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Carreira / Emprego - Conviver com a diferença 

Data: 08/09/2009

 
 

Quando olhei a hora que comecei a escrever esse artigo, fiquei super feliz. Eram 12h15, e eu nasci às 12h15; é a hora mais iluminada do dia. Espero que eu seja iluminada nas palavras no dia de hoje. É hora de almoço, pelo menos aqui no Brasil, e esse momento lembra fome. E aí pensei nas "fomes" que temos; de todas as fomes as sólidas, com gosto e cores, mas também das que são invisíveis, mas causam desnutrição e doenças tão ou mais do que as primeiras.

A minha geração tem "fome" diferente das gerações mais novas, que também são diferentes das gerações mais velhas, mas todas têm pontos em comum: Temos fome da verdade, da justiça, de amigos. Temos fome de respeito, de desafios, de simplicidade. Temos fome de sermos valorizados e aceitos, mais do que aceitos, de sermos bem-vindos nos lugares que frequentamos. Temos muitas fomes comuns, porque são necessidades universais, eternas. Na verdade são valores éticos e são desses valores que sentimos falta, sentimos fome.

Dizem os grandes pensadores como Leonardo Boff, Leo Buscaglia, Edgar Morin, que a verdadeira crise dos dias de hoje é "falta de valores éticos. Falta de celebrar o sagrado". Acabamos banalizando, minimizando e deteriorando tudo. Até mesmo o outro e o SER humano que somos nós.

Edgar Morin, em Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro, diz que "precisamos aprender a condição humana, compreender o ser humano". A gente se perdeu. Em algum momento da nossa caminhada, nos perdemos. Ou, pelo menos, fomos deixando no caminho, perdendo na beira da estrada esses valores que tanto nos fazem bem, que tanto nos fazem falta.

É possível que você que está lendo esse artigo esteja se perguntando, mas, por que estou lendo isto? Porque estou perdendo meu tempo em ler essas coisas sobre ética e ser humano? Não tenho tempo para perder com o que essa pessoa pensa a respeito desses temas. Em que ela se baseou? Onde está a fundamentação teórica? Aqui está o problema. Estamos tão apartados de nós, do humano, que queremos a lógica, o planejamento, os objetivos, os resultados, os gráficos, a regra, a política, as evidências.

Esquecemos que o racional, o que tanto damos importância e que é valorizado pelas empresas, é apenas um barquinho no mar de sentimentos que é o ser Humano. Que no final de tudo o que decide, o que escolhe, o que determina são nossas emoções, nossas experiências. A maior parte do nosso tempo somos emoções. E é por elas e através delas que vamos fazendo nossas escolhas, criando, imaginando, fantasiando, fortalecendo modelos mentais, que insistimos em acreditar que são verdades.

Às vezes nem temos consciência de estarmos sendo guiados por eles, de tão enraizados, tão dentro de nossas atitudes. E nem percebemos que são crenças que herdamos; que se pensarmos um pouco, nos assustaremos com tanta bobagem, com tantos conceitos ultrapassados.

A questão maior é que nenhuma dessas crenças, dessas verdades, estão fazendo com que sejamos mais felizes. Que nós sejamos mais generosos conosco e com os outros. Temos falhado muito em vários pontos nos relacionamentos. Avançamos em muita coisa, mas estamos na "Idade da Pedra" no que diz respeito à interação.

Ainda olhamos de forma diferente para um ser humano que é da cor preta; para quem é mais velho ou que não tenha um pedaço do corpo ou mesmo uma parte dele que não funcione bem; para as mulheres, homossexuais e os ex-presidiários. Muitos de nós reagimos veementemente e com verdade, mas não é bem assim. Tenho amigas mulheres maravilhosas. Negros incríveis. Ok. Deve ser verdade. No entanto, a reflexão é do coletivo, e não do particular.

Se observarmos no geral, vamos assustar. Quantos negros você conhece? Quantos negros existem nos ambientes que frequentamos? Na escola? Nos bares e restaurantes? Aqui no Brasil entre pardos e pretos somam 48% da população. Onde se encontram? Ainda estão nos morros, onde foram se refugiar quando libertados em 1888; nunca conseguiram descer. Se encontrarmos um negro em uma rua deserta no início da noite, quem de nós não terá medo? Nossas crenças e atitudes ainda são do senhor do engenho. E as mulheres, onde estão?

Outro dia estava no CONARH, e o Dr. Drauzio Varella na sua palestra perguntava ao público: "Onde estão os homens?". Nas escolas, nas palestras, nos cinemas, nos shows, nos teatros, nas viagens, nos museus, sempre a maioria é mulher.

