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Carreira / Emprego - A desesperada corrida pelo talento 

Data: 22/12/2008

 
 

No final da tarde de 30 de maio de 2006, um grupo de executivos da Embraer acompanhava, tenso, uma ousada investida de sua maior concorrente, a americana Gulfstream, líder mundial no mercado de jatos executivos. Daquela vez, não havia clientes globais envolvidos. O plano de ataque da Gulfstream tinha como alvo um grupo de 40 dos mais importantes engenheiros da Embraer. Para chegar até eles, a empresa americana decidira publicar um anúncio em inglês no jornal Vale Paraibano, com circulação na região de São José dos Campos, no interior de São Paulo -- cidade onde está instalada a sede da Embraer. Naquela tarde, representantes da Gulfstream realizavam na sala de convenções do Novotel seu primeiro encontro com os engenheiros brasileiros. O objetivo era apresentar os pacotes de salários e benefícios e as condições de trabalho que seriam oferecidos aos profissionais selecionados. Enquanto os estrangeiros tentavam seduzir os especialistas brasileiros, o time da Embraer, formado por representantes das áreas jurídica e de recursos humanos, finalizava uma estratégia para tentar evitar a debandada de uma parcela expressiva de seus profissionais mais qualificados. A saída encontrada teve lances policialescos -- e um tanto quanto polêmicos. Com base numa brecha legal, a Embraer conseguiu que um oficial de Justiça interrompesse a reunião no hotel. No dia seguinte, os engenheiros da companhia brasileira tiveram de voltar ao trabalho como se nada tivesse acontecido. "Nenhuma empresa estrangeira pode iniciar um processo de seleção no país sem uma autorização oficial do Ministério do Trabalho, e a Gulfstream não tinha essa autorização", diz Júlio Franco, vice-presidente de desenvolvimento de negócios e pessoas da Embraer. "O movimento da concorrente representou o risco de um desfalque perigoso para o andamento da companhia, num momento em que estamos expandindo nossos negócios." A disputa entre as duas empresas continua na Justiça -- e por ora a Embraer tem uma proteção judicial que impede a Gulfstream de voltar a sondar seus funcionários em território brasileiro, sob pena de uma multa de 2 milhões de reais diários caso ignore a determinação.

A disputa entre a Embraer e a Gulfstream por esse grupo de 40 engenheiros ilustra um fenômeno recente que cada vez mais desafia empresas -- e países -- de todo o mundo: a busca e a manutenção dos melhores talentos. A percepção de que os melhores profissionais são vitais para a prosperidade dos negócios não é exatamente nova. Mas a realidade que agora se impõe soa assustadora. As empresas não apenas precisam desesperadamente dos profissionais mais brilhantes -- aqueles capazes de inovar e criar valor com essas inovações -- como necessitam de um número cada vez maior deles. Seria tudo mais fácil se talentos fossem artigos abundantes. Mas, além de raros, muitas vezes eles estão escondidos em lugares que as empresas simplesmente desconhecem. Em vez de estar sentados nos bancos dos cursos de MBA, os talentos de que as companhias necessitam hoje podem estar num laboratório de pesquisa na Rússia, numa fazenda no interior da Argentina, numa universidade americana ou numa fábrica de aviões no interior do Brasil. A guerra dos talentos, prevista num clássico estudo da consultoria McKinsey no final da década de 90, atinge agora seu ápice com o aprofundamento da globalização e o crescimento acelerado da economia mundial. O mercado de talentos também vem sendo inflacionado com o avanço da tecnologia e a necessidade cada vez maior de inovação, pontos que exigem profissionais com novas habilidades. Hoje, há demanda por programadores de computador na Índia, engenheiros aeronáuticos nos Estados Unidos, radiologistas na Europa, especialistas em financeiras no Brasil. Não há tantos bons profissionais disponíveis para todas as grandes empresas -- e, para piorar, muitos deles, graças aos computadores, celulares e blackberries, vêm trocando a vida nas empresas pelo trabalhado solo. Em seu livro O Mundo É Plano, o jornalista americano Thomas Friedman mostra um exemplo real do que é essa nova era. Ele atende pelo nome de Ken Green, é americano e dono de uma empresa especializada em produzir vinhetas para comerciais de televisão. Green vive atormentado porque ganhou inúmeros novos concorrentes, os freelancers -- profissionais que trabalham em casa por opção e que podem fazer as mesmas coisas que são produzidas numa grande empresa graças ao acesso à tecnologia.

