Quando olhei a hora que comecei a escrever esse artigo, fiquei super feliz.
Eram 12h15, e eu nasci às 12h15; é a hora mais iluminada do dia. Espero que eu
seja iluminada nas palavras no dia de hoje. É hora de almoço, pelo menos aqui no
Brasil, e esse momento lembra fome. E aí pensei nas "fomes" que temos; de todas
as fomes as sólidas, com gosto e cores, mas também das que são invisíveis, mas
causam desnutrição e doenças tão ou mais do que as primeiras.
A minha geração tem "fome" diferente das gerações mais novas, que também são
diferentes das gerações mais velhas, mas todas têm pontos em comum: Temos fome
da verdade, da justiça, de amigos. Temos fome de respeito, de desafios, de
simplicidade. Temos fome de sermos valorizados e aceitos, mais do que aceitos,
de sermos bem-vindos nos lugares que frequentamos. Temos muitas fomes comuns,
porque são necessidades universais, eternas. Na verdade são valores éticos e são
desses valores que sentimos falta, sentimos fome.
Dizem os grandes pensadores como Leonardo Boff, Leo Buscaglia, Edgar Morin,
que a verdadeira crise dos dias de hoje é "falta de valores éticos. Falta de
celebrar o sagrado". Acabamos banalizando, minimizando e deteriorando tudo. Até
mesmo o outro e o SER humano que somos nós.
Edgar Morin, em Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro, diz que
"precisamos aprender a condição humana, compreender o ser humano". A gente se
perdeu. Em algum momento da nossa caminhada, nos perdemos. Ou, pelo menos, fomos
deixando no caminho, perdendo na beira da estrada esses valores que tanto nos
fazem bem, que tanto nos fazem falta.
É possível que você que está lendo esse artigo esteja se perguntando, mas,
por que estou lendo isto? Porque estou perdendo meu tempo em ler essas coisas
sobre ética e ser humano? Não tenho tempo para perder com o que essa pessoa
pensa a respeito desses temas. Em que ela se baseou? Onde está a fundamentação
teórica? Aqui está o problema. Estamos tão apartados de nós, do humano, que
queremos a lógica, o planejamento, os objetivos, os resultados, os gráficos, a
regra, a política, as evidências.
Esquecemos que o racional, o que tanto damos importância e que é valorizado
pelas empresas, é apenas um barquinho no mar de sentimentos que é o ser Humano.
Que no final de tudo o que decide, o que escolhe, o que determina são nossas
emoções, nossas experiências. A maior parte do nosso tempo somos emoções. E é
por elas e através delas que vamos fazendo nossas escolhas, criando, imaginando,
fantasiando, fortalecendo modelos mentais, que insistimos em acreditar que são
verdades.
Às vezes nem temos consciência de estarmos sendo guiados por eles, de tão
enraizados, tão dentro de nossas atitudes. E nem percebemos que são crenças que
herdamos; que se pensarmos um pouco, nos assustaremos com tanta bobagem, com
tantos conceitos ultrapassados.
A questão maior é que nenhuma dessas crenças, dessas verdades, estão fazendo
com que sejamos mais felizes. Que nós sejamos mais generosos conosco e com os
outros. Temos falhado muito em vários pontos nos relacionamentos. Avançamos em
muita coisa, mas estamos na "Idade da Pedra" no que diz respeito à interação.
Ainda olhamos de forma diferente para um ser humano que é da cor preta; para
quem é mais velho ou que não tenha um pedaço do corpo ou mesmo uma parte dele
que não funcione bem; para as mulheres, homossexuais e os ex-presidiários.
Muitos de nós reagimos veementemente e com verdade, mas não é bem assim. Tenho
amigas mulheres maravilhosas. Negros incríveis. Ok. Deve ser verdade. No
entanto, a reflexão é do coletivo, e não do particular.
Se observarmos no geral, vamos assustar. Quantos negros você conhece? Quantos
negros existem nos ambientes que frequentamos? Na escola? Nos bares e
restaurantes? Aqui no Brasil entre pardos e pretos somam 48% da população. Onde
se encontram? Ainda estão nos morros, onde foram se refugiar quando libertados
em 1888; nunca conseguiram descer. Se encontrarmos um negro em uma rua deserta
no início da noite, quem de nós não terá medo? Nossas crenças e atitudes ainda
são do senhor do engenho. E as mulheres, onde estão?
Outro dia estava no CONARH, e o Dr. Drauzio Varella na sua palestra
perguntava ao público: "Onde estão os homens?". Nas escolas, nas
palestras, nos cinemas, nos shows, nos teatros, nas viagens, nos museus, sempre
a maioria é mulher.
