O endividamento das famílias brasileiras cresceu em julho. Segundo os últimos
dados da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo),
57,7% das famílias têm dívidas. A facilidade de se obter crédito é um dos
motivos apontados para o maior comprometimento da renda doméstica, que pode
alcançar os 28%, conforme previsão de economistas da Consultoria Tendências.
Contudo, nem só a renda pode ficar comprometida nesses casos.
Especialistas ouvidos pelo InfoMoney concordam que dívidas atrapalham o
desenvolvimento da carreira de qualquer profissional. Além do fato evidente de
que, com dívidas, dificilmente esses profissionais conseguirão recursos para
especializações e atualizações, eles explicam que ficar no vermelho prejudica o
rendimento daqueles que estão empregados e até a recolocação daqueles que estão
a procura de uma vaga.
“Toda situação que gera estresse diminui a produtividade, interfere na
estrutura emocional e na capacidade de decisão dos profissionais”, explica a
diretora de Consultoria da Ricardo Xavier Recursos Humanos, Neli Barboza.
“Dívidas aumentam o número de acidentes, de faltas e diminuem a produtividade e
a criatividade dos profissionais”, constata o especialista em educação
financeira Álvaro Modernell.
Já para o professor do Insper Aloísio Bueno Buoro, é difícil comprovar a
relação entre a desorganização financeira e o desenvolvimento da carreira. “Vai
depender do tipo de endividamento”, afirma. “A dívida por vício interfere, mas
não só na carreira, como na vida”, ressalta.
Dívidas iniciam um círculo nada virtuoso...
A primeira consequência das dívidas na carreira é justamente a falta de
recursos para investir na vida profissional. Mas há quem se endivide justamente
para se manter atualizado para o mercado. Buoro ressalta que, nesses casos,
fazer dívidas, como tomar um empréstimo, por exemplo, para pagar algum curso
importante, uma especialização ou um MBA (Master Business Administration) até
vale a pena. “Hoje sabemos que a renda média do profissional depois de um MBA
sobe até 50%”, afirma.
Contudo, ele alerta que tudo tem uma dose certa e um limite. “Antes de pensar
em contrair uma dívida, é preciso calcular o tempo de retorno desse
investimento”, diz. Para esses casos, o professor do Insper aconselha que o
profissional busque se informar a respeito de incentivos para a formação dentro
da própria empresa. Dessa forma, ele investe na carreira e evita dívidas.
E evita também decisões precipitadas. Modernell lembra que a preocupação de
quem está endividado é tamanha que acaba influenciando comportamentos até pouco
éticos. “Dependendo do nível da dívida e da preocupação desse profissional, ele
pode ultrapassar os limites éticos e praticar furtos, comercializar informações
estratégicas”, afirma.
Dívidas também geram a necessidade de se ganhar mais, para poder quitá-las.
Se o profissional não consegue um aumento de salário, acaba por buscar trabalhos
extras. “Isso é extremamente negativo, porque só gera mais cansaço e mais
conflitos, dentro de casa e no próprio ambiente de trabalho”, ressalta Modernell.
O cansaço prejudica ainda mais a produtividade e a criatividade.
Além desse tipo de comportamento, decisões mais pessoais, e precipitadas,
feitas levando-se em conta as dívidas, também prejudicam a carreira. “É
particularmente ruim trocar de posição e área só porque pagam mais”, reforça
Buoro. Muitas vezes, no médio e curto prazo, essas decisões só geram frustração
e podem impactar de modo ainda mais negativo na autoestima do profissional, que
por isso pode gastar mais, fazer mais dívidas – como em um círculo nada
virtuoso.
... E até na hora de se recolocar, elas podem gerar problemas
Não são raros os casos em que profissionais, em meio a uma entrevista de
emprego, começam a ressaltar o problema das dívidas. “Tem muita gente que já
começa a entrevista falando das dívidas que têm”, conta Neli, da Ricardo Xavier.
E qual o problema desse desabafo? “Transfere e transmite para o entrevistado
insegurança e indica que há algo errado”, explica a consultora. Para Neli, é
possível identificar em um processo de seleção se a dívida é um fator que pode
atrapalhar no ambiente de trabalho. “Se o devedor for daqueles compulsivos, que
não conseguem administrar as contas, ele não vai ser bem visto pelo
entrevistador”, afirma a consultora. “Se for um devedor pontual, não. Quem nunca
teve problemas desse tipo?”.
Por isso, ela ressalta que, mesmo se o desespero for grande, evitar falar em
assuntos dessa natureza durante uma entrevista de emprego é o ideal. “A pessoa
não deve se antecipar e já ir falando sobre o assunto. Ele precisa utilizar a
entrevista para se vender como profissional, apenas isso”, diz.
Para não atrapalhar a carreira
Os profissionais que estão no mercado e têm dívidas devem ficar atentos e
avaliar se não são elas as causadoras de uma possível queda no rendimento. “Não
tem jeito, é preciso gastar o que está dentro do orçamento, porque, caso
contrário, você estará dilapidando a sua carreira”, reforça o professor do
Insper. Para Modernell, independentemente do tamanho da dívida, sempre é
possível organizar o orçamento, mas avisa: “Quanto mais tarde se procura
estancar o problema, maiores são as perdas”.