Consumidor - Centros de lazer: duvide das vantagens oferecidas
A publicidade que envolve a venda de títulos de clubes de lazer e
empreendimentos com sistema de tempo compartilhado (time-sharing) pode
levar o consumidor a crer que vale a pena fechar negócio. Antes de contratá-los
convém ter cautela. “É preciso duvidar das facilidades oferecidas”, alerta Maria
Inês Dolci, advogada da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Pro
Teste). “Os contratos costumam ter cláusulas capciosas, que não saltam à vista
quando de sua assinatura. Por isso, o consumidor deve analisar o documento com
calma e, de preferência, em casa. A empresa que não se dispõe a fornecê-lo não é
transparente nem age de boa-fé.”
Neste ano, o Procon-SP recebeu 1.765 consultas e 851 reclamações sobre o tema.
Em 2001, foram 1.313 consultas e 324 reclamações. As principais queixas
referem-se a contrato, dúvida sobre cobrança, serviços não fornecidos e venda ou
publicidade enganosas.
Brinde virou negócio
Em julho, o projetista Paulo Cesar Baldin preencheu um cupom numa feira de
exposições em Monte Alegre do Sul (SP), que lhe dava direito a concorrer a uma
viagem a qualquer lugar do País com as despesas pagas e, cerca de 45 dias
depois, recebeu ligação da Status Hotéis Club informando que havia sido
sorteado. “Disseram que eu era um dos 50 ganhadores da viagem e o convite estava
à minha disposição, mas só poderia ser retirado na sede da empresa. Chegando lá,
a história foi outra”, conta.
Segundo Baldin, só percebeu depois que a real intenção da empresa era lhe vender
um título, sob o argumento de que, dentre os sorteados, 10 ganhariam um título
em regime vitalício. “Desse modo, eu não pagaria o título (no valor de R$
3.120), mas R$ 696 para cobrir gastos com documentação e cartório”, conta.
Baldin aceitou a oferta, mas arrependeu-se ao chegar em casa e, no dia seguinte,
tentou a rescisão, quando soube que não devolveriam os R$ 696 pagos e, ainda,
deveria arcar com multa de 15% sobre o valor real do título. “Decidi, então,
ficar com o título, mas, ao ligar para dois hotéis que constavam dos catálogos,
eles não eram mais conveniados à rede. Senti-me enganado.”
De acordo com Elaine Cristina Stelarri, gerente-administrativa da Status, Baldin
foi informado sobre o procedimento em caso de rescisão e, embora o contrato
estabeleça multa sobre o valor real, no seu caso, a porcentagem incidiria sobre
o valor pago, uma vez que o título é promocional. “Ao fazer reservas, ele sabia
que deveria contatar a empresa e não diretamente o hotel,” acrescenta a gerente,
que afirma, ainda, que os estabelecimentos contatados por Baldin estão
credenciados e há documentos que comprovam a parceria. Para solucionar a
questão, a Status se propõe a cancelar o contrato do consumidor, sem ônus.
Conforme orienta Marco Antônio Zanellato, promotor e coordenador das Promotorias
de Defesa do Consumidor do Ministério Público de São Paulo (MP), caso o contrato
não seja cancelado, Baldin deve encaminhar reclamação ao MP, onde já há processo
instaurado contra a Status. “A empresa já havia sido denunciada pelo Procon em
razão do grande número de reclamações – de 26/9/97 a 12/9/02 foram 77 queixas –
e havia se comprometido abandonar esse expediente.” Ao receber as denúncias, o
MP abrirá nova investigação e tomará medida nos campos coletivo e criminal.
Sem direito à rescisão
Valdir Lopes dos Santos foi atraído pela Jansen Fernandes e Capelossi (JF&C) à
sede do Hotel Enseada Mare Eco Resort, em Ubatuba (SP), para retirar um brinde e
lá foi induzido a assinar um contrato. “Ao chegar, ouvi uma exaustiva exposição
de mais de três horas sobre as vantagens do sistema time-sharing e, após forte
apelo psicológico, acabei contratando o uso e o gozo de uma unidade imobiliária
tipo ‘appart’, no valor de R$ 5.790.”
Segundo o consumidor, a vontade de desistir do negócio se manifestou após ter
pago R$ 900 de entrada. E, por não ter quitado o último boleto, o título foi
protestado. “Só então fiquei sabendo que, se desistisse, teria de pagar 40%
sobre o valor da transação, pois só poderia pedir o cancelamento sem ônus, no
prazo de 7 dias, como reza o Código de Defesa do Consumidor (CDC), se tivesse
assinado o contrato fora das instalações do hotel. Como poderia, se fui ao local
atraído pelo brinde?”, questiona.
Em resposta à reportagem do JT, a JF&C alega que não houve má-fé de seus
colaboradores, pois Santos de fato ganhou o brinde (por três diárias no hotel
pagaria R$ 47 cada. Normalmente, elas custam R$ 220). A JF&C diz, ainda, que,
além de ter sido informado sobre seus direitos em caso de rescisão, Santos levou
consigo uma via do contrato, no qual consta essas informações. A empresa pede
para que ele entre em contato para resolverem a questão.
Alteração de estatuto só se aprovada em assembléia
Legalmente, os clubes de lazer são associações sem fins lucrativos regidas por
um estatuto que, teoricamente, deve expressar a vontade dos sócios. “É esse
documento que prevê as circunstâncias em que podem ser alterados seus
dispositivos, o que, conforme deve prever, não pode ocorrer sem a convocação de
assembléia”, explica o advogado João Zanfronin, especialista em clube.