Trata-se de uma mudança fantástica e angustiante. Nunca houve tamanho equilíbrio de forças entre as corporações e os profissionais que nelas trabalham. O que essa nova geração de trabalhadores conectados e globalizados deseja? Onde e como as empresas podem encontrá-los -- já que eles estão dispersos pelo planeta e não mais concentrados em meia dúzia de universidades americanas e européias de primeira linha? Como retê-los? Uma pesquisa recente realizada pela consultoria americana Manpower com 32 000 empresas em 19 países mostra que, em média, 30% delas teriam contratado mais gente nos seis meses anteriores à enquete se tivessem encontrado profissionais qualificados. Em países como Estados Unidos e Japão, a situação é ainda mais dramática, e praticamente metade das companhias -- 45% delas -- tinha vagas disponíveis por absoluta falta de gente capaz de ocupá-las. Há previsões de que a escassez aumente nos próximos anos, à medida que a geração atual de profissionais com uma carreira já estabelecida comece a sair de cena. Estudos da consultoria Deloitte indicam que o número de executivos que vão se aposentar nos próximos anos é gigantesco -- no setor automotivo, por exemplo, 40% dos gestores que estavam na ativa em todo o mundo no início desta década terão se aposentado até 2008. Além disso, o fortalecimento de economias como a China exige que milhares de novos profissionais sejam despejados no mercado a cada ano. Estimativas da McKinsey mostram que em, 2005, a China contava com um número máximo de 5 000 executivos de primeira linha. Até 2020, serão necessários pelo menos 75 000.

A própria McKinsey teve de se adaptar aos novos tempos. Apesar de ser uma das primeiras escolhas para jovens talentos do mundo todo, a consultoria hoje enfrenta a concorrência de competidores relativamente novos, como os fundos de hedge e as empresas de private equity. Com o dinheiro farto que circula pelo mundo, o mercado financeiro torna-se cada vez mais atraente. Para tentar driblar a rarefação de cérebros, a McKinsey decidiu incluir outro tipo de alvo em seu radar de contratação: cientistas. "Hoje, 20% dos 150 consultores do escritório brasileiro são Ph.D.", afirma o brasileiro Vijay Gosula, ele próprio um Ph.D. em física e um dos 15 sócios da McKinsey responsáveis por programas de atração e retenção de talentos em todo o mundo. Recentemente, a consultoria também teve de rever sua política de plano de carreira. Até pouco tempo atrás, qualquer jovem analista recém-contratado obedecia ao seguinte roteiro: dois anos na consultoria, um ano em outra empresa (normalmente cliente da McKinsey) e depois um MBA. "Os jovens que chegam agora têm outras necessidades", diz Gosula. O mineiro Igor Xavier Correia Lima é um representante típico dessa nova geração. Aos 25 anos de idade, engenheiro mecânico formado pelo ITA, ele está afastado da McKinsey desde maio passado, depois de ficar dois anos na empresa. Lima decidiu trabalhar durante um ano no Colégio 7 de Setembro, escola tradicional de Fortaleza, no Ceará. "É uma experiência diferente, que vai contribuir para minha formação", diz ele. A McKinsey mantém contato regular com Lima e já avisou que irá bancar seu curso de MBA no exterior assim que ele terminar a temporada no Nordeste. "A empresa está fazendo todo o investimento possível para que depois eu volte para lá", diz Lima.

A queda das barreiras geográficas na concorrência por profissionais qualificados fica evidente num dos setores mais aquecidos mundialmente -- o de serviços terceirizados de tecnologia. Tome o exemplo da Procwork, uma das maiores consultorias de tecnologia brasileiras, com faturamento de 350 milhões de reais em 2006. Em meados do ano passado, o carioca Luiz Carlos Felippe, fundador e presidente da Procwork, perdeu dez de seus analistas para uma concorrente canadense que nem sequer atua no Brasil. "Foi a primeira vez que ouvi falar na tal empresa", diz Felippe. A busca por novos profissionais nessa área é tão grande que empresas como a TCS, braço de tecnologia do grupo indiano Tata, chegam a contratar engenheiros antes mesmo que eles se formem -- não como estagiários, como é praxe em todas as grandes companhias, e sim como funcionários. No ano passado, a subsidiária brasileira da TCS, uma associação da Tata com a brasileira TBA, contratou 165 funcionários que ainda estavam na universidade. Outros 150 começaram como contratados no dia 2 de janeiro deste ano. "Foi a saída que encontramos. Hoje, só não crescemos mais porque falta gente", diz Joaquim Rocha, diretor de recursos humanos da TCS. A carência de gente qualificada em TI ameaça inclusive a Índia, que até pouco tempo atrás era vista como uma fonte quase inesgotável de programadores de software. Como apenas uma parcela de 10% da população jovem tem acesso a universidades, o país não está conseguindo formar novos profissionais no ritmo que o mercado exige. Analistas fazem previsões de que até 2010 mais de 500 000 vagas estarão abertas em todo o mundo na área de terceirização de TI -- e não haverá gente qualificada para ocupá-las. Um dos efeitos mais imediatos dessa insuficiência é a inflação dos salários. Na Índia, os salários dos recém-formados aumentaram até 15% recentemente -- o que, no longo prazo, pode significar diminuição da competitividade global das empresas indianas.

