Carreira / Emprego - Aos colegas, com afeto
Por que, para grande parte das empresas, a manifestação afetiva entre colegas
de trabalho ainda é tabu? Isto é estranho, sobretudo quando se sabe da enorme e
atávica carência afetiva do ser humano – ainda que nem sempre assumida.
Todas as pessoas são potencialmente afetuosas.
Todas as empresas são constituídas por pessoas.
Lóóóógo...todas as pessoas que estão numa empresa também são potencialmente
afetuosas.
Isso pode ser visto como uma deslavada obviedade, mas para quem tem vivência em
determinadas organizações, sabe que no cotidiano delas isto pode não ser tão
óbvio assim.
Como o leitor deve saber, há empresas onde a afetividade é abertamente
desestimulada - para não dizer rigorosamente proibida. Sabem por que? Porque
para alguns gestores, o afeto é uma demonstração de amizade e, para eles, amigos
juntos é algo que provoca medo, é uma “quadrilha” que pode boicotar o “poder”
deles. Esta é apenas uma das bobas fantasias que povoam a mente de algumas
pessoas que não sabem lidar nem com a afetividade, nem com o poder.
Eu considero isso um avançado grau de miopia na gestão de pessoas. Acredito que
é preciso existir um mínimo de afetividade para que exista a amizade – que
pressupõe também respeito, solidariedade e lealdade. Por isso, por extensão, é
preciso haver um mínimo de amizade para que haja plena integração profissional
entre as pessoas, no trabalho.
É justamente essa integração que constitui a matéria-prima das equipes de
trabalho. Ou será que alguém conhece equipes de trabalho realmente integradas
que sejam compostas por pessoas que não se toleram, que não cultivam a amizade?
Um monte de pessoas que trabalham juntas, mas não se toleram e não cultivam a
amizade, não merece o nome de equipe. Pode-se chamar a isso de bando, turma,
grupo ou agrupamento – estes, sim, podem ser compostos por apenas colegas de
trabalho, que não precisam ser amigos entre si.
Qual a diferença?
Colega é uma condição formal, contratual, temporária. Dizem os dicionários que
“colega é a pessoa que pertence à mesma corporação que outra”. Ou seja, quando
alguém deixa a empresa, deixa também de ser colega. Já o amigo, não. Com o amigo
é diferente. A amizade sobrevive às demissões e perdura para além dos muros da
empresa. Há amizades que começam numa empresa e duram por toda a vida, mesmo
fora dela.
Há um outro diferencial: um colega ajuda o outro por dever, por obrigação,
porque seu papel profissional assim o exige. Um amigo ajuda o outro porque quer
compartilhar com ele o sucesso de um trabalho bem feito.
Que fantástico seria o clima e a competitividade das empresas se elas
investissem na relação interpessoal dos seus talentos profissionais,
convidando-os a se tornarem colegas-amigos ou amigos-colegas, hein?
Claro que cultural e tradicionalmente, o que as empresas e as pessoas em geral
esperam no contexto de trabalho é apenas uma relação de coleguismo. Só que eu
acho isso muito pouco e, utopicamente ou não, vou mais além: eu espero ver no
trabalho, entre os colaboradores, uma espontânea relação de amizade que, por
conseqüência e natureza, venha fortalecer a relação de coleguismo. Seria a união
do pessoal e do profissional com foco nas metas e objetivos da organização e nas
dos próprios colaboradores.
Antes de mais nada, devo esclarecer que não estou aqui fazendo a apologia do
amor desbragado nas empresas. Isso não daria certo porque a produtividade iria
despencar. Então, vamos botar os pés no chão e deixar uma coisa bem clara:
empresa não é lugar pra se namorar.
Quer dizer: não durante o expediente. Antes e depois, pode.
No entanto, há gestores que ficam muito bravos quando ficam sabendo que um(a)
funcionário(a) seu(sua) está namorando a(o) colega do outro departamento. E
fazem de tudo para atrapalhar. Em casos extremos, chegam até a ameaçar de
demissão: “- Escolha – ele(a) ou o emprego?” Acredite, em certas empresas,
quando um casal de funcionários se apaixona e decide casar, a empresa exige que
um dos dois peça a conta – mesmo que trabalhem em setores e filiais diferentes!
Pode?
Não pode, mas acontece. Conclusão: a empresa perde um bom funcionário e ainda o
condena a começar sua nova vida de casado já com o orçamento doméstico reduzido
às vezes pela metade. Legal, né?
A impressão que eu às vezes tenho do mundo corporativo – inclusive a julgar por
inúmeros depoimentos de profissionais, ao vivo ou por e-mail – é de que algumas
empresas (leia-se: empresários e gestores) não sabem que todo ser humano, sem
exceção, tem absoluta e vital necessidade de atenção, carinho, reconhecimento,
afeto, amizade - e, se possível, amor.
Todo profissional investe pelo menos de 8 a 10 horas da sua vida diária no
trabalho. Se computarmos o tempo gasto no trânsito, esse total pode chegar a 12
ou 14 horas – mais da metade de um dia útil, do qual 6 ou 8 horas são dedicados
ao sono. Portanto, das 24 horas de um dia, que tempo sobrou para o cultivo, a
prática e a vivência dessa coisa sublime, reprimida, escondida, delicada, sutil
- mas humana, intensa e irresistível chamada afeto?
Deixando de lado fúteis e ridículos preconceitos e atitudes machistas, todos os
profissionais numa empresa, independente da hierarquia, deveriam assumir que o
afeto diz respeito não só aos amorosos casais que, fora dela, curtem a
vida-a-dois, mas diz respeito também a todos os funcionários que encontram
dentro de si a coragem suficiente para expressar amigável ou fraternalmente a
todos os colegas esse maravilhoso sentimento que Deus, numa especial concessão,
pôs com exclusividade no coração de cada ser humano: o afeto - que, numa
dimensão maior, transforma-se em amor ao próximo.
Mas, por favor, não me queira mal se você pensa e age diferente. Afinal, o livre
arbítrio vale até para quem prefere trabalhar em solidão.
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