Foram 30 anos “batendo cartão”. Depois de tanto tempo, o ilustrador Alberto
Pasquantonio, 56, decidiu deixar a pressão das agências de publicidade para ser
o dono do próprio tempo e tocar novos projetos. A decisão de trocar o escritório
pela própria casa, contudo, foi bem pensada. Ele ficou meses planejando como
seria seu home office. Mas nem todo mundo faz isso.
Trabalhar em casa é o sonho de muitos profissionais. Na primeira
oportunidade, eles largam a rotina de ir e voltar ao escritório acreditando que
ficar em casa é sinônimo de qualidade de vida e de uma melhor produtividade. De
fato, de acordo com dados do Sobratt (Sociedade Brasileira de Teletrabalho e
Teleatividades), trabalhar em casa rende até 40% mais que dentro de um ambiente
corporativo.
No escritório, são muitos os fatores de distração. Somente o fato de
enfrentar o trânsito para chegar ao trabalho já consome um bom tempo do dia de
qualquer trabalhador. Aquela conversa de início de expediente, as conversas
paralelas durante o trabalho, o cafezinho com os colegas, a continuação da
conversa depois do almoço, telefones tocando, reuniões intermináveis, e-mails
"pipocando", praticamente implorando para serem lidos. Tudo isso faz o trabalho
render menos.
Existem outros fatores que fazem com que muitos profissionais optem pelo home
office. “Muitos profissionais preferem ficar distantes de um ambiente no qual
eles não conseguem ficar concentrados”, explica a consultora de Planejamento de
Carreira da Ricardo Xavier Recursos Humanos, Karla Mara Alves de Oliveira. “A
própria rotina do ambiente corporativo é estressante", completa. "Muitos estão
mesmo cansados da estrutura corporativa e estão em uma fase em que ter qualidade
de vida é mais importante", reforça o consultor e vice-presidente da Thomas Case
& Associados, Eduardo Bahi.
Para Pasquantonio, esse foi um dos motivos que o incentivou a ficar em casa.
“Eu já não suportava mais o ambiente corporativo”, afirma. “O que mais me
incomodava era a pressão e as exigências, então eu dei um chega nessa rotina”. O
fim do casamento também ajudou na escolha. “Decidi mudar tudo”, conta. Assim,
desde o fim de 2008, o ilustrador toca projetos em sua casa. Com o tempo extra
que ganhou, aproveitou também para se atualizar.
Antes de trocar, considere o perfil
Trabalhar em casa é sinônimo de mais tempo para produzir. Além do tempo que se
ganha, também há os fatores qualidade de vida ou querer ficar mais perto da
família. A flexibilidade é um dos atrativos do home office, mas ela pode por
tudo a perder. “Você tem autonomia de fazer do seu jeito, com seu horário, mas
se você não se policiar, ou vai trabalhar demais ou menos do que previa”,
reforça a consultora da Career Center, Claudia Monari.
A falta de organização e a acomodação podem colocar em risco esse esquema.
Por isso, nem todo profissional sai ganhando ao trocar o escritório pela casa.
“Tem profissional que não tem perfil para home office, que precisa de uma
estrutura que sustente seu trabalho”, considera Bahi.
Ele conta que já presenciou muitos profissionais empolgados com a troca, mas
que, com o tempo, sentiram-se desestimulados e até perdidos. “Muitos se sentem
como desempregados dentro de casa”, afirma Bahi. Para ele, apenas profissionais
com funções de suporte conseguem ver vantagens no home office, como aqueles
ligados à área de Recursos Humanos, Tecnologia da Informação, profissionais da
área de atendimento, comunicação e vendas, e aqueles que trabalham diante de
demandas, como artesãos, designers e ilustradores.
Bahi identifica algumas competências que os profissionais que querem adotar o
home office devem ter: comprometimento, iniciativa, capacidade de
empreendedorismo e foco em resultados. “Esses profissionais devem saber que
serão remunerados sobre os resultados”, completa o consultor.
Além do perfil, o fator financeiro também deve ser analisado. É preciso
assegurar um capital extra para os primeiros meses, principalmente os
profissionais que trabalham por projetos. Pasquantonio planejou durante meses
antes de deixar de “bater o ponto”. “Pensei nos prós e nos contras e tinha uma
reserva financeira para três ou quatro meses”, conta. O ilustrador sabia que
seria difícil conseguir trabalho logo no início, por isso, esperou um momento em
que o mercado para a sua área estivesse bom.
Uma casa cheia de distrações
Analisar seu perfil, verificar como anda o mercado, conquistar uma carteira de
clientes e ter uma reserva financeira. Tudo isso não basta para que o home
office dê certo. É preciso também lidar com as distrações que a sua casa
oferece. A televisão, a internet, a cama, o telefone e aquele seu amigo que vive
chamando você para almoçar. São muitos os fatores que podem colocar em risco o
home office.
“No home office, o fluxo de intervenções é menor, mas ele existe”, lembra
Karla. Por isso, é preciso se planejar ainda mais, porque em casa, é difícil
separar o trabalho do lazer. “É possível conciliar as duas coisas, alcançar o
equilíbrio”, ressalta a consultora. Para Claudia, é preciso cuidados para não se
isolar. “Tem pessoas que se fecham tanto que esquecem de se expor para o mercado
de trabalho”, explica.
Bahi aconselha aos que querem trocar o escritório pela casa a organizar um
cantinho que seja destinado apenas ao trabalho, de preferência isolado de
interferências externas. Estabelecer um horário de trabalho, mesmo em casa,
também ajuda o profissional a manter a organização. Para o consultor, não existe
uma receita ideal para que o home office dê certo, mas o planejamento pode
ajudar a fazer valer a pena a experiência.