Muitas das pessoas, empresas e organizações que conheço parecem ter sido
sistematicamente treinadas a engolir seus sonhos e desacreditar de seus
projetos. Até as saudáveis colocações espontâneas, que criam ou melhoram
processos e atitudes, parecem vigiadas por um patrulhamento invisível. Há uma
ordem que subjaz aos discursos, obrigando as coisas a ficarem em seus lugares.
Um verdadeiro abatedouro dos melhores esforços empreendedores.
Premidas por uma discursografia “estrutural”, equipes e lideranças são
levadas a uma rotina de realizar resultados, pensando somente no limiar
operativo, desprezando a reflexão. O fazer, a técnica, parece ter adquirido o
controle sobre a civilização corporativa. Basta alguém aprofundar o nível
relacional, planejar e apontar conseqüências ou horizontes e já paira a
desconfiança: ele estará filosofando? Viajando na maionese? Pobre de quem pensa
assim, pois crê ser determinado pelo objeto. Deixe que uma empresa comece a
inovar para vir a ladainha: Isto não vai funcionar! É perigoso! Não vai dar
lucro! Atrapalha o “mercado” etc. Temem as vantagens competitivas.
Associar conhecimento com perda de tempo é uma asneira típica das
organizações de baixo padrão. Elas precisam manter o capital humano na
ignorância de sua ineficácia sistêmica. E, muitas vezes, da falta de critérios
éticos. Mas, empresas não existem! São espectros jurídicos, relações nominais de
produção ou saber-poder. O que existe, realmente são pessoas e suas crenças.
Elas podem ser vencedoras e mesmo assim tolher a fonte da criatividade. Em todas
as relações corporativas, quem fala é porta-voz de uma verdade ou
interpretação. Entretanto, esta condição não significa nada além da expressão de
um determinado ponto de vista. Resumo: as empresas, o mercado, o mundo são
aquilo que nós próprios aceitamos e construímos dia-a-dia.
O rumo ao concreto, este trajeto que esgarçou o tecido social do mundo, está
fundamentado na nulidade da pessoa. Por isso, suas prescrições são acompanhadas
de julgamentos que, em nenhuma hipótese consideram o singular. Tudo deve ser
induzido numa generalidade amorfa e extração estatística. Em sua conformidade a
tabulações, métodos e, principalmente fácil reposição ou remanejamento de
capitais humanos, o indivíduo desaparece. Dizem para aproveitar o dia, primeiro
fazer e depois filosofar. Querem navegar, mas não há quem esteja vivo para
manobrar o barco! Hoje se contratam caríssimos consultores “reconhecidos” para
formar marinheiros via DVD motivacional. No peito, o coração já não pulsa, mas a
apostila “vai de encontro” ao guideline!
Mas, o mercado é caprichoso: conheço quem vive de molho e não cria patos.
Outros mais estão insanamente ocupados, flutuando num universo de
possibilidades, para descerem ao chão imundo do mercantilismo. Eles estão
produzindo realidades virtuais que determinarão futuros possíveis. Estes não
crêem na liberdade enquanto negatividade. Bergson disse que o movimento não
precisa do móvel como suporte. Assim, porque devemos apenas nos orientar pela
medida? A vida flui continuamente. É importante mensurar? Sim, mas não é o alfa
e ômega da humanidade.
Saber viver, realizar projetos, construir, ganhar dinheiro, obter sucesso...
Tudo isto se constitui através de uma via reflexiva, de nível filosófico: uma
resistência em face ao atrito com o que nos é externo. Ninguém é nada sem
fazer-se e ousar saber. Nem se reconhece como vontade, se não souber superar o
meio. Somente assim despertaremos do sono antropológico. Sapere Aude – ousar
saber é o que precisamos para sair da menoridade e da escravidão cultural.
Outra coisa importante é perguntarmos: você sabe utilizar o que conhece? E
sua empresa? Quem não puder responder, não obteve o conhecimento. Tem apenas
informações, dados ou opiniões. O conhecimento pressupõe o domínio da técnica,
da estratégia e do fazer. Filosofar é um ato simples, mas muito rigoroso. Deixe
o preconceito de lado e vá além dos chavões. Pense nisto.