Quase que simultaneamente os dirigentes "perdem" a capacidade de audição e
desenvolvem o que eu costumo chamar de "surdez psíquica". Demonstram onipotência
intelectual, que é o considerado "ouvido de mercador": só prestam atenção
naquilo que os interessa no momento. Esse fato desagrada profundamente seus
pares por não serem ouvidos em suas opiniões.
Lembro-me de dois dirigentes com quem trabalhei muitos anos, pois sempre tive
bom diálogo com ambos. Depois da escalada no poder tudo mudou e passei a me
sentir obrigado a comportar-me como mal educado, interrompendo-os
sistematicamente nas nossas discussões, pois, caso contrário, não conseguiria
transmitir minha opinião sobre os assuntos em pauta. E assisti ao mesmo processo
de desenvolvimento da "surdez psíquica" em vários empresários.
Um executivo de uma empresa estatal, certa vez, chamou-me para uma reunião
que durou quase duas horas. Nessa reunião, embora tivesse sido chamado para dar
minha opinião sobre determinado assunto, não consegui falar mais que uns poucos
minutos. Esse personagem era famoso por não deixar as pessoas falarem e por sua
mania de "dar aulas" sobre todo e qualquer assunto.
Com o tempo, os executivos deixam de saber ouvir e passam a falar quase que
sozinhos 80% do tempo das reuniões. Por causa desses episódios, a equipe fala
pouco e ouve muito a opinião desses dirigen¬tes, omitindo seus comentários com
os gestores. As eventuais observações são feitas, posteriormente, em "off"
ou no nível informal, e muitas possíveis contribuições em potencial se perdem
nos corredores das empresas.
Um dos aspectos que mais impressionam nas mudanças de caráter das pessoas no
poder é o aumento exagerado da sua autoestima. Penso que, de tanto serem
elogiados e bajulados por seus pares em suas naturais vaidades pessoais, as
pessoas no poder acabam se comportando como se fossem donos da verdade.
Conheci vários dirigentes empresariais que, quando jovens, eram simples e
sensíveis ao diálogo; uma vez que ascenderam ao poder, passaram a se comportar
como possuidores da verdade em todos os assuntos. É como se o poder fosse uma
espécie de vestibular para Deus. Ao se chegar ao topo, comportam-se como deuses
e passam a conhecer todos os assuntos. Sobre temas bem diversos, têm sempre a
melhor decisão para todos os problemas da organização.
Uma das maneiras preconceituosas que muitos dirigentes desenvolvem nesse
processo para demonstrar poder é manter distância das pessoas que os cercam.
Esta técnica é muito usada por militares, magistrados, políticos fora do período
eleitoral para mostrarem que são poderosos. Muitos dirigentes criam, via
secretárias, assistentes ou outros mecanismos, algumas barreiras para se chegar
até eles. Não estou denunciando pessoas organizadas e sim as pessoas
autoritárias que recebem mal as pessoas nas empresas e que se transformam na
escalada ao poder.
A distância dos dirigentes, de certa forma, está baseada em falsas premissas
quanto ao exercício do poder. Tradicionalmente, acredita-se que os executivos
devem manter distância de seus funcionários para não correrem o risco de
perderem o comando. Durante décadas, os dirigentes permaneceram enclausurados em
suas "torres de marfim", procurando resguardar a autoridade. O conceito de
autoridade formal definida pela lei e ao qual se deveria obediência cega é um
conceito medieval e totalmente abandonado por gerentes eficazes, mas ainda é
muito usado por pessoas que não gostam de opiniões divergentes.
Com essas práticas de distanciamento, os dirigentes perdem a visão real da
empresa, pois certas informações passam a serem filtradas e os funcionários
ficam com medo de desagradar ao "personagem mitológico". Esses executivos vivem
a ilusão de que ainda conhecem seu ambiente organizacional como antigamente e
esquecem que tudo muda e que nem sempre percebemos as mudanças.