Para quem acompanha de longe o mundo corporativo, deixar um cargo de alta
gerência em uma grande empresa para assumir outra, em processo de falência,
parece loucura. Porém, para Lourival Kiçula não foi tão difícil sair da
presidência da Sanyo do Brasil, em 1998, para assumir a Tec Toy, que estava em
concordata. Ele não sabia, mas naquele momento tornava-se um empreendedor
profissional.
“Esse profissional escolhe sair do mundo corporativo para tomar a frente de
uma empresa, não como dono, mas como gestor”, afirma Flavia Gisela Wahnfried,
líder da prática de Executive Search da Piccini & Fumis Consulting and
Management. O que parece ser um perfil de líder padrão, porém, se diferencia
pelos motivos e forma como assume o negócio. “O empreendedor profissional é
aquele que sai do mundo corporativo quando o desejo por desafio é maior que o
oferecido na empresa onde ele trabalha”, explica.
Foi o desafio que fez Kiçula, hoje presidente da Eletros (Associação Nacional
de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos), sair da empresa onde trabalhou
durante oito anos, e mantinha uma carreira sólida, para gerir uma outra em
condições não tão estáveis assim. Em 1998, a Sanyo estava em processo de
mudanças. Querendo sair da rotina que ele se impôs ao longo dos anos, Kiçula
aproveitou o momento e saiu. “Eu não queria zona de conforto”, afirmou.
Foco: desafio
Quando se desligou da empresa, Kiçula recebeu quatro propostas para assumir
cargos de gestão. Das quatro, a Tec Toy apresentava o pior quadro. Mas foi o que
ele escolheu. “O que me encantou era justamente o desafio. Concordata em
andamento é uma loucura, mas eu confiava na empresa e no produto”, explica,
pontuando que contou com a total confiança dos acionistas da empresa para atuar
da forma que achava correta. “Como ninguém faz nada sozinho, eu formei uma
equipe de primeira, que eu confiava”.
Essa confiança na empresa, no negócio, na equipe e em si mesmo revelam mais
um traço do empreendedor profissional. “De maneira geral, o empreendedor
profissional tem uma experiência consolidada em grandes empresas e utiliza os
conhecimentos que adquiriu para aplicar em produtos e negócios que confia”,
explica Flavia.
Mas então por que não abrir o próprio negócio? Para a especialista, esse é
mais um ponto que diferencia os empreendedores profissionais. “Os empreendedores
profissionais não abrem o próprio negócio porque o que interessa para eles é
justamente o processo de gerir uma empresa em formação”, diz. Além disso, ela
cita que muitos simplesmente não tiveram uma grande ideia a ponto de abrir uma
empresa. “Ou mesmo porque ficaram confusos com tantas opções”, considera Flavia.
“ Ele quer entrar no grande momento do negócio, que é fazer ele ter sucesso”.
Kiçula teve sucesso. Conseguiu recuperar a Tec Toy e deixou a empresa há
quatro anos em boas condições para continuar no mercado. “Só pela satisfação de
tirar a empresa da concordata fez a experiência valer a pena”, pontua.
Insatisfação é peça-chave
Como Kiçula, muitos outros profissionais experientes no mercado ficam
insatisfeitos com a situação do ambiente onde atuam, assim como são muitos os
que permanecem nessa situação por não vislumbrarem alternativas. Kiçula soube o
momento certo de mudar o rumo da carreira. Mas esse ponto não é igual para
todos. “O momento certo é o de cada um, mas geralmente ocorre quando há
maturidade profissional”, explica Flavia.
Ela ressalta que as motivações para que um profissional se torne um
empreendedor profissional são pessoais. Além da insatisfação no trabalho, eles
também buscam, nesse novo rumo da carreira, mais espaço para atuar e mais
estímulo para criar. Mas a mudança, mesmo que atraente, não é fácil. Para tanto,
é preciso maturidade emocional, uma vez que cenários que envolvam instabilidade
geram questionamentos por parte da família.
Não foi o que aconteceu com o presidente da Eletros. A esposa e os sete
filhos apoiaram a decisão. A família de Kiçula não duvidou que a empreitada não
daria certo - nem ele mesmo. “Em nenhum momento eu questionei a minha decisão”.
Empreendedor profissional no mercado
Para Flavia, a diferença entre o empreendedor tradicional e o profissional é
clara. Enquanto o tradicional não está envolvido no negócio total da empresa, o
empreendedor profissional acompanha cada passo do processo de crescimento. “Ele
tem uma atuação mais ampla e com mais desafios”, completa.
Porém, no mercado, essa diferença ainda não está clara. “O que percebemos é
que os empreendedores tradicionais não conhecem o perfil do empreendedor
profissional. Isso ainda está se difundindo no mercado”, afirma Flavia.
Segundo ela, aqueles que abrem um negócio chamam profissionais de confiança
para ajudá-los a gerir. Se ele não restringir a atuação desse profissional, ele
contratou um empreendedor profissional mesmo sem conhecer essa denominação. “A
demanda por esse perfil, existe. Quem está abrindo um negócio quer um
empreendedor qualificado para ajudá-lo. Mas é preciso explorar o potencial desse
perfil, para que ele seja um empreendedor profissional”, explica Flavia. "O
mercado ainda não está preparado".