Temos quatro anos a mais de estudos do que os homens. Vinte e cinco porcento
dos lares brasileiros são chefiados por mulheres. Elas estão em todos os
segmentos do mercado e cada vez mais conquistam espaço no mundo do trabalho.
E por que são raras as mulheres presidentes de empresas, prefeitas,
vereadoras, diretoras, gerentes, em posição de comando? Por que a maioria está
na base da pirâmide? O que define a competência? Por que não conseguimos chegar
lá?
Há uma corrente dizendo que são as mulheres que não querem assumir essas
colocações. Elas abortam a missão quando percebem que estão prestes a assumir
cargos de liderança. Será? Tenho aqui minhas dúvidas. Será que não é outro
mecanismo para deixarem as mulheres de lado?
O preconceito no Brasil é invisível. Não raro colocamos a culpa no colo da
vítima. Podem perguntar para qualquer negro, que eles contarão uma história de
exclusão, e também irão contar que, quando em algumas raras vezes eles
reclamaram, o ofensor invariavelmente responde: "mas como, eu? De jeito
nenhum. É você quem está vendo isso. Eu não disse e nem tive essa intenção".
Eu estava assistindo a um vídeo feito pela Petrobras sobre a Lei Maria da
Penha, referente à violência com mulheres, que começou em 1990 com a morte de
Ângela Diniz, no qual o agressor foi em um primeiro momento inocentado, porque
alegou que a vítima não estava agindo corretamente. Depois de muitas
manifestações de Grupos de Mulheres, o processo foi desarquivado e o assassino
condenado a 15 anos de prisão. Então ele a matou porque a mesma não estava
agindo bem, e foi inocentado? Como assim? Ela foi a culpada? Ele matou e é
inocente?
Será mesmo que as mulheres não querem assumir cargos de liderança? Ou será
que não querem a liderança do jeito que ela está posta? Será que somos
respeitadas enquanto mulheres, que chora, que precisa sair mais cedo para buscar
o filho na escola?
Reinaldo Bulgarelli, em uma palestra, colocou a seguinte situação: "Se no
meio de uma reunião uma mulher disser ‘vou sair, porque tenho que buscar meu
filho na escola', é provável que seja criticada: ‘Nossa! Assim não dá. Ou é
profissional ou é mãe! Não pode misturar as duas coisas'". Por outro lado,
se um homem levantar e disser a mesma coisa, todos o admirarão. "Nossa! Que
legal. Ele ajuda sua mulher". E será admirado até pelas próprias mulheres.
Por que será? Por que eles podem e elas não?
Hoje a segregação profissional está diminuindo. Já encontramos mulheres
trabalhando como piloto de avião da Força Aérea Brasileira, azulejistas na
Construção Civil, motoristas de caminhão, policial militar e civil em
patrulhamento armado, mas a quantidade ainda é pequena. Aquelas que enfrentam os
entraves do processo seletivo e conseguem, precisam encarar humilhações,
exclusões, comentários pejorativos. A nossa educação exclusiva, que prioriza o
homem, branco, católico e casado, está tão dentro de nós que nem percebemos.
Ainda temos crenças da Idade da Pedra.
Conversei com várias selecionadoras e elas confessaram - só depois que
entendi um pouco sobre diversidade - que a cor da pele, o sexo, fazia de fato
muita diferença, na minha disposição em ouvir e no meu interesse pelo candidato.
Que a vaga, além de determinar o perfil, em relação à competência, à
escolaridade, também me levava a determinar o sexo.
As pessoas com deficiência não têm tratamento melhor. Apesar do olhar não ser
de hostilidade, de rejeição, a percepção de exclusão é tão ou mais cruel. As
pessoas sem deficiência, e até mesmo algumas com deficiência adquirida quando
adulta, foram educadas para proteger, cuidar, tutelar um deficiente, o que levou
à crença de que pessoas portadoras de necessidades especiais, por mais leve que
seja é limitada, impedida de exercer uma profissão, de fazer suas próprias
escolhas.
Sem falar na generalização dos rótulos: "todo cego ouve muito bem. Tem um
tato e um olfato acima do humano. Tem uma percepção de quando mentimos, enxergam
nossa alma", "cadeirantes não podem ter filhos, nem mesmo relações sexuais",
"todos os deficientes mentais não podem ter uma vida independente. Serão sempre
dependentes de suas famílias". "todo deficiente auditivo, sabe LIBRAS - Língua
Brasileira de Sinais".
Ninguém se interessa em saber o que aquele deficiente pode ou não fazer. É
comum esquecerem que antes de deficiente eles são "pessoas", com tudo o que isso
significa, com erros e acertos, defeitos e qualidades, preferências e desejos,
com famílias e oportunidades específica de cada um, e, portanto, enfrentam a
deficiência de formas diferentes uns dos outros, mesmo que tenham exatamente a
mesma limitação. Além de que as deficiências possuem graus de gravidade, o que
faz toda a diferença nas dificuldades do dia-a-dia.
