Parece o profissional perfeito. Dá sugestões e quer participar de todos os
projetos que aparecem, mas, para desenvolvê-los, ultrapassa seu escopo de
trabalho e delega para si responsabilidades que não lhe cabem e, mesmo com uma
infinidade de tarefas sob a mesa, ainda quer mais.
Ser uma pessoa “pilhada” no trabalho nem sempre é bom. E o que parece ser o
ideal pode ser prejudicial para os dois lados: para o profissional com esse
perfil e para a empresa que não consegue identificá-lo. Diferentemente da
hiperatividade, a energia que muitos profissionais apresentam pode esconder
muitos aspectos.
Para a psicóloga e vice-presidente da Associação Brasileira de Qualidade de
Vida, Sâmia Simorro, é complicado generalizar. “Precisamos avaliar cada caso”.
Para ela, existem diversos fatores que podem levar os profissionais a serem
muito enérgicos, incluindo o próprio ambiente de trabalho. Mas dois ganham
destaque: a insegurança e a demanda de tarefas.
Além desses, esse perfil também pode mascarar a falta de organização do
profissional. É o que acredita a diretora da Consultoria da Ricardo Xavier
Recursos Humanos, Neli Barboza, que define essa disposição exacerbada de
síndrome da onipotência. “Por mais energia que você tenha, é difícil manter um
planejamento ao longo do dia do trabalho”, afirma.
Energia demais pode mascarar problemas
“Algumas pessoas são de fato comprometidas e não possuem uma equipe que pode
ajudá-las nas tarefas e, por isso, tomam para si muitas responsabilidades.
Outras absorvem tarefas por insegurança”, avalia Sâmia. Ela acredita que, nos
casos em que o profissional é inseguro, é possível detectar ainda um perfil
centralizador. “Algumas pessoas querem estar por dentro de tudo o que acontece,
porque querem ser indispensáveis”.
Sâmia explica que esse profissional, além de centralizador, é extremamente
competitivo. Nesse caso, a competitividade não é saudável, porque esconde uma
necessidade de o profissional mostrar à empresa que pode executar tarefas que,
muitas vezes, não consegue, para mostrar que é competente - o que pode não dar
certo.
Além de lotar a própria mesa de tarefas, essas pessoas não as repassam para
outros membros da equipe. “Isso não é bom, porque as pessoas não conseguem
cumprir as tarefas”, afirma a psicóloga. E, nesse cenário, até a empresa pode
sair perdendo. “Se essa pessoa sai da equipe, ela acaba levando todo o
conhecimento com ela e a empresa vai demorar para conseguir reverter isso”.
Um profissional com tamanha iniciativa pode se prejudicar no trabalho,
principalmente nos ambientes corporativos atuais, que já requerem profissionais
“multitarefas”, como explica Neli. “Se a rotina for fixa, essa característica
pode ser positiva, mas isso é muito difícil de acontecer hoje. Dentro do
planejado, se houver qualquer alteração, isso gera muita frustração”. Frustração
do líder, que não viu resultados, e do profissional, que não conseguiu cumprir
as tarefas.
Neli ainda ressalta que não é só insegurança que está por trás dessa
característica enérgica do funcionário. Para ela, ficar delegando tarefas para
si também pode mostrar incompetência de planejamento. “Pode ser insegurança,
medo de não agradar, mas é principalmente a falta de autopercepção, de
planejamento”, completa.
Canalizando a energia de modo saudável
Para Sâmia Simorro, também cabe aos gestores e líderes identificarem o
quanto a energia de determinado funcionário pode se tornar prejudicial. “Ele
deve direcionar essa energia de forma positiva”, afirma. A tarefa não é fácil.
Mas, para Neli, é possível. “Basta que a empresa aponte o problema para o
funcionário”.
Isso porque, segundo ela, muitas vezes esse perfil mais centralizador do
profissional "pilhado" pode não ser tão evidente para ele mesmo. “Nem sempre é
consciente. Se for, é possível identificar no momento da contratação, na
entrevista”, diz. Se não for, somente durante o desempenho do profissional é que
essa característica ficará mais evidente, até para ele.
Para fazer essa identificação, o líder precisa ter um olho clínico e muita
experiência com a equipe. Questões práticas também ajudam. “Ele deve acompanhar
o processo de trabalho”, acredita Sâmia. Isso significa que o gestor deve
delegar as tarefas para cada subordinado e acompanhar o andamento de cada uma
delas.
Nesse processo, o líder deve verificar se o profissional executa as tarefas
pedidas ou se mesmo com elas em andamento ele toma para si mais
responsabilidades. O gestor precisa saber os motivos pelos quais esse
funcionário delegou para si mais tarefas. Como afirma a psicóloga, isso não é
simples, até porque os processos de trabalho são diferentes em cada ambiente
profissional e caberá à empresa avaliar caso por caso. “Para conseguir fazer
isso, ele precisa saber gerenciar conflitos e mediar cada caso”, avalia Sâmia.
Ultrapassando barreiras profissionais
Para o profissional que se considera “pilhado”, as consequências de uma
energia acima do comum podem sair pela porta do escritório e entrar na vida
pessoal. Pessoas com muita energia, mas que não chegam a ser hiperativas, podem
ter problemas em seus relacionamentos interpessoais e até de saúde.
A psicóloga explica que, como elas são muito ansiosas, chegam a ter problemas
de sono e concentração – o que prejudica ainda mais a carreira, como em um
círculo vicioso. “Esse profissional nunca relaxa, está sempre tenso”, diz Sâmia.
Além disso, ela acredita que, como são centralizadoras, essas pessoas podem
não dar espaço para o outro existir, dificultando ainda mais o relacionamento
fora - e dentro - do ambiente de trabalho.
Aprendendo a dizer “não”
Mudar essas características não é nada simples, mas é possível. Para Neli, o
profissional deve ter ciência do seu comportamento dentro da empresa, uma vez
que existem líderes que podem não querer investir na solução do problema desse
funcionário. “Ele precisa olhar o ambiente de trabalho e perceber qual é o
acúmulo de tarefas que ele tem”, aconselha Neli.
Fazer um planejamento com base nessa análise é fundamental. Aprender a dizer
“não” também. Para Neli, se um profissional tem uma lista de tarefas a ser
executada, ele deve cumpri-la e, na medida do possível, recusar mais
responsabilidades até que as anteriores estejam totalmente resolvidas. “Dizer
'não' é uma questão de consciência”, diz, explicando que, ao delegar para outros
membros da equipe tarefas que ele sabe que não conseguirá cumprir, o
profissional passa ao seu gestor a percepção de segurança, de organização e até
de liderança.
“Essas pessoas precisam exercitar o equilíbrio emocional”, acredita Sâmia.
Para a psicóloga, elas precisam entender que tomar para si tarefas e mais
tarefas no trabalho não vai garantir o emprego nem vai provar que elas são
competentes. “O ideal é você fazer o que lhe cabe, da melhor forma possível”.
Adquirir mais responsabilidades, a partir daí, é uma consequência natural.