O ser humano é considerado um ser social e isso faz com que ele procure a
companhia dos seus semelhantes para formar grupos que possam atender suas
necessidades básicas, inclusive a própria sobrevivência. Mas, a realidade revela
que as relações entre as pessoas podem ser prejudicadas por determinados fatos.
Isso não inclui apenas conflitos decorrentes de personalidades diferentes, de
cultura ou mesmo for falta de simpatia.
Há determinados fatos que podem ocorrer no ambiente de trabalho que geram em
advertências, demissões e até mesmo culminam na Justiça do Trabalho: o chamado
assédio sexual. Esse tema polêmico tem sido foco de muitas discussões tanto no
meio jurídico quanto corporativo, principalmente após a promulgação da Lei n.º
10.224 de 2001, que acrescentou o art. 216-A ao Código Penal Brasileiro,
considerando esse comportamento crime, imputando ao assediador a pena de um a
dois anos de detenção.
“O assunto ainda é muito polêmico nas empresas e nem sequer possui normas
específicas para o seu tratamento adequado”, destaca Aneliza Ulian Zuccarato,
advogada trabalhista do escritório Maluf e Moreno Advogados Associados. Ela
explica que o Brasil adota a Convenção 111 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), que busca o efetivo combate a qualquer tipo de discriminação nas
relações de emprego ou na profissão, de forma que não seja aceita exclusão ou
preferência de raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional
ou origem social. Em entrevista concedida ao RH.com.br, a advogada ressalta
quais as características desse crime e, normalmente, quais os procedimentos
adotados pelos profissionais de Recursos Humanos, diante de uma situação tão
delicada e constrangedora. Leia a entrevista na íntegra e tenha uma ótima
leitura!
RH.COM.BR - O que caracteriza um assédio sexual no ambiente de
trabalho, de acordo com o Código Penal Brasileiro?
Aneliza Zuccarato - Segundo a definição contida no próprio artigo do
Código Penal Brasileiro podemos definir o assédio como o ato de constranger
alguém, com o intuito de obter vantagem sexual, fazendo prevalecer a condição de
superior hierárquico ou ascendência no exercício de cargo, emprego ou função.
RH - Apesar da promulgação da Lei 10.224/2001 que acrescentou o art.
216A ao Código Penal Brasileiro, os casos de assédio sexual nas empresas ainda
são preocupantes para a Justiça brasileira?
Aneliza Zuccarato - Sempre foi uma preocupação da Justiça brasileira
combater este tipo de ocorrência dentro e fora o ambiente de trabalho, motivo
pelo qual o legislador brasileiro resolveu, em 2001, tipificar como crime a
conduta do agente que tem a intenção de obter favorecimento sexual, com pena de
detenção de um a dois anos, além de todas as previsões no âmbito do direito do
trabalho.
RH - Quais as penalidades de quem pratica assédio sexual em uma
organização?
Aneliza Zuccarato - Há diversas formas de se penalizar o assediador. A
mais comum é a advertência, posterior à análise da conduta, pelo Departamento de
Recursos Humanos ou mesmo de uma ouvidoria. Normalmente, depois de esgotados os
recursos, a empresa dispensa esse empregado por justa causa. Porém, há outros
códigos de conduta mais rígidos, que imediatamente após a comunicação da prática
de assédio sexual, dispensam por justa causa o empregado.
RH - Apenas o autor do assédio é passível de sofrer penalidades
perante a Justiça ou a empresa também pode ser "responsabilizada"?
Aneliza Zuccarato - A empresa é sempre penalizada, mais do que o
assediador, já que a primeira atitude a ser tomada pela vítima é o pedido de
indenização por danos morais. Há também os pedidos de rescisão indireta do
contrato de trabalho – situação em que o empregado pede judicialmente sua
demissão, tendo direito a todas as verbas rescisórias, como se tivesse sido
dispensado sem justa causa. Neste caso, se a empresa for condenada a indenizar a
vítima, a organização pode ingressar com uma ação de regresso contra o
assediador, para reaver os valores pagos.
RH - Antes de formalizar uma denúncia de assédio sexual, o
profissional precisa estar respaldado por fatos que devem ser comprovados. O que
a Justiça do Trabalho considera como provas, para esse tipo de caso?
