Veja como transformar as adversidades pessoais em aprendizado profissional
'A adversidade desperta em nós capacidades que, em circunstâncias favoráveis,
teriam ficado adormecidas.' A frase é do poeta latino Horácio, que viveu entre
66 e 8 a.C, em Roma. Para ele, tragédias e obstáculos não trariam apenas
sentimentos ruins e lágrimas, mas também força e maturidade. O carioca Adriano
Lima, de 39 anos, vice-presidente de recursos humanos da Mastercard para a
América Latina, confirma essa teoria na prática. Sua trajetória pessoal é
recheada de percalços -- e a profissional, recheada de sucessos. Nascido em Nova
Iguaçu, na região metropolitana do Rio de Janeiro, Adriano assistiu à separação
traumática de seus pais aos 10 anos. Quando completou 24, a mãe morreu. No mesmo
ano, ele se casou e sua mulher perdeu o bebê que esperava. Há três anos, Adriano
teve o terceiro filho, a primeira menina, Luana, portadora de uma síndrome rara,
denominada Rubinstein-Taybi, que afeta a coordenação motora e limita a
capacidade intelectual. 'Eu poderia ter me revoltado várias vezes e estive perto
disso no caso da Luana. Mas aprendi que o importante não é o que aconteceu, mas
como você reage aos acontecimentos', afirma.
Foi exatamente a forma como Adriano reagiu às várias adversidades que fez dele
um profissional de sucesso e uma pessoa de bem com a vida. Em momentos cruciais,
como o falecimento da mãe e a perda do bebê, Adriano se destacava na carreira.
Embora tenha sofrido, não ficou amarrado ao passado, lamuriando-se pelas perdas.
Ele simplesmente seguiu em frente. Trabalhou durante sete anos no Grupo Amil,
migrando do Rio para São Paulo, em 1992. Ganhou prêmios, estudou nos Estados
Unidos e cresceu na empresa. Da Amil, foi para a BestFoods, onde ficou quatro
anos e meio, até ser promovido a executivo de RH na Mastercard. Em 2003, se
tornou vice-presidente da Câmara Americana e, no ano passado, foi promovido na
Mastercard a vice-presidente de recursos humanos para a América Latina. Sempre
que se depara com um problema na empresa, ele lembra de tudo o que passou na
vida pessoal, desde quando era um garoto gordinho no colégio. E tira as
adversidades de letra. 'Sei que qualquer obstáculo profissional é bem mais
simples do que o desafio que vivo com a Luana. Isso me dá autoconfiança e
coragem para enfrentar as situações mais difíceis.'
PEDRAS E PEDREGULHOS
Relativizar os problemas é uma das principais características de quem passa por
grandes dificuldades e consegue aprender com elas. No trabalho, a postura conta
muitos pontos. 'Quem já passou por graves situações na vida pessoal reage melhor
aos problemas profissionais', afirma a headhunter Fátima Zorzato, da Russell
Reynolds Associates. 'São pessoas que não se prendem a picuinhas. Já enfrentaram
coisas piores e realmente sabem diferenciar uma pedra pequena de uma grande.' A
psicóloga paulista Ana Fraiman, especialista em aconselhamento de carreira, diz
que as pessoas não se tornam mais brilhantes porque passaram por tempestades na
vida, mas que essas tempestades atuam como catalisadores e as fazem buscar força
e energia que elas desconheciam. 'É o que chamamos de resiliência', diz Ana. 'A
capacidade de reagir ou de se adaptar às mudanças.' Ela lembra, porém, que nem
todos sabem utilizar as adversidades a seu favor. Há aqueles que vão se sentir
vítimas do mundo pelo resto da vida, apontando as desgraças pessoais como causa
de seus fracassos profissionais.
Não foi o caso do paulista Halim Aidar, de 47 anos, dono da H. Aidar, empresa de
pavimentação situada em Bauru, no interior de São Paulo. Aos 14 anos, Halim
perdeu seus pais num acidente aéreo quando viajavam para Paris, na França. Ele
ficou órfão junto com as duas irmãs, mais novas. Foram morar com os avós
maternos até completar 18 anos, quando seu avô faleceu. Apesar de jovem, Halim
convidou as duas irmãs para morarem sozinhos e assumiu a administração da casa.