As empresas, por conta da Lei de Cotas, abriram suas portas para a entrada
dessas pessoas, e pouco a pouco elas estão conquistando espaço corporativo,
demonstrando competência, criatividade e toda a capacidade de exercer com
excelência uma atividade profissional. Que aprendem com facilidade e que podem
contribuir com o resultado da organização, mas ainda estamos muito longe do
ideal. Ainda existe a crença de que pessoas com deficiência não estão prontas
para trabalhar, que precisam de capacitação, que não conseguirão atender às
demandas e aos resultados de uma atividade.
Em parte isso é verdade, é consequência de anos de exclusão, de falta de
oportunidades e acessibilidades às escolas, porém, com o aquecimento do mercado
de trabalho, muitos deficientes foram procurar sua capacitação e hoje a situação
mudou. São as empresas que não oferecem vagas qualificadas para uma pessoa com
deficiência.
Está mesmo se criando um paradigma de que pessoa com deficiência só pode
ocupar vagas operacionais. Tem aqui um preconceito velado. Por que um portador
de necessidades especiais não pode ocupar o cargo de gerente, diretor,
presidente ou prefeito? Nesse ponto, as dificuldades das mulheres e dos negros
se confundem com as dos deficientes.
Ter mais de 45 anos é ser considerado "velho" para o mercado de trabalho.
Quem tem essa idade ou mais, sabe que é um grande equívoco de análise. É
exatamente a partir desse período que as pessoas estão mais experientes, mais
sábias, com muito mais capacidade de conseguir resultados. A maturidade traz
para esses profissionais uma condição de trabalho, de poder de decisão, de visão
sistêmica que nenhum jovem (os menores de 45 anos) possui, por não terem tido
tempo para isso. Talvez não consigam manter o ritmo alucinado que o mundo das
empresas exige dos profissionais. E aqui também seja um exemplo a ser seguido: a
qualidade de vida, o equilíbrio entre vida profissional, familiar e pessoal, é
aconselhável para qualquer idade.
Os homossexuais, apesar de estarem se colocando e assumindo sua preferência
sexual cada vez mais, ainda sofrem discriminações, abusos, violências físicas e
morais por terem coragem de admitir suas escolhas. Também perdem vagas ou
emprego quando informam ou são descobertos. Os ex-presidiários, mesmo depois de
terem cumprido sua pena, não conseguem encontrar colocação, carinho, acolhimento
na sociedade. A sociedade não perdoa; marca uma pessoa para sempre, se esta
cometeu um engano que feriu as normas.
Existe uma regra invisível na sociedade e se alguém, em maior ou menor grau,
a infringir estará condenado para sempre. Há o padrão aceito, esperado e
acolhido; qualquer deslize é fatal. E aqui as regras são para todos, não só para
os grupos considerados diversos. Se a pessoa pesar mais do que está no
arquétipo, vai sentir-se excluída e rejeitada. Se for loira, já desconfiam de
sua inteligência. Se for baiano, não tem bom gosto e não gosta de trabalhar.
Gaúcho, provavelmente é homossexual. Canhoto, é muito inteligente. E aí
continuam os estereótipos e as descriminações.
Como diz Reinaldo Bulgarelli: "diversos somos todos nós". Quem já
não se sentiu discriminado, excluído, desprezado, humilhado em algum momento da
vida? Cada um de nós tem uma história de exclusão para contar, mas são
incomparáveis com os grupos minorizados pela sociedade.
Os negros, as mulheres, os idosos, os desempregados há mais de dois anos,
ex-presidiários, pessoas com deficiência e homossexuais, possuem com muito mais
dor e frequência, histórias de discriminação, exclusão, humilhação, que os
limitam e rotulam de forma que, não raro, esses grupos são encontrados em
situação econômica, financeira e social abaixo da linha de pobreza. Aqui vale
uma pergunta: por que será que nos presídios, nas favelas, nos bairros de baixa
renda, encontramos grande número de negros, ex-presidiários e pessoas com
deficiência?
Não acolhemos nossos irmãos. Não consideramos irmãos aqueles que estejam nas
mesmas condições financeiras ou sociais que nós. Somos seletivos, exclusivos.
Nos tempos que se avizinham, precisamos abrir nossos corações e nossas mentes,
para que as velhas crenças sejam substituídas por aquelas que farão dos anos que
se aproximam uma Nova Era, um novo tempo, onde de fato respeitaremos as
diferenças, onde a cor da pele, o sexo, a preferência sexual, não sejam motivos
para separações. Que a atitude da inclusão não seja de alguns sonhadores, mas de
toda a sociedade.