Desde que comecei a freqüentar encontros de RH, e nisso já se vão alguns
anos, aprendi a lidar com uma expressão comum, que, em verdade, esconde uma
expectativa: o talento. A discussão de como atrair talentos deu lugar a como
reter talentos e à pergunta sobre se é possível, ou não, formar talentos na
empresa, e como seria essa pedagogia mágica.
O tema é pertinente, pois a empresa precisa, e o profissional de RH sabe disso,
garantir sua performance crescente, e isso se faz através de pessoas, de todas
as pessoas. Aquelas que produzem, aquelas que dizem o que produzir, as que
vendem o produzido, as que compram o necessário para produzir e por aí vai. E as
pessoas que produzem, controlam, vendem e compram com qualidade acima da média,
estas são consideradas os talentos.
Escolas afirmam que são fábricas de talentos, agências de propaganda
propagandeiam que são talentosas, gestores de empresas de bom resultado, quando
dão entrevistas às revistas especializadas, creditam seu sucesso aos talentos de
sua equipe. Talentos em todos os lugares. Quase somos assaltados por talentos
que precisam ser reconhecidos. Assisti recentemente a uma peça de teatro em que,
ao final, o ator principal agradeceu e elogiou o talento da platéia, que havia
compreendido sua mensagem. Inversão de valores ou falsa modéstia?
Você está lendo este artigo em seu ambiente de trabalho? Olhe para os lados.
Consegue identificar os talentos? Há no rosto de algum colega alguma marca
especial, um sinal inequívoco de que ele é um talento? Talentos comportam-se de
alguma maneira especial, falam um dialeto próprio, têm um código secreto que faz
com eles se comuniquem em alguma trama para dominar a empresa e o mundo?
Sossegue, caro leitor. Não há um plano secreto em andamento; os talentos estão
apenas fazendo o seu trabalho, e vão continuar sendo uma espécie de mistério,
até porque, apesar das definições dos livros e dos consultores, ninguém sabe
exatamente do que se está falando. Mas, no meio de toda essa retórica, há uma
boa notícia: você também é um talento, mesmo que nunca ninguém tenha lhe dito
isso, nem você mesmo, que deveria ser seu melhor amigo.
Os dicionários dizem que talento “é a qualidade das pessoas talentosas”. Pode?
Ainda bem que depois acrescentam que é uma “aptidão natural ou habilidade
adquirida; grande e brilhante inteligência; agudeza de espírito, disposição
natural ou qualidade superior; espírito ilustrado...” e por aí vai... Está certo
o acadêmico, mas e na prática, como se faz? Como alguém se torna um talento,
considerando que é diferente de ser um gênio, o que parece um presente divino,
ou ter um dom, que lembra uma dádiva da natureza? Ao contrário dessas duas
condições, em que somos escolhidos, ser um talento podemos escolher.
Como vemos, talentos não são gênios nem são possuidores de dons especiais. São
apenas pessoas comuns, dotadas das mesmas ferramentas mentais da maioria da
humanidade, porém com algo mais, que é quase intangível. Sinto-me tentado a
chamá-las de pessoas ordinárias, mas no sentido inglês, the ordinary people.
Comuns no sentido humano, biológico, mas especiais no sentido particular que
estamos abordando. Especiais não porque são diferentes, mas porque são dotadas
de algo que todos podemos ter: a percepção do que realmente deve ser feito e o
senso de responsabilidade que obriga à realização de uma obra cada vez melhor.
Há pessoas que demonstram um bom desempenho em seu trabalho, em geral porque são
bem formadas e porque têm experiência. Outras, em geral as mais novas, não têm
bom desempenho, mas demonstram outra coisa: vontade de aprender. Destas não se
pode cobrar desempenho, pois pressupõe-se que estão em formação, mas pode-se
cobrar compromisso com desenvolvimento. Há também o grupo das pessoas cujo
desempenho é discutível e não se percebe nelas o desejo do aprimoramento. Estas
são descartáveis, ou melhor dizendo, são autodescartáveis.
E, finalmente, há um quarto grupo, aquele que possui as duas qualidades: já
apresenta um bom desempenho e, apesar disso, demonstra uma inequívoca disposição
para o aprimoramento contínuo. Pronto, parece que encontramos o talento!
Na vida prática, corporativa, profissional, o talento é exatamente esse
indivíduo, que empenha seu cérebro e seu coração na arte de aprimorar sua obra
e, com isso, aperfeiçoar a si mesmo. Não é um gênio, é apenas alguém que não se
contenta com a estagnação e não pára de evoluir, como profissional e como
pessoa. Nesse sentido, é alguém que apenas atende ao apelo do destino do próprio
ser humano; o do desenvolvimento permanente, pois o que é certo, é que não
estamos prontos, e jamais estaremos.
Ah, lembrei de mais uma definição de talento: “moeda da antiguidade grega e
romana”. Opa, talento também é dinheiro...