Consumidor - Arbitragem vai resolver problemas de consumo
Você, consumidor, foi lesado porque o produto que adquiriu tem defeito de
fábrica ou porque um serviço não foi bem executado. Embora tenha reclamado, o
fornecedor, pouco zeloso da imagem do seu estabelecimento, nada resolveu.
Conflitos desse tipo geralmente são levados ou ao Procon, que tenta a
conciliação das partes, ou aos Juizados Especiais Cíveis, se a causa não envolve
valores superiores a 40 salários mínimos. Acima desse valor, os casos são
encaminhados à Justiça Comum, onde demoram anos para serem julgados.
Mas há ainda outro mecanismo de mediação de conflitos a que o consumidor pode
recorrer: a arbitragem. Pouco conhecida, consiste em levar a disputa à análise
de árbitros, ou seja, especialistas no assunto e com conhecimento na legislação
aplicável à matéria, mas não necessariamente com formação jurídica. Assim,
tenta-se um acordo e, não sendo possível, o árbitro, que têm status de juiz no
processo, profere a sentença, que tem força de trânsito em julgado (não cabe
recurso) e deve ser acatada.
A vantagem, para a empresa que a propõe, é a redução de custos com o processo,
pois, pela arbitragem, os honorários dos árbitros e outras despesas são
divididos entre as partes (consumidor/fornecedor). Para o consumidor que puder
contratá-la, segundo Luciano Pereira dos Santos, especialista em arbitragem, é a
rapidez na conclusão do caso, “deixando de ficar adstrito à lentidão do
Judiciário”.
A Lei nº 9.307, de 23/9/1996, que regula a arbitragem, prevê que “o prazo para a
apresentação da sentença é de 6 meses, contado da instituição da arbitragem ou
da substituição do árbitro (artigo 23).” “Mas, na maioria das vezes, o caso é
concluído em 20 dias”, afirma Cássio Telles Ferreira Netto, advogado e
presidente do Conselho Arbitral do Estado de São Paulo (Caesp). A entidade
assinou convênio com a General Eletric (GE), que estuda um projeto para submeter
a solução de conflitos com seus consumidores a juízo arbitral, sem a intervenção
do Poder Judiciário.
Experiência bem-sucedida
Segundo Eloy Compagnoni Andrade, diretor-jurídico-corporativo da GE no Brasil, a
empresa sempre elegeu formas alternativas de solução de conflitos e já usa a
arbitragem nas questões comerciais, trabalhistas, contratuais e de serviços, com
grande sucesso. “Agora queremos maximizar esse uso, voltando a arbitragem às
questões relacionadas ao consumo”, ressalta.
A intenção, segundo ele, é a de que o consumidor que concordar com ela tenha
amparo de uma instituição privada – no caso, o Caesp, que auxiliará as partes e
os árbitros no processo – e possa se valer da assistência judiciária gratuita
oferecida pela entidade. “Queremos evitar os processos judiciais, que são
custosos à empresa e desgastantes para o consumidor”, explica Andrade. Na
opinião dele, quem opta pela arbitragem tem mais predisposição em resolver o
conflito, livrando a empresa do pagamento de indenizações, que geralmente
acompanham os processos judiciais como forma de compensar o tempo gasto e a
burocracia enfrentada pelo consumidor.
Embora os detalhes do projeto ainda não tenham sido definidos, a GE cogita,
inicialmente, inserir informativos nos produtos propondo a arbitragem como
resolução de litígios. “Mas nada impede que, posteriormente, o consumidor venha
a assinar um contrato concordando em resolver os conflitos só pela arbitragem,
abdicando da Justiça”, explica Ferreira Netto, do Caesp. Por enquanto, o
convênio com a entidade se limita ao pagamento de uma quantia mensal, que será
usada, segundo o presidente da entidade, para custear a câmara de arbitragem
(espaço físico, serviços de cartório e assistência judiciária) e para o
pagamento dos casos levados ao conselho.
Liberdade às partes
Aos clientes da GE que concordarem em levar a discussão a juízo arbitral não
serão atribuídos ônus, nem com a contratação de advogados nem com o pagamento
dos honorários dos árbitros, que serão totalmente custeados pela empresa.
O consumidor terá liberdade para escolher o julgador, que pode ser mais do que
um, de uma lista oferecida pelo Caesp, ou propor outro representante de sua
confiança, podendo também impugnar o árbitro escolhido pela empresa, se
considerá-lo parcial. Os juízes no processo, segundo Ferreira Netto, recebem
formação especial, de modo que a avaliação seja competente e imparcial, como
prevê a lei.
Ainda conforme explica Ferreira Netto, as partes envolvidas no processo poderão,
livremente, decidir as regras de Direito que serão aplicadas, “desde que não
haja violação aos bons costumes e à ordem pública” (artigo 2º da lei de
arbitragem), e convencionar que a arbitragem seja feita “com base nos princípios
gerais do Direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais do comércio”
(§ 2º, artigo 1º da lei). Além disso, o prazo da sentença, de 180 dias, poderá
ser dilatado, se acharem necessário. “Além do dinamismo e do baixo custo na
resolução do caso, o mérito da arbitragem é dar poder de decisão às partes”,
explica o advogado. Ele lembra que, ainda que o prazo da sentença seja
prorrogado, o tempo não supera o Judiciário, cuja audiência leva meses para ser
marcada pós o registro da reclamação do consumidor.