Antes disso, aos 16 anos, começou a trabalhar na empresa do pai. Nessa época,
teve uma espécie de mentor, um ex-consultor de seu pai, que foi fundamental para
seu crescimento. 'Ou vem como dono ou como empregado', disse ele. Como não
entendia nada da empresa, Halim optou por começar como empregado e passou por
todas as áreas até chegar à presidência. 'Se meu pai estivesse vivo, eu iria
para a empresa mais velho, quando estivesse na faculdade e, provavelmente, não
passaria por tantas áreas', conta.
Além de começar a trabalhar cedo, Halim também se casou jovem, aos 23 anos. Hoje
tenta educar seus filhos, Halim Neto, de 23 anos, e Fernanda, de 20, de forma
que eles possam fazer suas próprias escolhas. 'Era natural que eu fosse sucessor
do meu pai', afirma Halim. 'Com sua morte, isso se tornou uma obrigação. Não sei
dizer qual seria minha vocação aos 16 anos. Eu segui o caminho que tinha de
seguir.' Resignado, mas não frustrado. Halim considera-se uma pessoa otimista,
forte e até privilegiada. 'Logo que perdi meus pais, eu pensava: por que os dois
juntos? Depois, comecei a achar que foi melhor assim. Os dois eram muito unidos
e um sofreria demais sem o outro', conta. 'A partir daí, comecei a ver tudo que
há de bom nas coisas que vivemos. Nunca existe apenas um lado ruim.'
BOLA PRA FRENTE
Para os especialistas em comportamento, pessoas como Halim, que souberam
transformar a tragédia em aprendizado, não só conseguem lidar melhor com os
conflitos profissionais, como exercitam a paciência e aceitam mais facilmente a
diversidade. 'São profissionais que têm uma percepção diferente do mundo', diz
Sofia Esteves do Amaral, da DM Recursos Humanos, consultoria de RH em São Paulo.
'Eles não têm medo do desconhecido e nutrem um respeito maior pelas pessoas.' O
entusiasmo com a vida pessoal e profissional também é outra característica
comum. 'Quando a Luana nasceu, primeiro eu fiquei desesperado. Depois, vim
trabalhar com mais garra, com mais vontade de vencer', diz Adriano Lima, da
Mastercard.
Ele acredita que aqueles que superam as adversidades costumam amadurecer mais
rápido e dão um valor maior à vida e às conquistas profissionais. 'Sinto que
todas essas experiências me tornaram mais maduro e equilibrado. Meu chefe às
vezes acha que está falando com uma pessoa de 50 anos', conta. Segundo a
consultora Vicky Bloch, presidente da DBM para a América Latina, isso acontece
quando as pessoas primeiro encaram a adversidade exatamente assim, como uma
adversidade. E, depois, como uma possibilidade de crescimento. Ou seja, é
permitido e saudável sofrer, mas não arrastar o sofrimento para todos os campos
da vida. Depois do choque inicial, é hora de deixar a tristeza para trás e
seguir em frente, tentando aprender alguma coisa com tudo aquilo. Pode ter
certeza, assim vai ficar muito mais fácil aturar o chefe chato, bater as metas
impossíveis ou corrigir aquele erro que hoje parece fatal para todo o negócio,
mas no fim vai se revelar como, apenas, mais um contratempo. 'Aqueles que nunca
passaram por situações difíceis não criam anticorpos. Quem já quebrou as pernas
vai se sentir mais seguro nos desafios, sabendo como se sair melhor da próxima
vez', afirma Fátima Zorzato, da Russell Reynolds.
FAÇA DO LIMÃO UMA LIMONADA
Como transformar os problemas pessoais num fator de desenvolvimento profissional
1° PASSO: encare a adversidade como apenas uma adversidade, e não como a
reunião de todos os males da vida.
2° PASSO: não fique amarrado ao passado. O que aconteceu deve tornar-se
uma lembrança seguida de aprendizado, e não um tormento constante.
3° PASSO: compare sua vida profissional e pessoal. Veja que os problemas
que você enfrenta no trabalho são muito menores do que aquilo que você já passou
fora da empresa.
Isso vai lhe dar mais força e segurança na carreira.
4° PASSO: ao fazer a comparação acima, você vai ter mais calma para
raciocinar e tomar decisões. Vai ficar mais fácil, também, entender o problema
dos outros -- seja chefe ou subordinado.
5° PASSO: seja otimista. Isso é uma questão de escolha. Não pense que o
pior pode acontecer só porque você viveu dias ruins no passado. O importante é
pensar positivo.