É notório que
antes do advento do Plano Real,
os valores monetários, de uma
maneira geral, inclusive os de
aluguel, eram corroídos
diariamente, consumidos pelos
elevados índices inflacionários.
No caso dos aluguéis,
especificamente, essa perda
repercutia mais fortemente no
bolso dos locadores, haja vista
que tais obrigações - salvo
raríssimas exceções previstas na
lei - são quitadas por
pagamentos vencidos, isto é,
feitos após o decurso do período
mensal a que se referem. Dessa
forma, quando recebido, já
estava o respectivo valor
defasado em cerca de 35/40 dias,
considerado o mês correspondente
mais o período de tolerância
usualmente concedido nessa
espécie de contrato. Essa
situação representava para o
locador, dependendo do período,
perda financeira girando em
torno de 40% do valor
efetivamente recebido.
Acresça-se, ainda, o fato de
que essa perda, normalmente, era
ainda maior na medida em que
grande parte dos contratos de
locação, sobretudo aqueles de
natureza residencial, tinham
periodicidade de reajuste de
aluguel semestral, sendo poucos
os casos, mesmo entre locações
não-residenciais e comerciais,
com períodos de atualização
inferior à trimestralidade. Tal
situação resultava,
invariavelmente, em enorme
prejuízo para os locadores, que
sequer recebiam o primeiro
aluguel da locação e de cada
novo período reajustado em
valores plenos, atualizados,
pela razão já antes apontada dos
pagamentos vencidos. Além disso,
e pelo recrudescimento dos
índices de inflação a cada mês,
recebiam os locadores, com
desvalorização muito maior, os
valores dos demais meses, até o
momento do próximo reajuste
contratualmente previsto.
Tal onerosidade excessiva
levava os locadores, após o
término do prazo dos contratos,
e em razão da impossibilidade de
conseguir um acordo honroso para
atualizar o aluguel, quase que
invariavelmente, à propositura
de demandas judiciais
objetivando o desalijo dos
locatários, com fundamento na
denúncia vazia, para, depois de
ultimados os despejos, celebrar
novas locações aos preços de
mercado.
Todavia, nos dias de hoje,
considerada a nova realidade
econômica após os ajustes
decorrentes do Plano Real, com a
queda vertiginosa da inflação
que assolava a moeda nacional,
afligia o país e estava
necessariamente inserida em
todas as propostas, contratos e
obrigações de então, o
proprietário se vê obrigado a
adequar-se à ´lei da oferta e da
procura´ -- é sabido que a
oferta é hoje bem maior do que a
procura - para manter o seu
imóvel alugado, sob pena de
enorme prejuízo, eis que a
vacância de cada imóvel resulta
em perdas geradas não só pela
falta de recebimento do aluguel,
bem como dos pagamentos de
encargos de condomínio, IPTU,
água, telefone, luz, seguro de
incêndio e outros, que,
normalmente suportados pelos
locatários, passam, em tais
períodos, a ser pagos pelos
locadores.
Se assim não procede o
locador, ajustando-se ao
mercado, corre o sério risco de
perder seu locatário justamente
em razão do aumento considerável
da oferta de imóveis, preferindo
o locatário, às vezes,
dependendo da onerosidade da
locação que esteja suportando em
comparação com outras que são
oferecidas, e na hipótese de
irredutibilidade do locador para
eventual composição, até mesmo
submeter-se à regra legal,
normalmente ajustada em cada
avença, e quebrar
antecipadamente o contrato em
vigor a prazo determinado,
pagando uma multa em favor do
locador.
E é exatamente essa devolução
antecipada do imóvel pelo
locatário de contrato que esteja
vigorando a prazo determinado,
que tem gerado acesas
controvérsias nos Tribunais do
País, em razão dos exagerados
valores, às vezes até
exorbitantes, previstos pelos
contratos à título de multa
compensatória para a incidência
da cláusula que autoriza o
locatário à denúncia antecipada
da locação a prazo determinado.
Essa distorção mais se acentua
nos contratos de natureza
não-residencial, onde se
agrupam, também, aquelas
locações destinadas às
atividades do comércio e da
indústria.