COMPARE OS PROCEDIMENTOS
Arbitragem |
Ainda que tenham duração máxima de seis meses, a maioria dos
casos é resolvida em 20 dias.
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Os custos do procedimento, até os honorários dos árbitros,
são divididos entre as partes (consumidor/ fornecedor).
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Pelo fato de o árbitro ser um técnico, reduz-se, em tese, a
possibilidade de a sentença proferida ser injusta por falta de
conhecimento do assunto.
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Caso venha a perder o processo, o consumidor não pode
apresentar recursos judiciais, a não ser em caso de fraude no
julgamento.
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Procon |
O procedimento operacional de registro, análise e
encaminhamento das consultas preliminares e reclamações, assim
como sua conclusão, levam 120 dias, podendo ser prorrogáveis
diante da complexidade da questão.
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O atendimento é gratuito e o consumidor não tem nenhum ônus.
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Por ser um órgão administrativo, a instituição não julga; só
faz a intermediação entre as partes, e não há certeza de que o
caso seja resolvido, como na Arbitragem ou no Juizado.
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Não havendo acordo, o consumidor tem de recorrer ao Poder
Judiciário.
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Juizados
Especiais Cíveis |
A conclusão do processo leva, em média, 8 meses.
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Quando as partes não entram em acordo, ocorre o julgamento,
com a solução do caso.
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É gratuito, e o consumidor pode recorrer, sem advogado, em
causa de até 20 salários mínimos.
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Especialistas vêem sua
utilização com ressalvas
Embora o uso da arbitragem nas relações de consumo
seja incipiente no Brasil, ainda há dúvidas sobre sua aplicabilidade, o que é
visto com ressalvas por especialistas em direito do consumidor. Isso porque a
Constituição, em seu artigo 5º, inciso XXXV, prevê que “a lei não excluirá de
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”. “E quem aceita levar
a discussão de um conflito à análise arbitral se compromete a aceitar a decisão,
abdicando de impetrar recursos judiciais, se vier a ser derrotado”, lembra
Adalberto Pasqualotto, presidente do Instituto Brasileiro de Política e Direito
do Consumidor (Brasilcon). “Essa garantia constitucional prevista em cláusula
pétrea não pode ser violada.”
Outra questão apontada pelos especialistas é o modo como a arbitragem possa ser
proposta ao consumidor. Segundo Dante Kimura, assessor-técnico do Procon-SP, a
lei consumerista até estimula, no artigo 4º, inciso V, a criação pelos
fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de
produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de
conflitos de consumo. Mas prevê, no artigo 51, inciso VII, que são nulas as
cláusulas contratuais que determinem a utilização compulsória de arbitragem.
“Por isso, o fornecedor não pode obrigar o consumidor a, quando da compra de um
produto, assinar um contrato ou qualquer outro termo que o obrigue a resolver
conflitos que por ventura surgirem pela arbitragem. Ela deve sempre ser proposta
como uma opção a mais para o consumidor”, explica. “Além disso” – adverte
Pasqualotto –, “nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só tem
eficácia se o aderente (o consumidor, no caso) tomar a iniciativa de instituir a
arbitragem ou concordar com ela (artigo 4º, § 2º da lei de arbitragem).
Portanto, a iniciativa deve ser do consumidor, e não da outra parte.”
Vulnerabilidade desrespeitada
Os especialistas temem, também, pelo desrespeito à hipossuficiência do
consumidor frente ao fornecedor e sobre a independência das câmaras de
arbitragem, que são instituições privadas e, geralmente, custeadas pelas
empresas (como no caso do Caesp, pela GE). Segundo Pasqualotto, no conselho, o
consumidor não tem representante “neutro” – pois se vale da assistência gratuita
oferecida pelo conselho arbitral –, a não ser que contrate um advogado, o que
lhe trará ônus. “Sem contar que o consumidor não tem discernimento para avaliar
a idoneidade dos árbitros para uma auditoria independente, que podem defender o
interesse da empresa em detrimento do seu”, cogita. “O consumidor fica nas mãos
da iniciativa privada (câmara arbitral), que tem interesse pela iniciativa
privada (fornecedor), que é quem a remunera. É um campo minado.”
Na opinião dele, o consumidor deve avaliar se arcar com as custas de um advogado
vale a pena, uma vez que existem opções não onerosas de solução de conflitos,
como o Procon e os Juizados Especiais, a que ele pode recorrer, cujo acesso
também é rápido, existe a segurança de um procedimento judicial enxuto e não
envolve custos. No Procon, segundo Kimura, o procedimento de conciliação
administrativa leva, em média, 120 dias, a partir do registro da reclamação. Já
no Juizado, conforme explica Mônica de Carvalho, juíza-diretora do Juizado
Especial Cível Central, a formalização do processo demora 8 meses, ou seja, o
consumidor espera em média 6 meses pela primeira audiência e 2 meses pela
segunda.
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