''Até a morte, tudo é vida''.
(Cervantes)
Certamente você não integra a classe dos felinos. Porém, ainda que não saiba,
possui o direito régio sobre 7 vidas, presenciadas não seqüencialmente, mas
simultaneamente no decorrer de sua existência.
O artigo apresentado a seguir é um preâmbulo de um livro a ser lançado. Assim,
não houve como ser mais conciso, mesmo tratando as idéias com superficialidade.
Integrar, conciliar, harmonizar estas 7 vidas pode significar o caminho mais
curto, a menor distância para você encontrar o sucesso e a felicidade.
Vida nº 1 – Saúde e Esporte
Seu corpo em primeiro lugar. Não é uma questão de egoísmo, de narcisismo, mas de
necessidade. Mantendo-se bem você estará apto a buscar o melhor em todas as suas
demais vidas. Por isso, alimente-se bem, fazendo ao menos quatro refeições
diárias, adequadamente balanceadas. Beba dois litros de água ou sucos por dia e
durma o número de horas que seu corpo solicita – 6 horas ou menos para alguns, 8
horas ou mais para outros. E, muito importante, procure estabelecer uma
regularidade em seus horários. Em outras palavras, se for para dormir às duas
horas da manhã, porque você apresenta um melhor rendimento durante a madrugada,
faça-o sempre. Se o seu metabolismo mostra-se desejoso pelo almoço apenas às
três da tarde, está ok. Em suma, não brigue com seu biorritmo. Faça as pazes com
ele. E faça um check-up anual, visitando do dentista ao cardiologista. Prevenção
custa menos e apresenta resultados mais favoráveis.
Além de seguir a receita acima, não se esqueça de praticar esportes. Truco e 'halterocopismo'
estão descartados. Você terá que encontrar uma atividade física capaz de mexer
com seus pulmões e seu coração, praticando-a com freqüência. Pode ser caminhada,
cooper, natação, musculação, esportes coletivos. Realmente não importa. Escolha
uma opção que lhe seja agradável – busque prazer no que vai fazer ou não
conseguirá dar continuidade, correndo o risco de frustrar-se.
Pare de fumar, ou troque o cigarro por um bom charuto, ou fume menos. Seja
criterioso com as bebidas alcoólicas. Escolha suas ''baladas'' com sabedoria,
tirando o máximo proveito de cada investida. Aprenda a respirar e a meditar.
Cultive boa postura, olhar confiante e sorriso autêntico.
Vida nº 2 – Família e Afetividade
Muitos têm grandes famílias – aquelas em estilo italiano. Alguns, famílias
reduzidas aos pais e irmãos. Outros, famílias distantes, na geografia ou na
memória. Independentemente de onde você se situa, cuide bem de todos eles. Seja
a nona, com sobrinhos, primos e toda uma árvore genealógica em volta; sejam os
pais idosos, aposentados ou na ativa; sejam irmãos, com os quais tanto se
discute e se discorda; sejam entes queridos, presentes apenas em filmes super-8,
retratos em preto-e-branco, cartas amareladas pela ação do tempo. Respeite e
aprecie suas origens. Aproveite hoje para dizer o quanto ama seus pais, sem medo
de parecer clichê. Infelizmente, pode não existir chance melhor para isso.
Telefone, peça perdão e aprenda a perdoar. Descubra o poder de um abraço
revestido de ternura e sinceridade.
Dê toda a atenção possível a seus filhos, se ou quando os tiver. Compartilhe
cada pequena vitória do desenvolvimento deles. Elogie-os constantemente.
Policie-se no uso da palavra ''não'' – você pode negar algo de forma
construtiva, propondo alternativas. Brinque com eles de cavalinho no meio da
sala, atire travesseiros quando estiverem no quarto – e aproveite para
ensiná-los a colocar tudo em ordem depois. Cole os desenhos deles nas paredes da
garagem, do corredor e de seus quartos como se fossem obras-primas – você ficará
admirado com o brilho orgulhoso que irá reluzir daqueles pequeninos olhos.
Participe de suas atividades escolares, das festinhas de aniversário dos colegas
e beije-os antes de dormir, mesmo que ao chegar eles já estejam no sétimo sono.