“Mas, na prática, não é isso o que ocorre”, alerta Marco Antônio Zanellato,
promotor e coordenador das Promotorias de Defesa do Consumidor do Ministério
Público de São Paulo. Conforme alega o promotor, geralmente os estatutos são
criados unilateralmente pela diretoria dos clubes e modificados de acordo com
seus interesses, o que põe o consumidor em desvantagem. “E os estabelecimentos
visam ao lucro, sim, pois cobram dos sócios uma série de taxas”, explica.
Um exemplo de que isso ocorre é o problema enfrentado por Anselmo Pomin. Sócio
há três anos da Associação Esportiva e Recreativa Clube de Campo Águas de
Atibaia e portador de um título de sócio remido por dez anos, há mais ou menos
dois meses ele recebeu uma carta do clube informando que serão realizadas obras
de ampliação por um grupo estrangeiro e, por isso, ele tem duas opções: ou
concorda com a realização das obras e, para tanto, terá de pagar uma taxa, ou
repassa o título a novos interessados, transação que o próprio clube se propõe a
intermediar, mediante o pagamento antecipado por parte do sócio de R$ 520 pela
transferência de titularidade.
Pomin concordou em pagar a taxa e, para isso, pediu quatro cheques a seu
cunhado, Edelcio Policastro Galheta. “Ao saber que, se até dezembro o clube não
conseguir vender o título, meu cunhado teria de gozar o valor em diárias em
chalés, pedi permissão a ele para sustar os cheques”, afirma.
Outro motivo que levou Galheta a evitar o desconto dos cheques foi a cláusula do
contrato de prestação do serviço que prevê, após a venda do título, o pagamento
de 10% do valor da transação ao clube a título de comissão. “Ora, meu cunhado já
pagou R$ 1.443 para usar o título por dez anos e não tinha a intenção de
vendê-lo. Não achei correto o procedimento do clube.”
Segundo Edelcio, Pomin não recebeu nenhuma carta de convocação de assembléia,
embora o clube afirme que, “conforme a última reunião realizada, foi votado pela
maioria dos sócios que todos os associados, mesmo os que estão em dia com suas
respectivas manutenções, estão sujeitos ao pagamento da taxa de obras, no valor
de R$ 992, pois optaram pela ampliação do clube.” “E meu cunhado não pode sequer
questionar o valor, pois da carta consta que, se ele não pagar a taxa de obras,
fica caracterizado o inadimplemento e serão tomadas as medidas cabíveis. Está
correto?”
Segundo Jeferson Estanislau de Lima, dirigente do Procon de Campo Limpo Paulista
(SP) onde Pomin deu entrada à reclamação, em razão de não ter sido possível o
contato com o clube em nenhum dos telefones informados pelo consumidor, foi
enviada uma carta registrada pedindo o cancelamento do título, uma vez que ele
não foi convocado para a assembléia. “Até o momento, não recebemos o aviso de AR
pelos Correios, sinal de que eles também estão tendo dificuldades em contatar o
clube”, informa. A reportagem também tentou falar com o clube, mais não obteve
sucesso.
Maria José Silva reclama do Serraemar Turismo Hotéis Clube, também por causa de
pagamento antecipado sobre a transferência de título, mas nenhum dos telefones
da empresa foi atendido.
Procedimento das empresas fere CDC
Na opinião de Maria Inês Dolci, advogada da Pro Teste, tanto a Status Hotéis
Club quanto o Hotel Enseada demonstram estar pautando suas atividades no
desrespeito ao consumidor, além de ofender o princípio da boa-fé na relação de
consumo. “Isso porque o CDC, em seu artigo 6º, inciso IV, protege o consumidor
contra publicidade enganosa – como parece ser o caso da oferta de hotéis que na
verdade inexistem ou estão descredenciados da rede contratada –; contra métodos
comerciais coercitivos e contra práticas e cláusulas abusivas – como a condição
ou a impossibilidade de rescisão”, diz.
Conforme lembra Maria Cecília Rodrigues, técnica da Área de Serviços do
Procon-SP, o consumidor, independentemente de ter fechado o negócio dentro da
empresa, tem sempre o direito de desistir. “Quem assina contrato no
estabelecimento também pode desistir do negócio, embora esteja sujeito a multas
previstas nele”, explica.
Maria Cecília ressalta, também, que as cláusulas que estabelecem obrigações
iníquas ou que coloquem o consumidor em desvantagem, conforme o artigo 51 do CDC,
são nulas. “O consumidor não pode ‘ganhar’ o título e, ao tentar desistir, estar
sujeito a multa sobre seu valor real. Esse procedimento é uma forma ilícita de
captação de recursos, que deve ser denunciada.”
O consumidor que se sentir prejudicado pode formalizar reclamação no Procon e,
se não conseguir rescindir o contrato amigavelmente, deve ingressar com ação no
Juizado Especial Cível.
Código de Defesa do
Consumidor
Artigo 6o: São direitos básicos do consumidor:
IV - a proteção contra publicidade enganosa e abusiva, métodos
comerciais coercitivos e práticas e cláusulas abusivas ou impostas no
fornecimento de produtos e serviços.
Artigo 51: São nulas de pleno direito as cláusulas que:
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas,
que coloquem o consumidor em desvantagem ou sejam incompatíveis com a
boa-fé ou com a eqüidade.
Artigo 66: Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir
informação relevante sobre natureza, característica, qualidade (...) ou
garantia de produtos e serviços:
Pena: Detenção de 3 meses a 1 ano e multa.
Artigo 67: Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria
saber ser enganosa ou abusiva:
Pena: Detenção de 3 meses a 1 ano e multa.
Código Penal
Art. 171.
Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio,
induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou
qualquer outro meio fraudulento:
Pena: Reclusão de 1 a 5 anos e multa.
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