Temos quatro anos a mais de estudos do que os homens. Vinte e cinco porcento dos lares brasileiros são chefiados por mulheres. Elas estão em todos os segmentos do mercado e cada vez mais conquistam espaço no mundo do trabalho.

E por que são raras as mulheres presidentes de empresas, prefeitas, vereadoras, diretoras, gerentes, em posição de comando? Por que a maioria está na base da pirâmide? O que define a competência? Por que não conseguimos chegar lá?

Há uma corrente dizendo que são as mulheres que não querem assumir essas colocações. Elas abortam a missão quando percebem que estão prestes a assumir cargos de liderança. Será? Tenho aqui minhas dúvidas. Será que não é outro mecanismo para deixarem as mulheres de lado?

O preconceito no Brasil é invisível. Não raro colocamos a culpa no colo da vítima. Podem perguntar para qualquer negro, que eles contarão uma história de exclusão, e também irão contar que, quando em algumas raras vezes eles reclamaram, o ofensor invariavelmente responde: "mas como, eu? De jeito nenhum. É você quem está vendo isso. Eu não disse e nem tive essa intenção".

Eu estava assistindo a um vídeo feito pela Petrobras sobre a Lei Maria da Penha, referente à violência com mulheres, que começou em 1990 com a morte de Ângela Diniz, no qual o agressor foi em um primeiro momento inocentado, porque alegou que a vítima não estava agindo corretamente. Depois de muitas manifestações de Grupos de Mulheres, o processo foi desarquivado e o assassino condenado a 15 anos de prisão. Então ele a matou porque a mesma não estava agindo bem, e foi inocentado? Como assim? Ela foi a culpada? Ele matou e é inocente?

Será mesmo que as mulheres não querem assumir cargos de liderança? Ou será que não querem a liderança do jeito que ela está posta? Será que somos respeitadas enquanto mulheres, que chora, que precisa sair mais cedo para buscar o filho na escola?

Reinaldo Bulgarelli, em uma palestra, colocou a seguinte situação: "Se no meio de uma reunião uma mulher disser ‘vou sair, porque tenho que buscar meu filho na escola', é provável que seja criticada: ‘Nossa! Assim não dá. Ou é profissional ou é mãe! Não pode misturar as duas coisas'". Por outro lado, se um homem levantar e disser a mesma coisa, todos o admirarão. "Nossa! Que legal. Ele ajuda sua mulher". E será admirado até pelas próprias mulheres. Por que será? Por que eles podem e elas não?

Hoje a segregação profissional está diminuindo. Já encontramos mulheres trabalhando como piloto de avião da Força Aérea Brasileira, azulejistas na Construção Civil, motoristas de caminhão, policial militar e civil em patrulhamento armado, mas a quantidade ainda é pequena. Aquelas que enfrentam os entraves do processo seletivo e conseguem, precisam encarar humilhações, exclusões, comentários pejorativos. A nossa educação exclusiva, que prioriza o homem, branco, católico e casado, está tão dentro de nós que nem percebemos. Ainda temos crenças da Idade da Pedra.

Conversei com várias selecionadoras e elas confessaram - só depois que entendi um pouco sobre diversidade - que a cor da pele, o sexo, fazia de fato muita diferença, na minha disposição em ouvir e no meu interesse pelo candidato. Que a vaga, além de determinar o perfil, em relação à competência, à escolaridade, também me levava a determinar o sexo.

As pessoas com deficiência não têm tratamento melhor. Apesar do olhar não ser de hostilidade, de rejeição, a percepção de exclusão é tão ou mais cruel. As pessoas sem deficiência, e até mesmo algumas com deficiência adquirida quando adulta, foram educadas para proteger, cuidar, tutelar um deficiente, o que levou à crença de que pessoas portadoras de necessidades especiais, por mais leve que seja é limitada, impedida de exercer uma profissão, de fazer suas próprias escolhas.

Sem falar na generalização dos rótulos: "todo cego ouve muito bem. Tem um tato e um olfato acima do humano. Tem uma percepção de quando mentimos, enxergam nossa alma", "cadeirantes não podem ter filhos, nem mesmo relações sexuais", "todos os deficientes mentais não podem ter uma vida independente. Serão sempre dependentes de suas famílias". "todo deficiente auditivo, sabe LIBRAS - Língua Brasileira de Sinais".

Ninguém se interessa em saber o que aquele deficiente pode ou não fazer. É comum esquecerem que antes de deficiente eles são "pessoas", com tudo o que isso significa, com erros e acertos, defeitos e qualidades, preferências e desejos, com famílias e oportunidades específica de cada um, e, portanto, enfrentam a deficiência de formas diferentes uns dos outros, mesmo que tenham exatamente a mesma limitação. Além de que as deficiências possuem graus de gravidade, o que faz toda a diferença nas dificuldades do dia-a-dia.

