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Carreira / Emprego - Dar certo fora de casa exige técnica e personalidade 

Data: 13/11/2008

 
 

O que ontem era exceção, hoje está se tornando regra. Transferir temporariamente o profissional para subsidiárias localizadas em estados ou países diferentes das suas raias de atuação é cada vez mais comum.

No ritual de passagem de um local para outro, no entanto, a capacidade técnica e intelectual ainda tem primazia sobre a emocional e intercultural. E é justamente aí que mora o perigo, alertam consultores de recursos humanos.

Antes de investir tempo e dinheiro numa expatriação - que se mal feita pode trazer de volta para a casa um funcionário traumatizado -, vale a pena considerar se o visto psicológico precisa ser renovado para não expirar mais rápido que o do passaporte.

Há dez anos no mercado de realocação de executivos e com uma cartela de mais de 40 companhias, a Living in Brazil, de São Paulo, tem dados que mostram como o malogro na transferência pode ser maléfico para o empregador: cerca de 25% dos repatriados deixam a empresa de origem no prazo de um ano; e esse mesmo índice chega a 50% depois de três anos de retorno.

"Transferir é transplantar; é como tirar um órgão de um corpo e colocar em outro, e isso às vezes não dá certo", pondera Andrea Massoud, diretora da Living in Brazil, que traz, em média, 300 famílias para viver no Brasil anualmente e exporta outras 40, de brasileiros, para o exterior.

Um dos maiores riscos para o profissional que sai do seu hábitat natural é o retorno antecipado, ou antes de 12 meses. A média ideal, segundo consultores, varia de três a quatro anos, levando em conta que o expatriado pode demorar até três anos para se aproximar dos mesmos níveis de produtividade alcançados no local de origem.

Ocorre também de profissionais no topo da hierarquia perderem o status na transferência, demonstrando hostilidade e resistência, que, no limite, geram depressão e sentimento de exclusão, diminuindo de forma drástica a sua performance no trabalho.

Para reduzir os riscos e refinar os métodos de avaliação, a Living faz um "mapeamento de personalidade" dos candidatos. São levadas em conta habilidades como a autonomia dos conhecimentos culturais, com vistas a antecipar as suas reações; a flexibilidade para ser aceito socialmente; a capacidade de visualizar códigos não baseados na escrita; e a resiliência emocional em relação a gafes, por exemplo.

Em novembro, com o suporte de estudiosos de antropologia e psicologia, a empresa vai lançar outros índices, que vão medir a capacidade relacional e interpessoal não só de quem pretende ir para outros países, mas de profissionais que vão se mudar do interior para a capital, ou de um estado para outro. Só depois da avaliação é elaborado um plano de coaching personalizado: "A rigor, todos têm capacidade de adaptação, o que muda é o potencial de cada um", completa Massoud.

No processo bem-sucedido de adaptação ao Brasil do executivo americano Michael Warkentien, de 45 anos, e de sua família, tiveram destaque características da sua personalidade. Além de gostar de viajar, conhecer culturas e de ter domínio da língua portuguesa antes de desembarcar em São Paulo, há sete anos, ele conta que tinha os pés no chão, e não carregava a ilusão de que tudo correria às mil maravilhas.

"Quando se visita a cidade pela primeira vez, a tendência é achar tudo fantástico, já que as pessoas que o recebem são pagas para ser agradáveis e só mostram o melhor. A realidade não é assim", diz ele, que hoje trabalha na Ancor Pet Packaging.

Na opinião de Ulisses Zago, presidente da Genesis Consulting, antes de enviar um executivo para uma missão no exterior é preciso levar em consideração três fatores fundamentais: o passado profissional; as suas pendências e habilidades e o retorno que ele vai dar à empresa num prazo de cinco a dez anos.

Utilizando o método de avaliação de desenvolvimento gerencial (ADG), a empresa mede o poder de persuasão, gerenciamento e perspicácia do candidato, entre outras habilidades, com vistas à montagem de uma proposta de treinamento e desenvolvimento antes da viagem. Para ele, a tomada de decisão deve levar em conta o histórico de diversidade cultural (dentro ou fora do país); a pró-atividade e o dom de atuar como estrategista; o talento em gestão e a facilidade de transmitir conhecimentos (algo que se espera dele na volta).

"Infelizmente, a maioria dos empregadores envia um funcionário para outro local tendo por base apenas uma necessidade do momento, sem refletir sobre uma estratégia para o futuro", diz.

Depois de alguns escorregões que resultaram em desgaste de parte a parte, a Votorantim Cimentos conseguiu chegar a um plano tático para a expatriação de funcionários para os Estados Unidos e o Canadá.

"Passamos a prestar atenção no aspecto comportamental e na capacidade de suportar mudanças, e não somente no talento técnico, como a fluência no idioma e formação acadêmica", atesta Hélcio Gianetti, responsável pela gestão de expatriados da companhia. As novas políticas prevêem a inclusão do parceiro e dos filhos do candidato, incluindo o aprendizado de inglês.

"Uma família que tem de esperar pelo pai até para comprar pãozinho não vai se adaptar nunca", complementa. Deu tão certo que o programa de boas práticas deve se tornar em breve benchmarking para outras empresas da holding Votorantim Participações.

Transferido do Rio de Janeiro para São Paulo, chefe de um expatriado francês e e com a perspectiva de passar uma temporada na matriz da sua empresa, na França, o gerente de marketing da Accor, Paulo Salvador, de 37 anos, fala com conhecimento de causa o que pode minar ou alavancar um executivo em mudança. Além de contar com a compreensão da chefia no processo, aprender o idioma (se for o caso) e entender a cultura corporativa do destino, ele diz que o sucesso depende, antes de mais nada, da inserção na nova cidade como cidadão: "Na transferência, não dá para se comportar como um turista de passagem. Tem de vestir a camisa".



 
Referência: Revistadigital.com.br
Autor: Valor Econômico
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