O que ontem era exceção, hoje está se tornando regra. Transferir
temporariamente o profissional para subsidiárias localizadas em estados ou
países diferentes das suas raias de atuação é cada vez mais comum.
No ritual de passagem de um local para outro, no entanto, a capacidade técnica e
intelectual ainda tem primazia sobre a emocional e intercultural. E é justamente
aí que mora o perigo, alertam consultores de recursos humanos.
Antes de investir tempo e dinheiro numa expatriação - que se mal feita pode
trazer de volta para a casa um funcionário traumatizado -, vale a pena
considerar se o visto psicológico precisa ser renovado para não expirar mais
rápido que o do passaporte.
Há dez anos no mercado de realocação de executivos e com uma cartela de mais de
40 companhias, a Living in Brazil, de São Paulo, tem dados que mostram como o
malogro na transferência pode ser maléfico para o empregador: cerca de 25% dos
repatriados deixam a empresa de origem no prazo de um ano; e esse mesmo índice
chega a 50% depois de três anos de retorno.
"Transferir é transplantar; é como tirar um órgão de um corpo e colocar em
outro, e isso às vezes não dá certo", pondera Andrea Massoud, diretora da Living
in Brazil, que traz, em média, 300 famílias para viver no Brasil anualmente e
exporta outras 40, de brasileiros, para o exterior.
Um dos maiores riscos para o profissional que sai do seu hábitat natural é o
retorno antecipado, ou antes de 12 meses. A média ideal, segundo consultores,
varia de três a quatro anos, levando em conta que o expatriado pode demorar até
três anos para se aproximar dos mesmos níveis de produtividade alcançados no
local de origem.
Ocorre também de profissionais no topo da hierarquia perderem o status na
transferência, demonstrando hostilidade e resistência, que, no limite, geram
depressão e sentimento de exclusão, diminuindo de forma drástica a sua
performance no trabalho.
Para reduzir os riscos e refinar os métodos de avaliação, a Living faz um
"mapeamento de personalidade" dos candidatos. São levadas em conta habilidades
como a autonomia dos conhecimentos culturais, com vistas a antecipar as suas
reações; a flexibilidade para ser aceito socialmente; a capacidade de visualizar
códigos não baseados na escrita; e a resiliência emocional em relação a gafes,
por exemplo.
Em novembro, com o suporte de estudiosos de antropologia e psicologia, a empresa
vai lançar outros índices, que vão medir a capacidade relacional e interpessoal
não só de quem pretende ir para outros países, mas de profissionais que vão se
mudar do interior para a capital, ou de um estado para outro. Só depois da
avaliação é elaborado um plano de coaching personalizado: "A rigor, todos têm
capacidade de adaptação, o que muda é o potencial de cada um", completa Massoud.
No processo bem-sucedido de adaptação ao Brasil do executivo americano Michael
Warkentien, de 45 anos, e de sua família, tiveram destaque características da
sua personalidade. Além de gostar de viajar, conhecer culturas e de ter domínio
da língua portuguesa antes de desembarcar em São Paulo, há sete anos, ele conta
que tinha os pés no chão, e não carregava a ilusão de que tudo correria às mil
maravilhas.
"Quando se visita a cidade pela primeira vez, a tendência é achar tudo
fantástico, já que as pessoas que o recebem são pagas para ser agradáveis e só
mostram o melhor. A realidade não é assim", diz ele, que hoje trabalha na Ancor
Pet Packaging.
Na opinião de Ulisses Zago, presidente da Genesis Consulting, antes de enviar um
executivo para uma missão no exterior é preciso levar em consideração três
fatores fundamentais: o passado profissional; as suas pendências e habilidades e
o retorno que ele vai dar à empresa num prazo de cinco a dez anos.
Utilizando o método de avaliação de desenvolvimento gerencial (ADG), a empresa
mede o poder de persuasão, gerenciamento e perspicácia do candidato, entre
outras habilidades, com vistas à montagem de uma proposta de treinamento e
desenvolvimento antes da viagem. Para ele, a tomada de decisão deve levar em
conta o histórico de diversidade cultural (dentro ou fora do país); a
pró-atividade e o dom de atuar como estrategista; o talento em gestão e a
facilidade de transmitir conhecimentos (algo que se espera dele na volta).
"Infelizmente, a maioria dos empregadores envia um funcionário para outro local
tendo por base apenas uma necessidade do momento, sem refletir sobre uma
estratégia para o futuro", diz.
Depois de alguns escorregões que resultaram em desgaste de parte a parte, a
Votorantim Cimentos conseguiu chegar a um plano tático para a expatriação de
funcionários para os Estados Unidos e o Canadá.
"Passamos a prestar atenção no aspecto comportamental e na capacidade de
suportar mudanças, e não somente no talento técnico, como a fluência no idioma e
formação acadêmica", atesta Hélcio Gianetti, responsável pela gestão de
expatriados da companhia. As novas políticas prevêem a inclusão do parceiro e
dos filhos do candidato, incluindo o aprendizado de inglês.
"Uma família que tem de esperar pelo pai até para comprar pãozinho não vai se
adaptar nunca", complementa. Deu tão certo que o programa de boas práticas deve
se tornar em breve benchmarking para outras empresas da holding Votorantim
Participações.
Transferido do Rio de Janeiro para São Paulo, chefe de um expatriado francês e e
com a perspectiva de passar uma temporada na matriz da sua empresa, na França, o
gerente de marketing da Accor, Paulo Salvador, de 37 anos, fala com conhecimento
de causa o que pode minar ou alavancar um executivo em mudança. Além de contar
com a compreensão da chefia no processo, aprender o idioma (se for o caso) e
entender a cultura corporativa do destino, ele diz que o sucesso depende, antes
de mais nada, da inserção na nova cidade como cidadão: "Na transferência, não dá
para se comportar como um turista de passagem. Tem de vestir a camisa".