As empresas, por conta da Lei de Cotas, abriram suas portas para a entrada dessas pessoas, e pouco a pouco elas estão conquistando espaço corporativo, demonstrando competência, criatividade e toda a capacidade de exercer com excelência uma atividade profissional. Que aprendem com facilidade e que podem contribuir com o resultado da organização, mas ainda estamos muito longe do ideal. Ainda existe a crença de que pessoas com deficiência não estão prontas para trabalhar, que precisam de capacitação, que não conseguirão atender às demandas e aos resultados de uma atividade.

Em parte isso é verdade, é consequência de anos de exclusão, de falta de oportunidades e acessibilidades às escolas, porém, com o aquecimento do mercado de trabalho, muitos deficientes foram procurar sua capacitação e hoje a situação mudou. São as empresas que não oferecem vagas qualificadas para uma pessoa com deficiência.

Está mesmo se criando um paradigma de que pessoa com deficiência só pode ocupar vagas operacionais. Tem aqui um preconceito velado. Por que um portador de necessidades especiais não pode ocupar o cargo de gerente, diretor, presidente ou prefeito? Nesse ponto, as dificuldades das mulheres e dos negros se confundem com as dos deficientes.

Ter mais de 45 anos é ser considerado "velho" para o mercado de trabalho. Quem tem essa idade ou mais, sabe que é um grande equívoco de análise. É exatamente a partir desse período que as pessoas estão mais experientes, mais sábias, com muito mais capacidade de conseguir resultados. A maturidade traz para esses profissionais uma condição de trabalho, de poder de decisão, de visão sistêmica que nenhum jovem (os menores de 45 anos) possui, por não terem tido tempo para isso. Talvez não consigam manter o ritmo alucinado que o mundo das empresas exige dos profissionais. E aqui também seja um exemplo a ser seguido: a qualidade de vida, o equilíbrio entre vida profissional, familiar e pessoal, é aconselhável para qualquer idade.

Os homossexuais, apesar de estarem se colocando e assumindo sua preferência sexual cada vez mais, ainda sofrem discriminações, abusos, violências físicas e morais por terem coragem de admitir suas escolhas. Também perdem vagas ou emprego quando informam ou são descobertos. Os ex-presidiários, mesmo depois de terem cumprido sua pena, não conseguem encontrar colocação, carinho, acolhimento na sociedade. A sociedade não perdoa; marca uma pessoa para sempre, se esta cometeu um engano que feriu as normas.

Existe uma regra invisível na sociedade e se alguém, em maior ou menor grau, a infringir estará condenado para sempre. Há o padrão aceito, esperado e acolhido; qualquer deslize é fatal. E aqui as regras são para todos, não só para os grupos considerados diversos. Se a pessoa pesar mais do que está no arquétipo, vai sentir-se excluída e rejeitada. Se for loira, já desconfiam de sua inteligência. Se for baiano, não tem bom gosto e não gosta de trabalhar. Gaúcho, provavelmente é homossexual. Canhoto, é muito inteligente. E aí continuam os estereótipos e as descriminações.

Como diz Reinaldo Bulgarelli: "diversos somos todos nós". Quem já não se sentiu discriminado, excluído, desprezado, humilhado em algum momento da vida? Cada um de nós tem uma história de exclusão para contar, mas são incomparáveis com os grupos minorizados pela sociedade.

Os negros, as mulheres, os idosos, os desempregados há mais de dois anos, ex-presidiários, pessoas com deficiência e homossexuais, possuem com muito mais dor e frequência, histórias de discriminação, exclusão, humilhação, que os limitam e rotulam de forma que, não raro, esses grupos são encontrados em situação econômica, financeira e social abaixo da linha de pobreza. Aqui vale uma pergunta: por que será que nos presídios, nas favelas, nos bairros de baixa renda, encontramos grande número de negros, ex-presidiários e pessoas com deficiência?

Não acolhemos nossos irmãos. Não consideramos irmãos aqueles que estejam nas mesmas condições financeiras ou sociais que nós. Somos seletivos, exclusivos. Nos tempos que se avizinham, precisamos abrir nossos corações e nossas mentes, para que as velhas crenças sejam substituídas por aquelas que farão dos anos que se aproximam uma Nova Era, um novo tempo, onde de fato respeitaremos as diferenças, onde a cor da pele, o sexo, a preferência sexual, não sejam motivos para separações. Que a atitude da inclusão não seja de alguns sonhadores, mas de toda a sociedade.



 
Referência: RH.com.br
Autor: Deise Fernandes
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