Não apenas as companhias estão sendo obrigadas a reajustar os salários como cada vez mais precisam atrelar a remuneração de seu pessoal a incentivos de longo prazo, como plano de ações. "A relação entre empresas e funcionários hoje está cada vez mais apoiada em entrega e premiação de resultado", diz Marcelo Ferrari, diretor da consultoria especializada em recursos humanos Mercer. "Uma das manei ras de manter os melhores é aumentar a parcela de bônus de longo prazo." Um levantamento da consultoria mostra que, hoje, 55% das grandes empresas instaladas no Brasil oferecem recompensa de longo prazo para o nível de presidência. Há uma década eram apenas 35%. O tamanho da recompensa também aumentou de quatro para seis salários anuais, em média, para esse nível hierárquico (veja quadro na pág. 24). Nos Estados Unidos, essa solução está sendo levada ao limite. No final de 2006, o Goldman Sachs anunciou que pagaria a Lloyd Blankfein, seu presidente executivo e chairman, cerca de 54 milhões de dólares em 2006 em bônus e opções de ações -- um recorde até mesmo para os agressivos padrões de Wall Street. A explicação para tamanha generosidade é matemática: sob o comando de Blankfein, o lucro do Goldman Sachs cresceu 70% no ano passado, alcançando 9,5 bilhões de dólares, e o banco não tem nenhuma intenção de ver seu precioso "ativo" bandear-se para outra instituição. Para um banco de investimentos, a perda de um executivo importante, muitas vezes, implica também a perda de clientes -- e o Goldman Sachs já aprendeu essa lição. Em meados do ano passado, o italiano Corrado Varoli deixou a presidência da instituição para a América Latina e abriu seu próprio negócio, um banco especializado em fusões e aquisições. Embora trabalhe praticamente sozinho (exatamente como no movimento descrito por Thomas Friedman), Varoli foi seguido por pelo menos dois grandes clientes do Goldman Sachs.

Oferecer possibilidades reais de crescimento na carreira pode ser tão sedutor para um talento-alvo quanto dinheiro. Em 2004, o paulista Luiz Henrique Didier, de 34 anos, recebeu um convite do Itaú para trabalhar na Taií, financeira que o grupo estava montando. "A oferta era de um salário não muito maior do que eu já tinha", diz ele, que na época ocupava uma gerência de produtos no banco Ibi, ligado à rede de varejo C&A. "O que me atraiu foi sobretudo o tamanho do desafio e a visibilidade que eu teria caso tivesse sucesso." Por ser um profissional com conhecimento ainda raro do mercado, desde que entrou no banco Didier foi promovido duas vezes e seu salário dobrou. Hoje, ele é responsável por uma das operações mais importantes da financeira, o funcionamento de 250 postos da Taií na Lojas Americanas. A possibilidade de crescimento é também o motor de Cassiano Hissnauer, diretor de suprimentos da Ambev para a América Latina. Funcionário da empresa há uma década, Hissnauer é considerado um dos grandes talentos da companhia. Já mudou de função nove vezes, é sócio desde 1999, recebe bônus generosos e, por diversas vezes, foi despachado para treinamentos no exterior. Há cerca de um ano, a belga Inbev, controladora da Ambev, promoveu uma palestra com o guru Ram Charan, em Wharton, nos EUA, uma das mais prestigiadas escolas de negócios do mundo, exclusivamente para 36 de seus executivos -- Hissnauer era um deles. Com todos esses sinais de que pode avançar cada vez mais na companhia, Hissnauer sonha alto. "Talvez chegue a presidente. Quem sabe?", pergunta em tom de brincadeira.

As empresas que já entenderam as novas regras do jogo começam a tirar partido do "achatamento" do mundo, do avanço da tecnologia e da especialização de seu pessoal. O Fleury, um dos maiores centros de medicina diagnóstica do país, acaba de fechar um contrato de prestação de serviços de telerradiologia com o instituto radiológico Gaer, da cidade do Porto, em Portugal. A equipe de quase 100 médicos especialistas do Fleury receberá imagens de tomografias e ressonâncias magnéticas realizadas na clínica portuguesa, analisará os dados e enviará laudos ao cliente português -- que hoje enfrenta dificuldades em contratar médicos locais. O contrato é resultado de uma forte política de investimento em funcionários adotada pelo Fleury nos últimos anos. "Instalamos conceitos como meritocracia, fomos buscar Ph.Ds. e estimulamos a inovação o tempo todo", afirma o médico Mauro Figueiredo, presidente do Fleury. "Na última década, não perdemos mais que dez médicos para a concorrência." E, para se resguardar, nem foi preciso buscar proteção judicial.



 
Referência: curriex.com.br
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