Eu sempre brinco que o estagiário é a pessoa mais injustiçada nas empresas
por várias razões: geralmente é contratado para economizar custos e não para
aprender, não tem mesa, não tem micro, não tem cargo, demora para receber o
crachá e está sempre sobrecarregado com todo tipo de trabalho por medo de dizer
não com aquela vaga esperança de um dia ser contratado. Quando chega o dia de
tirar as férias ou ele é contratado ou ele sai para dar o lugar para outro.
Com o tempo ele ganha um canto na sala e, com muito esforço, um micro, usado,
é claro. Internet nem pensar! Quem sabe depois de ele adquirir a confiança do
chefe ou depois de suportar aquela sabatina incansável do pessoal da TI. Em
determinado momento alguém fica com pena do estagiário e o convida para almoçar
e aos poucos ele vai se integrando ao ambiente. Contudo, depois de um ano,
quando está tudo dominado e ele aprendeu a sorrir para as piadas sem-graça do
chefe, acaba dispensado diante daquele chavão irreversível: “infelizmente você
não tem perfil para trabalhar aqui” ou, de forma mais educada, “você não tem o
perfil que estamos procurando”.
Naturalmente, isso não é privilégio dos estagiários. Milhares de pessoas não
têm o perfil que as empresas procuram, pois quando o profissional atinge o
perfil desejado, as características do perfil mudam, portanto, salvo raríssimas
exceções, o perfil necessário é praticamente inatingível.
A natureza humana tem limites e o perfil requerido atualmente pelas empresas
é incompatível com as possibilidades humanas. Obviamente, o que as empresas
desejam vai além desses limites: doze horas de trabalho por dia, mais o que você
leva para casa para adiantar o dia seguinte, disposição, sorriso, paciência,
muita força de vontade, iniciativa, o hábito de fazer muito mais do que o seu
salário comporta, cabeça erguida, cumprimento de 120% da meta e nada de
reclamação, caso contrário, você não cabe no perfil solicitado.
A lista é extensa. Ah! Não se esqueça de esquecer a sua vida pessoal, o
fim-de-semana, a família, afinal, o trabalho é o seu ganha-pão, portanto, fica
chato você se preocupar com a família no trabalho. Você é pago para trabalhar e
quando o chefe perguntar se você pode vir no sábado, na véspera de casamento do
seu melhor amigo, faça aquele esforço extra e seja gentil para o seu próprio
bem. Amigo é para sempre, emprego não.
Brincadeiras à parte, o fato é que todas as parafernálias tecnológicas
criadas no século XX não são suficientes para reduzir a sua jornada de trabalho.
Ao contrário, por conta delas, você ficou mais escravo, precisa de mais
dinheiro, as mulheres estão crescendo profissionalmente numa velocidade
estonteante e agora concorrem de igual para igual com os homens, portanto, um
perfil mais arrojado, menos sensível, mais robotizado e menos humano acabou
ganhando espaço nas organizações.
Lamentavelmente, você não pode nem se queixar, a não ser quando chega do
trabalho e encontra alguém que também possui um monte de queixas para fazer.
Queixa por queixa, é melhor deixar como está. Como diz o chefe naquele momento
de lucidez inesperada, calma, o mercado é assim, portanto, mudar de emprego é
besteira, os problemas continuam, muda só o endereço. Você fica então dividido
entre seguir adiante, com problemas e tudo, ou tentar a mudança e ajustar o
perfil para trabalhar por conta própria, quem sabe, afinal, disseram que o
mercado está “bombando” e qualquer negócio dá dinheiro, precisa só de capital de
giro.
Segundo o Aurélio, algumas definições para perfil são “o contorno do rosto de
uma pessoa vista de lado” e “o aspecto ou a representação gráfica de um objeto
que é visto só de um lado”, portanto, perfil, como o próprio nome sugere, é algo
que nunca define a verdade absoluta sobre alguém ou sobre qualquer objeto.
Trata-se de uma leitura parcial do fato, do problema ou da pessoa.
Você não tem perfil para trabalhar aqui! Se algum dia você ouvir essa frase
significa que a avaliação do seu perfil, do seu jeito de trabalhar, de conduzir
as coisas, de pensar e agir, foi apenas parcial. Poucos líderes estão preparados
para absorver o perfil completo e aproveitar melhor o potencial que existe
dentro de cada profissional à sua disposição. Isso é quase uma arte.
Quando eu fui demitido pela primeira vez, é provável que o meu perfil tenha
servido por um determinado momento ou para determinado líder. A análise do
perfil muda completamente no instante em que a empresa muda de dono ou quando
você muda de chefe. O perfil adequado para uma empresa pode não ser adequado
para outra, portanto, não se desespere por isso.
Se o perfil é apenas uma leitura parcial, por vezes equivocada, da percepção
que alguém teve sobre você, lembre-se que esse alguém é humano e imagine que ele
pode ter errado. Na maioria das vezes é preferível alegar a falta de perfil em
vez da incompatibilidade de gênios e outras interpretações mais injustas como,
por exemplo, o fato de você estar sendo desligado para acomodar o afilhado do
chefe ou alguém com mais prestígio na empresa.
Isso não significa que você deve ignorar a avaliação e achar que estava
certo. É necessário refletir sobre isso. Independentemente da percepção alheia,
você deve fazer a sua leitura mais próxima possível da realidade para mudar o
que for necessário, seguir em frente e reencontrar o caminho. O caminho do
aprendizado é longo e você não deve esmorecer.
Durante muito tempo eu convivi com essa questão do perfil atravessada na
garganta, mas acabei me acostumando com ela. Na profissão de consultor me sinto
obrigado a entender um pouco de perfil com intuito de ser o mais justo possível
quando se trata da avaliação sobre o futuro de alguém. É mais sensato e prudente
demitir alguém com dois ou três meses de casa do que esperar dez anos para isso
sob alegação de que “ele ou ela não tem perfil para trabalhar aqui”.
Segundo o canadense Gareth Morgan, autor de Imagens da Organização, “as
organizações são em essência realidades socialmente construídas que estão muito
mais nas cabeças e mentes dos seus membros do que em conjuntos concretos de
regras e relacionamentos”. Com base nisso tomei a liberdade de compartilhar a
minha experiência profissional com vocês mediante a reflexão de três pontos que
poderão auxiliá-lo a absorver melhor essa questão do perfil. Espero que seja
útil e realmente agregue valor na sua vida profissional. Pense nisso e seja
feliz!
1. Se você estiver em cargo de subordinação e alguém sinalizar que o seu
perfil não está atendendo ao perfil desejado para o cargo, a única saída é abrir
o jogo; não deixe para fazer isso no dia da demissão, não vai dar tempo;
2. Se você estiver em cargo de comando, não espere dez anos para saber se
alguém tem ou não o perfil desejado, portanto, seja sincero e, se for o caso,
substitua logo e pare de ficar travando a carreira e a vida da pessoa;
3. Leve a sério essa questão do perfil. Se não gosta do que faz e o
ambiente lhe faz mal, você pode estar desperdiçando energia e talento numa
empresa que não tem vocação alguma para aproveitar a sua inteligência.