problema é que, apesar do esforço
de divulgação por parte do próprio BC e dos órgãos de defesa do consumidor, essa
prática ainda não caiu no gosto do brasileiro, e muita gente ainda resolve do
jeito antigo.
Segundo especialistas em finanças, a justificativa para esse comportamento
seria a falta de interesse das instituições financeiras em divulgar as condições
da operação, conjugada com a tendência do brasileiro a se tornar fiel ao banco
do qual já é cliente há tantos anos. Essa atitude pode levar à perda de boas
oportunidades de economizar. "O único segmento em que a portabilidade realmente
tem sido expressiva é o de crédito consignado", diz André Massaro, especialista
em finanças da consultoria MoneyFit.
Ele explica que, com a concentração do mercado bancário brasileiro, as taxas
de juros de uma mesma modalidade de crédito realmente não variam muito de uma
instituição para a outra. Mesmo assim, sempre vale a pena migrar se for para
economizar. "Dependendo do prazo do empréstimo, uma pequena diferença nos juros
pode ser significativa", afirma.
Embora seja possível para qualquer modalidade de crédito, a portabilidade não
é vantajosa para empréstimos como o crédito direto ao consumidor, liquidado em
poucos meses, já que a incidência dos juros não é tão impactante. Provavelmente
será uma dor de cabeça desnecessária, que ainda vai requerer gastos extras com a
abertura e manutenção de mais uma conta bancária. A menos que a intenção seja a
de encerrar o vínculo com o banco antigo ou que a dívida seja paga por meio de
boleto, o que dispensa a abertura de conta.
"Já para financiamentos mais longos, a portabilidade pode mesmo ser
interessante", afirma Massaro. A exceção é o financiamento habitacional, que
pressupõe gastos não bancários, como os de avaliação do imóvel, checagem
jurídica da documentação e o registro do contrato de financiamento em cartório,
custo este que pode chegar a 1% do valor do imóvel. Todas essas despesas terão
que ser pagas novamente se o mutuário quiser transferir sua dívida, o que, no
fim das contas, pode não compensar.
Para as linhas de crédito mais caras do mercado, a portabilidade
provavelmente também não é a melhor solução. Se alguém tem uma dívida difícil de
pagar no cartão de crédito ou no cheque especial, a solução mais adequada é
tomar um empréstimo pessoal ou crédito consignado no mesmo banco, quitar a
dívida antiga e economizar até 70% do que era anteriormente desembolsado com
juros.
Caso a portabilidade seja interessante em seu caso, é necessário comparecer
ao banco de destino e solicitar a transferência do empréstimo. A nova
instituição realizará todo o procedimento, quitando a dívida com o banco antigo
e abrindo a mesma linha de crédito, com as condições mais vantajosas. O número
de parcelas deve se preservar. Parece simples, mas na prática o processo pode
ser bem mais complicado. "Não é tão fácil. Essa operação costuma ser dificultada
pelos bancos", explica Conrado Navarro, planejador financeiro da consultoria
Dinheirama e autor do livro "Vamos falar de dinheiro?".
Segundo Navarro, muitas vezes nem mesmo os funcionários dos bancos estão
informados sobre a portabilidade, o que pode requerer a mediação de um órgão de
defesa do consumidor. Também pode ocorrer a cobrança indevida de taxas. "O
cliente não deve pagar qualquer tipo de taxa. Alguns contratos de crédito trazem
cláusulas que falam em cobrança de tarifa no caso de liquidação antecipada da
dívida, o que certos órgãos de defesa do consumidor consideram abusivo",
esclarece Navarro.
O mesmo vale para quem quer simplesmente se livrar da dívida de uma vez. O
mutuário que tiver dinheiro na mão suficiente para quitar o restante do saldo
devedor - uma quantia resultante da venda de um carro ou imóvel, por exemplo -
tem o direito de liquidá-lo antes do fim do prazo de financiamento, sem custo
algum, mesmo que exista alguma taxa prevista no contrato. E qualquer cobrança de
juros sobre as parcelas não pagas pode ser considerada uma prática abusiva.
"Quem recorre a órgãos de defesa do consumidor nesses casos geralmente ganha a
causa", afirma Navarro.
De qualquer maneira, a portabilidade de crédito foi uma importante conquista
para os consumidores, que viram a competitividade entre os bancos crescer e
aumentaram seu poder de barganha. Ainda que não queira mudar de instituição -
afinal, pode ser doloroso terminar um relacionamento bancário - o mutuário está
agora munido de poder de negociação. Após pesquisar taxas de juros mais baixas
no mercado, o cliente passa a ter argumentos para negociar com seu banco
condições mais interessantes e até um produto melhor.