Nos últimos 30 anos a neurociência deu saltos enormes em direção a um maior
entendimento do funcionamento do cérebro humano. Tecnologias muito recentes,
como a ressonância magnética funcional, a tomografia computadorizada, e outras,
criaram a possibilidade de observar o cérebro, enquanto funciona normalmente num
ser vivo e em condições comuns ao dia a dia. Inúmeros projetos de pesquisa têm
estudado e desvendado os mecanismos cerebrais por trás de processos mentais
cruciais como a geração de emoções e comportamentos, a motivação, a tomada de
decisão, a aprendizagem, a negociação, a resolução de problemas etc.
Como podemos utilizar este conhecimento? Em quais áreas de atuação e de que
forma, saber como funciona nosso cérebro pode nos ajudar a usá-lo melhor? Uma
área óbvia é a liderança, a competência para motivar e influenciar pessoas, e
realizar através delas.
Que aplicação o conhecimento ampliado dos mecanismos cerebrais encontra na
noção e na prática da liderança? Foi justamente buscando respostas para essa
pergunta que David Rock (Quiet Leadership, 2006) ajudou a desenvolver o
campo da NeuroLiderança, um novo e promissor campo de pesquisa
aplicada na interseção entre neurociência e liderança.
O primeiro Summit Internacional de NeuroLiderança
concretizou a fundação do NeuroLeadership Institute em 2007, que
focaliza integrar os conhecimentos neurocientíficos às áreas de desenvolvimento
de líderes, treinamento gerencial, change management, educação, consultoria e
coaching, entre outras. O foco dessa pesquisa concentra-se em quatro
grandes aspectos da prática da liderança:
* tomada de decisão e solução de problemas,
* domínio emocional especialmente quando sob pressão,
* colaboração e trabalho em equipe,
* facilitação da mudança.
Alguns dos componentes do entendimento ampliado do cérebro centrais ao
conceito de NeuroLiderança são:
* O cérebro é um sistema de conexões entre neurônios e "grava" novas
informações, criando novos conjuntos de conexões como circuitos impressos.
Aprender, solucionar problemas, tomar decisões são atividades que implicam na
"gravação" de novos circuitos, como abrir trilhas num campo gramado.
* Nenhum cérebro é idêntico a outro, apesar de todos serem similares. Ninguém
pensa de forma idêntica a de outro.
* A operação consciente consome mais energia (pensar cansa!) e é mais lenta
que a operação inconsciente. Para economizar energia e operar mais rapidamente,
o cérebro prefere operar inconscientemente, de forma automática. Portanto, tem
uma forte propensidade a automatizar tudo o que pode ser automatizado. A maioria
de nossos comportamentos físicos e mentais é iniciada e ocorre à revelia de
nossas consciências.
* Nossa percepção baseia-se quase exclusivamente em circuitos gravados e
usados de forma automática. Tendemos a interpretar a realidade automaticamente
em função de nossa experiência e não da própria realidade. Como dizia Anais Nin
"Não vemos as coisas como elas são, as vemos como nós somos".
* É muito mais fácil criar novas conexões e gravar novos circuitos (aprender
algo novo), que apagar um circuito gravado (desaprender algo). Criar novos
hábitos é mais fácil que mudar os velhos.
* Quanto mais atenção (consciência) se der a um dado circuito de conexões,
mais as conexões serão reforçadas (aprofundamento da gravação). A consciência do
aprendizado o reforça.
* A associação de emoção à informação ajuda a aprofundar a gravação
reforçando as conexões.
* O cérebro é inerentemente "preguiçoso" e prefere tentar usar o que já sabe,
os circuitos já gravados, para lidar com qualquer demanda, antiga ou nova que
seja.
* Por outro lado, o cérebro possui uma capacidade impressionante e natural
para desenvolver novas soluções para problemas antigos ou novos (criar novos
circuitos e gerando insights), mas o acesso a esta capacidade precisa
ser habilitado e estimulado para ocorrer.
* A emoção negativa associada à realização de não ter ainda conseguido
resolver um problema estimula o cérebro a continuar tentando, e a emoção
positiva associada à realização de ter conseguido, o informa que foi encontrada
a solução e faz com que seja gravado o circuito de conexões que a gerou
(cristaliza o aprendizado). O papel do feedback (dado de forma apropriada) é
neurologicamente significativo.
* O cérebro funciona alternadamente em modo pró-ativo - aprendendo, tomando
decisões conscientes, formulando novas soluções e criando novos circuitos - ou
reativo - usando os circuitos existentes preponderantemente de forma automática.
Os diferentes modos ocorrem em partes diferentes do cérebro. A proporção de
tempo passado em cada modo varia muito entre pessoas e momentos, mas tendemos a
passar muito mais tempo em modo reativo.
* A parte do cérebro responsável por sentir emoções, especialmente a
responsável pelo medo, tem o poder de inibir o funcionamento da parte
responsável por encontrar soluções. O acesso à inteligência racional - a que
medimos via QI - é regulado pela atividade emocional. Quanto mais amedrontados,
menos inteligentes somos.
A essência da prática da NeuroLiderança consiste de um
conjunto de padrões de comportamento intra e interpessoal - de fato hábitos
comportamentais virtuosos - os quais, levando em conta as implicações dos
elementos acima, permitem incentivar e apoiar as pessoas no acesso às funções
produtivas e pró-ativas de seus cérebros. Isso resulta em aprendizado
facilitado, meta-aprendizado (aprender a aprender), uma gama mais ampla de
soluções, mais ações, maior identificação e comprometimento com estas e, no
final, mais satisfação.
Outros produtos significativos do trabalho de David Rock com
NeuroLiderança são o NeuroCoaching® e a NeuroComunicação®. Esses
conceitos incorporam e alavancam as preferências e processos naturais do
cérebro, promovendo a coordenação e harmonia entre os "movimentos" dos cérebros
das pessoas envolvidas, no que David Rock foi muito feliz em batizar de "dança
do insight", o componente central do modelo de NeuroCoaching®. Feliz porque a
analogia com a dança não é só poética; de fato o processo de NeuroComunicação®
possui inúmeras características em comum com o processo de dançar.
Como numa dança, o processo é reciprocamente voluntário; ocorre após um
convite e sua aceitação; vale-se de movimentos perfeitamente naturais - ainda
que não usuais - que qualquer pessoa sadia é capaz de fazer, porém executados de
uma maneira específica; inclui certo nível de desafio e superação; a motivação
de cada um é autoproduzida - motivação intrínseca. Também, como numa dança, um
conduz e apoia, enquanto, o outro se entrega deliberadamente à condução e ao
apoio (o que requer confiança), mas ninguém arrasta ninguém e todos se sentem
realizados.
A Dança do Insight é chave entre os seis "passos" do NeuroCoaching®
e da NeuroComunicação®, e comprovadamente uma das ferramentas ao alcance de uma
nova dimensão de liderança que incorpora o entendimento ampliado do cérebro
humano.