As discussões relacionadas ao uso do cartão de crédito são sempre bastante
acaloradas e frequentemente terminam de forma pouco amistosa. Tudo porque, em
muitos casos, o cartão de crédito e seu uso são interpretados de forma
incorreta. Para que o texto faça sentido, é importante ressaltar a importância
do cartão enquanto ferramenta e meio de pagamento e então abordar suas
limitações e implicações na vida dos menos organizados. Leia até o final e
entenda porque usar o cartão não é tão simples como parece.
Cartão de crédito vale a pena?
A principal vantagem do cartão de crédito está na possibilidade de se aproveitar
sua característica de cobrança futura para adquirir, agora, um produto ou
serviço. Ao comprar algo com o cartão, levamos imediatamente o bem para casa e o
pagamento só acontecerá na chegada da(s) fatura(s), podendo ainda o valor total
ser parcelado, no ato da compra, junto à loja ou prestador de serviço.
Em suma, isso significa consumir antes, pagar depois. Tal constatação deveria
ser vista como bastante interessante, já que representa a chance de consumo
contínuo, desde que planejado e organizado, aliado a um controle fixo de
pagamentos (data de vencimento da fatura). Pense no quanto isso facilita o
controle de fluxo de caixa e sua manutenção. Certo, mas não é bem assim que as
coisas acontecem, não é mesmo?
Cartão de crédito, uma ferramenta
O que aconteceria se deixássemos uma criança pequena se aventurar com um martelo
e alguns pregos? Ela certamente se machucaria, simplesmente porque não está
preparada para usar a ferramenta martelo para lidar com o produto prego. Algum
problema com a ferramenta em si? Não. E com o produto? Também não. Fica óbvio,
até para os que não têm filhos (meu caso), que o problema não é a ferramenta,
nem o produto, mas a falta de prática e conhecimento para usá-los.
Ao optar pelo cartão de crédito para realizar um negócio, precisamos estar
cientes de que o valor negociado será cobrado e, portanto, precisa estar
programado em nosso controle financeiro. O crédito associado ao cartão é parte
da ferramenta e não significa dinheiro extra, mas simplesmente poder comprar,
consumir e deixar o pagamento para uma data futura - que deverá ser respeitada.
Indivíduos organizados frequentemente centralizam seus gastos no cartão de
crédito. Fazem isso por razões simples:
- Porque simplificam seus pagamentos e mantém datas estabelecidas para
pagamento de suas despesas, pagando a(s) fatura(s) sempre em dia;
- Porque lançam estas transações em seu caderno (ou planilha) de controle
financeiro e mantém à vista o saldo disponível para o restante do mês;
- Porque aproveitam os programas de recompensa (pontos, milhagem ou
descontos) e acumulam benefícios depois usados nas férias, em viagens ou
mesmo em novas oportunidades de consumo.
"Ah, Navarro, então o cartão de crédito é uma maravilha?"
Não, não é. Longe disso. Como toda ferramenta, o cartão também tem seus
problemas. Não por acaso, seu maior atrativo é também sua maior armadilha. As
facilidades impostas pelo uso diário do cartão implicam em uma das mais altas
taxas de juros cobradas no sistema financeiro mundial. Usar o crédito disponível
e não honrá-lo integralmente no vencimento da fatura significa dar início a uma
espiral perigosa de endividamento.
Confira uma lista simples dos juros cobrados por alguns dos muitos cartões
disponíveis hoje em dia:
Exemplos rápidos
Suponha que você tem uma fatura de cerca de R$ 1.500,00, valor que extrapolou
seu orçamento - e você nem percebeu por aproveitar a comodidade do cartão nas
compras - e então você decide que pagará, neste mês do estouro, R$ 500,00. O
problema é que você está descontrolado e vai continuar gastando, sem conseguir
quitar os R$ 1.000,00 devidos nos próximos meses. "Vou tentar parar de
gastar e quando tiver dinheiro pago os R$ 1.000,00 que ficaram para trás",
é o que você pensa.
A próxima reflexão passa a ser: "Se pagar um valor mínimo é possível,
então é assim que farei até conseguir levantar todo o montante devido".
Então você passa a dever R$ 1.000,00 no chamado crédito rotativo, valor este que
será corrigido mensalmente por uma das taxas demonstradas na tabela presente
neste artigo. Usemos o exemplo intermediário de 13,42% ao mês. Se você ficar
"arrastando" a dívida de R$ 1.000,00 por um ano (12 meses), o valor devido ao
final deste período será de R$ 4.581,35. Se deixar rolar e
esperar 2 anos (24 meses), o valor subirá para R$ 20.537,68.
Conclusão: usar o crédito rotativo oferecido pelos bancos
emissores dos cartões é um dos erros mais perigosos que um cidadão pouco
informado pode cometer. Se é esse o seu caso, pare imediatamente de usar o
cartão, ligue para o banco e negocie o pagamento do saldo devedor em parcelas -
de forma a pararem a cobrança de juros. Se não der certo, faça um empréstimo
consignado ou pessoal (CDC) do valor devido, pague a dívida e inutilize seu
cartão até que o empréstimo seja quitado - ou para sempre, se for essa a
solução.
Como não parar para rever nossas decisões diante de números e casos
como esses?
Se quiser simular estes simples cálculos, use a planilha de simulação
de juros compostos para endividamento com taxa fixa para 'n' períodos que
disponibilizo no Dinheirama. A verdade é que o cartão de crédito não é
para todo mundo. Porque é simples, é caro. Porque é caro, deve ser motivo de
muita análise. O cartão de crédito pode ser seu aliado? Pode. Pode arruiná-lo?
Pode. A diferença? Educação financeira!