Aneliza Zuccarato - Como muita das vezes o assédio sexual acontece em
local reservado, sem a presença de outros colegas ou parceiros de trabalho,
qualquer prova concreta como e-mails, fotos, correspondência interna,
bilhetes, roupas usadas, rasgadas, vídeos ou mesmo testemunhas que tenham
presenciado o assédio são provas fortes e irrefutáveis para se provar
robustamente o ato de assédio sexual.
RH - Se por ventura, a Justiça do Trabalho comprovar que o denunciante
agiu de má fé e nada ficar comprovado, o que acontece?
Aneliza Zuccarato - Neste caso, se não ficar comprovado que o assédio
realmente ocorreu, a reclamação trabalhista será julgada improcedente, o pedido
de indenização por danos morais ficará prejudicado, e cada caso, dependendo das
circunstâncias, dos fatos e das provas, terá uma conclusão diferente.
RH - Quais os principais tipos de assédio sexual que chegam à Justiça
do Trabalho?
Aneliza Zuccarato - Os principais tipos de assédio que chegam à Justiça
são aqueles cometidos por superiores hierárquicos e entre colegas de trabalho do
mesmo nível. Mas ainda não temos como pormenorizar qual o ato e a prática têm
maior incidência e ocorrência na Justiça do Trabalho.
RH - A Justiça do Trabalho já conseguiu traçar um perfil de quem é
assediador e assediado?
Aneliza Zuccarato - Atualmente, não se tem este perfil traçado, pois o
assédio sexual pode ocorrer entre homens e mulheres, vice-versa e entre pessoas
do mesmo sexo. Depende muito de cada caso, não podemos ainda traçar um perfil de
idade, sexo, estado civil, entre outras características.
RH - Quem denuncia um caso de assédio sexual à Justiça do Trabalho tem
segurança de sigilo, visto que se trata de uma situação constrangedora?
Aneliza Zuccarato - Sim, neste tipo de reclamação trabalhista envolvendo
pedido de indenização em decorrência de assédio sexual, as partes deverão
requisitar que o processo tramite em segredo de Justiça, sendo que somente os
advogados terão acesso ao processo, pois há provas, depoimentos e documentos
sigilosos, muitas vezes constrangedores, principalmente para o assediado.
RH - Se as organizações dessem um tratamento mais adequado ao assunto
instituindo, por exemplo, códigos de ética, a senhora acredita que os casos de
assédio sexual diminuiriam?
Aneliza Zuccarato - Pessoalmente, acredito que as empresas que têm
códigos consigam minimizar a ocorrência do assédio, porém nunca conseguirão que
nenhum fato ocorra; mesmo porque devemos lembrar que muitas vezes a própria
vítima não leva ao conhecimento da empresa que sofreu um assédio. A meu ver, se
as empresas instituírem código de ética e criarem uma ouvidoria ou outro
qualquer veículo em que os empregados possam - sem qualquer constrangimento -
relatar a ocorrência de um assédio, com a garantia de que medidas justas e
eficazes serão tomadas para coibir e reprimir a sua ocorrência. Aí sim podemos
dizer que, para aquela realidade de trabalho, dentro de determinadas empresas,
eles diminuiriam, ou mesmo não ocorreriam mais.
RH - Que outras iniciativas as organizações podem adotar para evitar
que casos de assédio sexual ocorram?
Aneliza Zuccarato - Uma das melhores iniciativas das empresas - além da
criação de uma ouvidoria, órgãos julgadores e elaboração de códigos de ética - é
a conscientização de seus empregados, através da realização de palestras,
veiculação de circulares e portarias, informando as penalidades, os direitos e
os deveres de cada empregado e, principalmente, ser atuante e fiscalizadora na
rotina diária dos empregados.
RH - Diante de uma suspeita de assédio sexual no meio organizacional,
como a área de Recursos Humanos deve proceder?
Aneliza Zuccarato - Isto dependerá muito da forma organizacional do
departamento de Recursos Humanos e das atribuições a ele conferidas.
Normalmente, o departamento ouve ambos os envolvido - assediado e assediador;
relata a ocorrência a um psicólogo, ao superior destes funcionários e ao
departamento jurídico. A decisão de afastamento, transferência de área, setor ou
mesmo cidade, quando existe uma filial, e dispensa por justa causa, deve ser
tomada em conjunto - jurídico - representante da empresa – Recursos Humanos,
dependendo da gravidade do fato e também da vítima e das necessidades da
empresa.