Cultive também seus amigos – não estou falando de networking, são coisas bem
diferentes. Um telefonema inesperado para quem não se vê há muito tempo é
incrível, mas você não consegue imaginar o poder que um telegrama tem! Passamos
pelos mensageiros, percorremos os telégrafos, conhecemos o telex e o fax,
vivemos através do e-mail e logo estaremos no uso da telepatia. Mas nada supera
uma mensagem escrita, meio antiquada, com aquelas letras Times e os erros de
digitação da atendente.
E, finalmente, cuide de seu coração. Não do nível de colesterol e triglicérides
– isso você já fez na sua primeira vida – mas do nível de ansiedade, de desejo,
de paixão. Procure escolher as pessoas certas, mas também não tente escolher
muito. Seja seletivo, porém flexível. Valorize virtudes, seja condescendente com
os defeitos. Seus e dos outros. Abdique de amores impossíveis ou não
correspondidos – ou aprenda, por opção, a conviver com eles, evitando
penitenciar-se. Nunca existirão sentimentos únicos, pois eles estão sempre em
mutação.
Vida nº 3 – Carreira e Vocação
Meu estimado Robert Wong lembra com muita propriedade que você deve aprender a
distinguir trabalho, emprego, profissão, carreira e vocação, além de uma outra
categoria ainda mais nobre chamada ''missão de vida''. Você iniciará sua vida
com um mero trabalho que poderá ganhar status de emprego, conferindo-lhe maior
segurança. Então você resolverá estudar e dedicar-se ao seu ofício,
transformando a labuta em profissão. Olhará então para acima da linha do
horizonte e decidirá ir mais além, criando seu próprio plano de carreira. Mas a
verdade surgirá quando você permitir-se ouvir o que sua voz interior tem a lhe
dizer. Aquele sussurro divino que vem desestabilizá-lo quando sua carreira
parece tão próspera. Exatamente quando você conquistou poder e bens materiais,
mas não consegue entender o porquê de certa frustração latente todos os dias ao
voltar para casa. Aquela voz é sua vocatione, o chamado de Deus, dizendo-lhe
para mirar não onde está o dinheiro, não onde está o poder, não onde está o
status, mas onde está a felicidade – e onde você encontrará todas aquelas outras
coisas que lhe cercavam antes, porém as usufruirá com um olhar maroto, um
sorriso de canto de boca e uma sensação de alívio bem dentro do peito.
Todas as pessoas bem sucedidas são unânimes em afirmar que chegaram onde estão
porque fizeram aquilo de que gostavam. Este é um pressuposto básico. Sem prazer
e entusiasmo, não há produtividade no trabalho, não há paixão no beijo.
Trabalhe muito, mas principalmente inteligentemente. Seja verdadeiro, mas esteja
atento às armadilhas dos escritórios. Desenvolva relacionamentos cordiais e
invista em sua rede de contatos. Aprenda a planejar, estabelecer – e escrever –
metas factíveis e desafiadoras e procure enxergar-se dali a um, cinco, dez e
vinte e cinco anos. Administre seu tempo para dar o melhor de si sem comprometer
suas demais vidas. Os workaholics estão sempre seguros de que têm apenas esta
vida – além de um copo d’água e quatro horas de repouso, é claro.
Vida nº 4 – Cultura e Lazer
Sua quarta vida é um complemento natural da anterior. Para auxiliar o processo
de descoberta de sua vocação você deverá investir em conhecimento e
autoconhecimento. Ler jornais, revistas, livros, gibis e bulas de remédio. Ouvir
rádio e ver televisão. Saber dos planos de guerra dos EUA e do último eliminado
no reality show tornarão você mais sociável e interessante para outras pessoas,
pois lhe permitirá conversar sobre tudo e com todos.
Assista a filmes no vídeo e no cinema, vá ao teatro, a shows, bares, museus,
exposições. Aprenda um novo idioma com fluência e faça cursos diversos, desde
especializações em sua área até culinária, massagem e pintura. Desenvolva novas
habilidades. Utilize mais a mão direita se você for canhoto e coloque suas
calças a partir da perna esquerda pela manhã. Mexa com seus sentidos.
