“Há os quase cegos, pois só enxergam o que querem ver. Há os
quase surdos, porque só ouvem a sua própria voz.”
(Valmor Vieira)
Um empresário decide expandir sua atividade mercantil. E, consciente da
importância de um departamento comercial forte, resolve estruturá-lo mediante a
criação de uma Gerência Nacional de Vendas e de Gerências Regionais, além da
contratação de vendedores e representantes por todo o país.
O processo seletivo é tecnicamente o melhor possível. Anúncios em jornais de
grande circulação sem especificação da empresa contratante; triagem inicial dos
currículos recebidos, com base em critérios predeterminados; dinâmicas de grupo
conduzidas por psicólogos e em lugar neutro; entrevistas finais com participação
do RH.
Formada a equipe, esta segue para um trabalho de imersão em um final de semana,
num hotel-fazenda, num ambiente capaz de promover a integração de todos, ocasião
na qual os valores, missão e visão da empresa são compartilhados e,
fundamentalmente, os produtos são apresentados detalhadamente, permitindo o
conhecimento de todas as suas características técnicas, pontos fortes e fracos,
principais concorrentes e argumentos de venda.
Findo o treinamento, o exército está formado. Todos estão alinhados, imbuídos do
mesmo sentimento e propósitos. Metas estão estabelecidas. O fardamento é novo, o
armamento é adequado. O empresário está certo de que, em breve, começará a
colher os frutos.
Todavia, decorridos três meses, os resultados são pífios. Poucos negócios
fechados, raros clientes fidelizados. A estrutura corporativa sequer tem seu
custo operacional suportado. O empresário sente-se traído. E questiona-se: “Onde
errei? Afinal, contratei os melhores profissionais, procurei treiná-los e
motivá-los, concedi-lhes toda infra-estrutura e suporte possíveis...”
Um profissional de vendas decide ampliar sua carteira de empresas representadas.
Compra um jornal de grande circulação no domingo e sente-se seduzido por um
anúncio muito ponderado, com proposta de trabalho interessante, porém sem
contratante especificado.
Ele envia seu currículo, é chamado para uma dinâmica de grupo, depois para uma
entrevista com o diretor da área, acompanhada de perto pelo RH. Sua contratação
é efetivada e ele participa de um evento promovido pela empresa em um
hotel-fazenda, quando confraterniza com seus novos colegas de trabalho, conhece
os propósitos e diretrizes da companhia, além de tomar ciência de toda a linha
de produtos.
Porém, transcorridos três meses, os resultados não são satisfatórios. Vários
contatos foram feitos, muitos clientes potenciais foram cadastrados. O
profissional realizou visitas, efetuou telefonemas, despachou folders e
amostras. Conquistou algumas contas, mas em número insuficiente para atender às
suas necessidades financeiras imediatas. Ele recorre à empresa, que lhe nega
antecipação de comissões – menos porque foge da política de remuneração e mais
porque as metas não foram atingidas. O profissional sente-se desrespeitado. E
questiona-se: “Onde errei? Afinal, dediquei-me à empresa, coloquei seus produtos
em novos pontos de venda, tornando-os conhecidos, vesti a camisa...”
Onde mora a razão?
A verdade está em ambos. Tanto o empresário quanto o profissional de vendas
sentem-se frustrados por conta dos resultados em curso muito embora tenham se
empenhado. Porém, preocupados em encontrar justificativas, buscam-nas não em si
próprios e menos ainda nas dificuldades enfrentadas pelos colegas de batalha.
Buscam apenas transferir ônus e responsabilidades.
Ao empresário, falta-lhe a sensibilidade para compreender que alguns frutos
demoram a amadurecer por conta da peculiaridade de sua própria semente. Clientes
precisam ser conquistados e isso, não raro, demanda tempo. Além disso, para o
profissional de vendas, infra-estrutura não é tudo. Mesmo que a empresa lhe
disponibilize um veículo, cota semanal de combustível, vale-refeição, material
promocional e de apoio a vendas, enfim, mesmo com todo este arsenal, há uma
pessoa com necessidades, desejos, anseios e inseguranças por trás desta
armadura. Assim, sem suporte financeiro e estabilidade emocional, não há quem
tenha disposição de realizar bons negócios. Por isso, recomendo aos empresários
que sejam criteriosos e rigorosos na escolha de suas equipes e estejam
preparados para investir nestes talentos o tempo suficiente para que possam
mostrar a que vieram.
Ao profissional de vendas, falta-lhe a percepção de valor, às vezes intangível,
presente nas ações corporativas engendradas pela empresa. Reconhecer os esforços
feitos e os investimentos realizados em termos de ambiente, qualificação e
capacitação. Observar que há outros departamentos na empresa, prioridades
diversas e um fardo representado pela elevada carga tributária e juros
extorsivos. E compreender que o negócio somente se torna perene quando rentável.
Quando os dois lados, empresário e vendedor, passarem a enxergar sob outra ótica
e a ouvir outras vozes, respeitando-se mutuamente, ainda será preciso que eles
se lembrem de que apenas ofertando produtos e serviços diferenciados, prestando
atendimento personalizado e superando expectativas, ou seja, apenas respeitando
os interesses do cliente, será possível prosperar.