Justamente porque são
diferentes as posições do dono
do imóvel e do locatário é que a
própria Lei do Inquilinato, na
sua parte geral, estabelece, no
artigo 4O, que: "durante o
prazo estipulado para a duração
do contrato, não poderá o
locador reaver o imóvel alugado",
prevendo diversamente para o
locatário que: "o locatário,
todavia, poderá devolvê-lo,
pagando a multa pactuada,
segundo a proporção prevista no
artigo 924 do Código Civil e, na
sua falta, a que for
judicialmente estipulada",
sendo certo, ainda, que ficará
liberado de pagar multa se
ocorrerem as hipóteses
relacionadas no parágrafo único
do referido artigo: "o
locatário ficará dispensado da
multa se a devolução do imóvel
decorrer de transferência, pelo
seu empregado, privado ou
público, para prestar serviços
em localidades diversas daquelas
do início do contrato, e se
notificar, por escrito, o
locador com prazo de, no mínimo,
trinta dias de antecedência."
Verifica-se, assim, que a lei
prevê que a multa será pactuada
no instrumento locatício, e, na
sua falta, a que vier a ser
judicialmente fixada.
Como se vê da leitura dos
dispositivos legais acima
transcritos, a Lei do
Inquilinato não prevê o valor da
multa que o locatário deverá
pagar para a rescisão antecipada
do contrato de locação, ficando
a sua fixação a critério
exclusivo das partes
contratantes, com a única
ressalva que se constituí no
princípio de direito de que o
seu valor não exceda aquele da
obrigação principal, de modo
que, muitas vezes, estabelecem
os contratos que o valor da
multa corresponderá ao somatório
dos meses remanescentes para o
término do prazo determinado da
locação, cláusula penal essa
que, obviamente, pela sua
evidente onerosidade excessiva,
frustra qualquer pretensão no
sentido de desocupação
antecipada do imóvel locado.
Parece-nos que a multa
correspondente à totalidade dos
alugueres vincendos não é
consentânea com a intenção do
legislador ! De fato, a regra
legal é nitidamente protetiva do
locatário que, por qualquer
motivo, não possa cumprir o
contrato como pactuado, e a
multa estabelecida em lei há de
ser compensatória para o
locador, mas não verdadeiro
locupletamento deste em desfavor
do locatário, já, naquele
momento, tão atrapalhado com a
própria existência da locação.
Na esteira dessa preocupação,
cuidou a lei, ainda, de minorar
as perdas do locatário na
hipótese da devolução antecipada
do imóvel, tanto que vinculou a
sua fixação à regra do artigo
924 do Código Civil, que prevê
valores decrescentes na
proporção do maior tempo de
efetiva relação contratual
mantida.
Pensamos, assim, que a
previsão que com vezo se
encontra nos contratos, de que a
multa seja igual ao valor dos
alugueres do tempo restante da
locação, está ferindo
frontalmente os objetivos da
lei, o que torna tais
disposições nulas de pleno
direito, sem capacidade de
produzir eficácia no mundo
jurídico, principalmente por sua
flagrante abusividade, ainda
mais evidente nos dias de hoje
quando vigora em nosso
ordenamento jurídico o Código de
Proteção e Defesa do Consumidor,
que, independentemente de ser a
relação jurídica locatícia de
consumo ou não - discussão essa
que não se insere no contexto do
presente artigo --, poderá ser
sempre aplicado, não só em
função da regra de extensão nele
prevista, como, também, devido a
sua natureza abrangente,
considerado por juristas de
escol e vanguarda como uma
SOBRE-ESTRUTURA JURÍDICA
MULTIDISCIPLINAR.
Por isso é que, na prática,
os valores escorchantes a título
de multa penal compensatória,
para as hipóteses de denúncia
antecipada das locações, vêm
sendo questionados pelos
locatários no Judiciário, à luz
do artigo 924 do Código Civil,
que assim dispõe: "quando se
cumprir em parte a obrigação,
poderá o juiz reduzir
proporcionalmente a pena
estipulada para o caso de mora,
ou de inadimplemento."
Tal realidade revela a
ineficiência de cominar multa
excessiva, com o objetivo claro
de impedir que o locatário
exerça uma faculdade que a
própria lei lhe confere, de
devolver o imóvel
antecipadamente, sem falar no
desrespeito aos termos da
própria lei, à intenção do
legislador claramente
manifestada na norma e no enorme
e desnecessário desgaste das
partes contratantes.