Vida nº 5 – Sociedade e Comunidade
O homem é um ser social e deve aprender não apenas a viver, mas também a
conviver. Por isso, busque a integração em seu meio. Participe das happy hours
com seus colegas de trabalho, das reuniões de condomínio, do bingo beneficente
da escola. Convide para jantar um casal de amigos, leve-os para ir juntos ao
clube ou para jogar carteado.
E participe da vida comunitária, exercendo sua solidariedade na medida de suas
possibilidades. Você poderá começar doando sangue, evidentemente se preencher os
pré-requisitos necessários. Poderá visitar creches ou asilos ou apenas
participar de uma campanha para arrecadação de agasalhos ou alimentos. O menor
ato será sempre grandioso. E não se deixe enganar: solidariedade pratica-se no
dia-a-dia, com uma palavra de carinho e conforto a quem está entregue à
melancolia e é colocado diante de você pelo Homem lá de cima...
Vida nº 6 – Bens e Possessões
É, a vida material existe sim, é claro. Muitos que escrevem sobre comportamento
parecem desejar negligenciar este aspecto e acabam por reduzir a credibilidade
de suas argumentações.
A maioria de nós, mortais, associa a felicidade ao bem-estar, este ao conforto,
este à posse de bens materiais. Guardadas as devidas proporções, cada qual tem
suas ambições, seus desejos. Não há nada de errado em se desejar morar bem, ter
um belo carro, roupas de fino corte, mesa farta. Ao contrário, devemos mais é
promover a prática desta ética protestante. A maior inquietude está no fato de
tantos privilegiarem a sexta vida em detrimento de todas as demais, buscando a
acumulação de riqueza como finalidade em si mesma.
Vida nº 7 – Mente e Espírito
A última das sete vidas deveria ser, na verdade, a primeira. Mas prefiro
tratá-la como a cobertura do bolo de chocolate: coloca-se ao final, mas
saboreia-se primeiro. Se você deixar de lado a cobertura, não vai sentir assim
tanta satisfação com o bolo, por melhor e mais macia que esteja a massa. Por
outro lado, se comer cobertura demais, poderá experimentar terríveis dores
abdominais – daí porque o beato acaba sendo persona non grata.
Paulo Coelho foi emblemático ao afirmar que ''a fé é uma conquista difícil, que
exige combates diários para ser mantida''. Acostumamo-nos a exaltar a presença
divina por força de nossas dificuldades, mas raramente o fazemos para enaltecer
nossos méritos.
A sétima vida é base para todas as outras. Ainda que você não tenha se
encontrado dentro de nenhuma doutrina específica, sua crença particular está
dentro de você. Mesmo para o agnóstico, seu cérebro é seu refúgio. As religiões,
disse Gandhi, são como caminhos diferentes que convergem para um mesmo ponto.
Que importa que tomemos itinerários diferentes, desde que cheguemos à mesma
meta? Por isso, explore este sentimento. Necessitamos da fé para transpor
obstáculos, para nos superarmos, para nos compreendermos.
Palavras Finais
Há cerca de seis meses escrevi um artigo intitulado ''O Caminho do Meio'' que
felizmente foi compartilhado por muitas pessoas. O texto era introduzido por uma
frase de André Gide segundo a qual ''todas as coisas já foram ditas. Mas como
ninguém escuta, é preciso sempre recomeçar''.
O texto era uma reflexão de caráter pessoal, mas impressionei-me com o fato de
seu conteúdo estar tão próximo do cotidiano de tantas pessoas. Mudavam nomes,
endereços e CPF’s, nada mais. Certo dia, deparei-me com outra frase, esta de Jay
Chiat, que dizia: ''Passei minha vida procurando ordem e produzindo o caos''. A
partir de então coloquei-me a investigar por que estávamos sempre tão distantes
do aclamado equilíbrio. E foi quando percebi que não bastava buscar a ordem em
um único campo do conhecimento. Não bastava obter o equilíbrio em apenas um dos
papéis desempenhados na minha vida pessoal. Era preciso identificar todos os
papéis, ouvi-los e harmonizá-los. Do contrário, a vida seria um eterno recomeço.
Hoje, conhecedor de minhas 7 Vidas, já não sei mais se me exijo à altura do que
desejo. Sei apenas que me espero na medida exata do que eu preciso.