Crianças mal acabam de nascer e seus pais já estão preocupados com o seu
futuro profissional. Todas essas inquietações que passamos a ter quando adultos
são transferidas automaticamente para os rebentos: precisam aprender vários
idiomas, precisam ser líderes (essa é boa!), precisam saber ganhar dinheiro,
precisam saber falar em público, precisam ser atletas...
Os estímulos discretos (e, muitas vezes, inconscientes) que a nossa geração
recebeu quando criança são substituídos por cursos direcionados a desenvolver
competências específicas na garotada de hoje. Pela manhã, aula no colégio; à
tarde inglês, natação, algum tipo de reforço escolar, mandarim e mais alguma
atividade se houver uma brechinha de tempo; à noite - sem descanso,
preguiçoso! -, preparar as atividades da escola para o dia seguinte. É a
educação espartana dos tempos modernos.
Ninguém sabe se isso dará certo mais na frente. Trata-se de uma paranóia
recente, e nenhuma das cobaias chegou ainda à idade adulta. O que se pode
comprovar, até o momento, é que os resultados não são muito positivos: mau
humor, crianças competitivas e pouco sociáveis, infância reduzida e o surgimento
de uma espécie de mini-adultos estressados e ansiosos. Sem tempo para brincar,
abstrair e divagar, essas crianças não chegam a descobrir seus verdadeiros
talentos. E, de tanto se ocupar com diversas atividades, acabam não se tornando
bons em nenhuma delas. Outra consequência nefasta desse tipo de criação, e que
pode comprometer a formação do "futuro líder", é justamente a ausência de um dos
elementos fundamentais para o sucesso em qualquer profissão: a criatividade.
E, de fato, a produção de ideias é o motor que move o mundo. O sociólogo
italiano Domenico de Masi, autor do conhecido livro O Ócio Criativo, é
totalmente contrário à nossa cultura ocidental centrada na idolatria do
trabalho, do mercado e da competitividade. O autor defende um contraponto
necessário à essa cultura, privilegiando uma educação baseada na criatividade: "Educar
um jovem para a criatividade significa ajudá-lo a individualizar a sua vocação
autêntica, ensinar-lhe como escolher os parceiros certos, como encontrar ou
formar um contexto gerador de criatividade, como colocar a mente à vontade, como
alimentá-la de liberdade e como estimulá-la, até que, em colaboração com as
mentes dos seus colegas, dê à luz a ideia certa. Significa, acima de tudo,
educá-los para não temer o fluir incessante das inovações", afirma De Masi.
Outro dia, pesquisando a futura escola dos nossos filhos, eu e minha esposa nos
deparamos com alguns absurdos educacionais inconcebíveis. Uma das escolas
estampava o slogan "Nós preparamos seu filho para o vestibular".
Vestibular? Como assim? Sim, nessa escola, a preocupação com o vestibular começa
cedo, assim que termina a alfabetização. Outro colégio estabelecia um ranking
dos alunos de acordo com as suas notas. Imaginem como se sentem o primeiro e o
último dessa classificação: enquanto um se acha "o cara", o outro se sente o
último dos mortais... Essas escolas poderiam mudar o seu slogan para algo do
tipo: "Nós formamos os idiotas do futuro".
Como pai de primeira viagem (e embarcando na segunda!), também nutro certas
preocupações com o futuro dos pimpolhos. Sei que devemos estimular nossos filhos
a se desenvolverem plenamente para que, ao chegarem na idade adulta, tenham um
determinado número de competências que os permita enfrentar as agruras da vida
com segurança. Por outro lado, sou totalmente contrário à imposição de uma
rotina estressante de atividades e, o pior, tolher o direito de nossos filhos de
aproveitar a sua própria infância - certamente, a melhor fase da vida, e também
a mais curta.
Há alguns anos, muito antes de sonhar em ser pai, fiquei bastante encantado com
uma passagem de um dos livros de Howard Gardner, o criador da Teoria das
Inteligências Múltiplas, mais do que adequada para finalizar essa breve
reflexão:
"Quero que meus filhos entendam o mundo, mas não apenas porque o mundo é
fascinante e a mente humana curiosa. Quero que eles compreendam o mundo para
fazer dele um lugar melhor."
E o seu filho, o que vai ser quando crescer?