Despertei para este assunto quando certa vez o diretor-presidente de uma
grande empresa me procurou no hotel onde estava hospedado e me convidou para um
jantar. Mas, como não poderia, agradeci o convite. O referido diretor insistiu
tanto que fui obrigado, ainda que constrangido, a desmarcar outro compromisso já
assumido anteriormente.
Chamou-me a atenção, o fato de um dirigente naquela posição não ter alguém
para acompanhá-lo ao jantar. De repente, vi-me diante de um exe¬cutivo alegre,
pois acabara de realizar um vantajoso investimento e, ao mesmo tempo, frustrado
por não ter com quem comemorar o sucesso no fechamento do negócio. Lembro-me que
batemos um longo papo sobre a solidão.
A partir daquela noite, comecei a observar o mesmo fenômeno em presidentes,
diretores e superintendentes de outras organizações. Passei a denominar esse
fato como síndrome da solidão do poder. Desde então, fiquei
sensível ao tema e passei a observar, atentamente, o problema da desumanização
do poder.
Percebo que os profissionais no poder tendem a se isolar, pouco a pouco,
perdendo o contato mais íntimo com as pessoas de sua lida diária. Esse
isolamento, como os processos descritos acima, leva-as a sentimentos de solidão.
Tenho discutido esse assunto com vários dirigentes empresariais e muitos se
queixam desta dificuldade. Eles reclamam da falta de um diálogo mais pessoal em
momentos de tensão e sentem um desgaste maior por esta falta de apoio
afetivo-emocional.
De modo geral, a dinâmica das orga¬nizações vai, gradualmente, causando este
sentimento nos dirigentes, que começam a se isolar: almoçar sozinhos; conversar
pouco com as pessoas; e ter sempre um lugar separado dos demais membros da
organização; entre outros.
As pessoas passam a ter um relacio¬namento cada vez mais formal com estes
executivos. Passam a dizer apenas aquilo que eles querem ouvir, não falam de
seus sentimen¬tos pessoais, fazem elogios aos diretores e evitam fazer críticas
ou sugestões que possam pro¬vocar reações negativas. Muitas pessoas evitam, fora
da rotina diária, aproximar-se deles, pois temem serem vistas como bajuladoras e
pro¬curam não ter qualquer aproximação que não tenha restrita relação com o
trabalho.
Conversando com dirigentes, constatei que uma série de problemas humanos não
encontra espaço para ser comentada no dia-a-dia: dificuldades nas relações
conjugais e familiares, afetivas e sexuais. Disfunções emocionais, como medos,
angústias e dificuldades na definição de projetos existenciais são assuntos que
encontram pouca ressonância entre os pares nas relações de poder. Quando esses
assuntos são tratados, os interlocutores procuram não emitir opiniões e pouco ou
nenhum feedback é dado aos executivos. Parece que as pessoas em
posições hierárquicas mais elevadas não têm o direito de ter problemas.
Muitas vezes, convido ou sou convidado por diretores para almoço de negócios
e a conversa se transforma em confidências, desabafos e em troca de opiniões
sobre esses assuntos reprimidos. Nesses momentos, sempre tenho surpresas
bastante agradáveis: descubro artistas com as mais variadas vocações; avós
carinhosos; jardineiros; mestres-cucas; pessoas habilidosas em trabalhos
manuais; enfim, indicadores de uma série de sensibilidades desconhecidas. No
entanto, essas pessoas são tidas, no cotidiano, como frias, tiranas, distantes,
"estopins curtos", entre outros.
Estou convicto de que grandes dirigentes são pessoas sensíveis e versáteis,
mas que, muitas vezes, são vistos apenas pelo ângulo profissional e, com o
tempo, perdem a sensibilidade no relacionamento e se distanciam no trato diário
com seus subordinados.
São necessários muitos aborrecimentos, acidentes de trânsito ou uma doença
grave para se conscientizarem da importância das pessoas em nosso dia-a-dia. Em
várias oportunidades, constatei o quanto uma tragédia é necessária para terem a
noção da pouca atenção dedicada às pessoas que cercam alguns executivos. Em
certa ocasião, vi um dirigente emocionado falar com seu sócio do assunto
mencionado: "Compadre, vamos precisar de uma doença para nos lembrar o
quanto fomos e ainda somos amigos?".
Sempre sugiro aos órgãos de RH criarem instantes que permitam encontros
informais dos diretores com suas equipes, procurando superar essas dificuldades
inerentes ao exercício do poder. Gosto de falar que chefe também é gente e
também precisa de instantes de intimidade.