Um amigo defende a posição de que, se perguntássemos a cada trabalhador,
independentemente do nível hierárquico, “por que você trabalha?”, a resposta
seria unânime: “porque preciso ganhar dinheiro”. Eu tenho dúvidas sobre essa
unanimidade e, por isso, gostaria de propor algumas reflexões sobre a questão.
Em algum lugar li ou ouvi que hoje as pessoas vivem a “síndrome da pressa”.
Todos correm para algum lugar. A mim, me parece que correm para lugar algum. Uma
pessoa sai de casa para assistir a um filme ou peça de teatro. E a sua ansiedade
de chegar lá é tanta que sai pelas ruas feito um louco, buscando atalhos,
ultrapassando quem estiver mais lento, às vezes arriscando cruzar um farol
vermelho. Chega suado, esbaforido e, por tentar burlar a fila de ingressos,
ainda arruma uma discussão aqui, um bate-boca ali.
Eu fico me perguntando: por melhor que seja o filme ou a peça à qual ele
finalmente assistirá, terá valido a pena o esforço excessivo, os riscos e os
desgastes físicos e emocionais? E por que as coisas têm que acontecer assim –
seja quanto a cinema, teatro, balada, futebol, festa, praia, casamento, visita a
amigos?
Tenho uma modesta opinião a respeito: essa “síndrome da pressa” está existindo
porque muita gente anda confundindo conceitos simples do tipo meio e fim, causa
e efeito, ação e reação, os quais, segundo penso, seriam fáceis e corretamente
compreendidos se percebessem o verdadeiro sentido dos momentos que constituem a
vida.
A vida – e aqui falo no sentido mais amplo possível – é constituída por
uma série de eventos que se sucedem e se completam. Não se vive a vida aos
solavancos nem em capítulos. Não se pode “pular” um pedaço do “filme”, como nos
DVDs. Não há um “controle remoto existencial” e, portanto, não dá para se
acelerar o ritmo natural das coisas. Vive-se a vida em absoluta e rigorosa
seqüência, constituída de momentos.
Ora, se uma pessoa sai de casa para ir ao cinema, não pode pretender esquecer,
desconhecer ou apagar o tempo de duração e as condições do trajeto. É simples
assim: sem vivenciar e concluir o trajeto, ninguém conseguirá chegar ao cinema,
ao teatro, balada, à praia, ao clube, ao jogo ou a qualquer lugar que vá.
Justamente aqui chego ao “xis” da questão: se a pessoa terá que necessariamente
conviver com esse momento do trajeto, por que deixar que ele se transforme num
tormento, numa tortura, num aborrecimento? Cada segundo, minuto, hora,
centímetro, metro ou quilômetro que nos separam do ponto de chegada faz parte da
nossa vida, do nosso presente, da nossa história e não podem ser desprezados nem
diminuídos.
Muitas vezes, com alguma sorte e criatividade, os trajetos da vida podem ser
muito mais gratificantes e prazerosos que o evento para onde a pessoa se
dirigia. A festa poderá ser chata, o filme, idem, a peça um fiasco, nosso time
pode perder o jogo de goleada, pode desabar o maior toró na praia, mas nada
disso nos aborrecerá se, por exemplo, ao longo de todo o trajeto tivermos tido
uma excelente companhia, uma pessoa amiga, agradável, divertida, sensível e
inteligente. Ou se tivermos tido a oportunidade de conhecer lugares lindos,
interessantes, aconchegantes e que até então não havíamos percebido.
Se isso de fato ocorrer, qual terá sido o verdadeiro sentido do nosso passeio?
Ir ao evento ou conhecer melhor uma pessoa ou um lugar especial? De repente, o
espetáculo principal pode virar mero pano de fundo para um espetáculo mais
maravilhoso ainda. Quem já não passou por situação semelhante? Quem já não ouviu
alguém comentar: “olha, a viagem teria sido um enorme fracasso se não fosse pelo
fato de que fiz novas e maravilhosas amizades”.
Isso pode acontecer com você, se você se mantiver receptivo e atento ao que
acontece à sua volta, às oportunidades inesperadas que a vida pode lhe
proporcionar. Se você souber e quiser transformar seu trajeto num motivo também
de descobertas, diversões e prazer – ao invés de ficar obcecado pelo ponto de
chegada.
Agora está na hora de falar de trabalho e já vou direto ao assunto.
Se vocês entenderam bem minha analogia do “trajeto”, então permitam-me propor:
por que não considerar o trabalho diário como um dos grandes trajetos da nossa
vida? Nesta proposta, o filme ou o evento se chama realização. E o percurso
pelas ruas, avenidas, no ônibus ou no metrô e tudo o mais, é o nosso cotidiano
profissional, nosso expediente diário. A diferença é que este trajeto
existencial, ao contrário do outro, não tem um tempo de duração previsível. Este
trajeto não acaba no fim da tarde. Pode durar um, cinco, dez, 20, 30 anos. Pode
ir até à aposentadoria.
Pois muito bem: que sentido a vida de um indivíduo terá se ele se permitir que
esse “trajeto” seja feito com angústias, temores, inseguranças, tristezas e
ressentimentos? Por que não fazê-lo com alegria, entusiasmo, esperança, sonhos?
Claro que acidentes de percurso podem acontecer em qualquer dos dois “trajetos”,
um sujeito pode ser atropelado ao dirigir-se a um cinema ou pode ser demitido
após seis meses de trabalho. Mas a verdade é que ninguém conta com isso, nem
espera por isso, desde que se esteja fazendo o melhor, com atenção e zelo.
Este é o ponto a que quero chegar: todo ser humano dispõe de livre arbítrio para
agir como quiser, o que faz com que comportamento seja uma decisão pessoal. Se
você gritar com um colega porque ele gritou consigo, ele terá decidido por você
como você deveria comportar-se e isso ninguém no mundo deve permitir que
aconteça. Se um colega gritar consigo, você decide o que fazer: pode gritar
também ou pode calmamente afastar-se dele. Mas é você quem decide. Como também
decidirá se vai passar o dia inteiro reclamando, de mau humor ou
entusiasmadamente buscando soluções.
Não existem empresas, chefes, nem funcionários perfeitos – porque a base de tudo
é o ser humano e este, por essência e natureza, é imperfeito. Portanto, crises e
conflitos interpessoais – com ou sem gritos – há onde existirem a partir de duas
criaturas. Mas quem souber utilizar corretamente o livre arbítrio, o bom senso,
a paciência, a autonomia sobre seu próprio comportamento e a habilidade de
descobrir o lado bom, positivo e divertido do trabalho, dando-lhe um novo
sentido, poderá cumprir todo o “trajeto” de forma a manter inabalável seu
bem-estar. E assim trabalhará com gosto, porque cada dia será um passo adiante
no “grande trajeto”, que é a própria vida.
Acredito firmemente na possibilidade de um profissional dirigir-se diariamente
ao seu local de trabalho com motivação e disposição. Porque sabe que vai
aprender, ensinar, encontrar amigos, se sentir útil, superar obstáculos, vencer
desafios, juntar-se a uma equipe que o admira - e porque sabe que tem
possibilidade de vencer. E também, claro, porque vai ganhar dinheiro.
Se você quiser, este poderá tornar-se o verdadeiro sentido do seu trabalho ou
dos momentos diários que o constituem. O que poderá promover significativas
mudanças também no sentido da sua vida. Para melhor, acredite.