Dada a natureza da multa aqui
enfocada, típica cláusula penal
compensatória, que dispensa a
prova do prejuízo sofrido para
ensejar a sua cobrança, bastando
apenas aquela que se refere ao
inadimplemento, foi salutar a
posição dos legisladores no
sentido de não estabelecer, de
imediato, o valor ou mesmo o
percentual da multa, deixando ao
bom senso das partes a sua
fixação.
O que entretanto não se vê,
na prática, na letra fria da
grande maioria dos contratos, é
esse bom senso. Em tese, ninguém
melhor do que as próprias partes
para avaliar, de forma
equilibrada e não onerosa, os
prejuízos que podem advir de um
inadimplemento das obrigações
contratualmente previstas.
Contudo, o hábito do locador
brasileiro de ajustar as
locações com cláusulas leoninas
e excessivamente onerosas, em
razão da extrema proteção que a
legislação dava aos locatários,
acabou por distorcer, de uma
maneira geral, a redação dessa
cláusula, e o feitiço acabou
virando contra o feiticeiro,
porque todas essas questões, que
o bom senso de ambos poderia ter
resolvido, acabaram desaguando
no Judiciário, em prejuízo
conjunto das partes e do próprio
Judiciário, já tão assoberbado
!!!
Assim, na prática,
pretendendo o locatário valer-se
da denúncia antecipada da
locação e encontrando
resistência do locador em
relação a essa intenção e ao
recebimento das chaves,
recusando este receber multa
razoável - que reputamos, de uma
maneira geral, como sendo aquela
que corresponda a três vezes o
valor do aluguel vigente, como
aliás vem sendo reconhecido
pelos próprios Tribunais --,
caberá ao mesmo ajuizar ação de
consignação em pagamento do
imóvel (rectius: das chaves) e
do respectivo valor da multa
contratualmente ajustada, se
razoável, ou, na hipótese
contrária, do valor que
considerar justo diante da
ponderação do caso concreto, que
deverá levar em conta,
sobretudo, o tempo ainda
restante para o final da avença
locatícia.
Vale ressaltar, ainda, que
muitas vezes os contratos de
locação estabelecem uma mesma
multa para a hipótese aqui
versada e para aquelas que se
constituem em infração
contratual. Existe evidente
diferença entre a natureza
jurídica dessas duas situações
e, conseqüentemente, da multa
que devem ensejar, eis que
aquela que se refere à devolução
antecipada do imóvel pelo
locatário consiste no exercício
de um direito previsto em lei e
não na ocorrência, pura e
simples, de uma infração
contratual. Daí a nossa
recomendação para que o contrato
preveja, separadamente, multa
específica para cada uma dessas
hipóteses, sobretudo porque
aquela que diz respeito à
devolução antecipada do imóvel,
antes de findo o prazo
contratual, estará, na forma do
artigo 924 do Código Civil,
sujeita à redução proporcional
em relação ao tempo de locação
decorrido.
Feitas essas considerações,
frise-se que o fundamental, para
evitar contratempos e demandas
desnecessárias, é que as partes
tenham sempre em mente aquela
famosa máxima: é sempre melhor
um mau acordo do que uma boa
briga. Portanto, a melhor
maneira de encerrar um contrato
de locação que esteja vigendo a
prazo determinado será por
intermédio de acordo, que
nascerá do consenso das partes.
No entanto, como sabemos, nem
sempre a alternativa suasória
torna-se possível, de modo que,
na sua impossibilidade, restará
sempre a via judicial, que o
locatário deverá buscar para que
o juiz, através de seu poder
cautelar genérico, possa
restabelecer a comutatividade
contratual, na forma do artigo
924 do Código Civil, arbitrando
a multa de acordo com o caso
concreto.
De qualquer maneira, o melhor
será, sempre, que as partes
prevejam, no momento da
contratação, considerando as
variáveis possíveis, prováveis e
imagináveis, uma multa justa e
equilibrada para a hipótese aqui
tratada, evitando, assim,
desentendimentos desnecessários
quando for imprescindível
aplicar a regra. Como é cediço,
esses conflitos, que, em tese
podem ser evitados, acabam
desaguando no Judiciário, que,
por já estar assoberbado, não
consegue ser ágil no cumprimento
da prestação jurisdicional e,
como conseqüência, na solução
das questões que lhe são
submetidas, aumentando o
dissabor de todas as partes
envolvidas.