Dívidas / Endividado ? - Banco não pode cobrar família por dívida
Cobrar dívida de consumidor que já morreu ou encaminhar seu nome aos órgãos
de proteção ao crédito pelo não-pagamento do débito é, no entendimento de alguns
especialistas em Direito do Consumidor, desrespeitar a imagem do cidadão. “O
nome da pessoa tem valor imaterial, que deve ser preservado tanto na vida quanto
na morte”, opina Arystóbulo Freitas, advogado especializado em Direito do
Consumidor, tomando por base o artigo 5º, inciso X, da Constituição.
Para Fernando Scalzilli, vice-presidente da Associação dos Direitos Financeiros
do Consumidor (Proconsumer), enviar o nome do morto à Serasa ou ao SPC é
denegrir sua imagem. “Sem contar que não há efeito prático, uma vez que a pessoa
que teve o nome ‘sujo’ não poderá responder pelo não-pagamento de suas dívidas”,
explica.
Amaro Siqueira Caetano morreu em abril deste ano e sua família está inconformada
com as constantes cobranças que vem recebendo do BankBoston com relação a uma
dívida que ele deixou, chegando ao absurdo de o setor de cobrança questionar a
empregada da casa para confirmar se Caetano realmente havia morrido.
Quanto à dívida, Maria Amélia César Caetano, mulher de Caetano, só teve
conhecimento ao entregar na agência bancária, pessoalmente, o Atestado de Óbito
do marido e solicitar o encerramento da conta. “O gerente informou-me que meu
marido devia R$ 1.900, entretanto, disse para não me preocupar, pois ele havia
feito um seguro, no valor de R$ 2 mil, que cobriria o débito.” Segundo Maria
Amélia, o gerente garantiu que a conta seria encerrada.
Dias depois, ela começou a receber telefonemas do setor de cobrança do banco e
cartas da Serasa. “Como estava fragilizada, confiei na palavra do gerente e não
pedi nenhum documento confirmando o que havia sido tratado verbalmente”,
queixa-se.
Para Dinah Barreto, assistente de Direção da Fundação Procon-SP, na cobrança de
dívidas o consumidor (ou seus familiares) não pode ser exposto ao ridículo nem
submetido a qualquer tipo de constrangimento. “A mulher do sr. Caetano pode
lavrar Boletim de Ocorrência, pois o banco está violando os artigos 42 e 71 do
Código de Defesa do Consumidor (CDC), que prevê prisão de três meses a um ano e
multa”, orienta. “E nada impede que ela peça, por meio da Justiça, indenização
por perdas e danos morais”, acrescenta Dinah. “Não quero indenização, mas que
parem de me amolar”, implora Maria Amélia.
“Se o sr. Caetano fez o seguro, o banco não pode cobrar de seus herdeiros a
dívida. Mesmo porque o valor do seguro cobre o saldo devedor”, acrescenta
Scalzilli.
Na falta de bens, dívida cessa
Para os casos em que restam débitos, com seguro ou não, Scalzilli explica que a
dívida só cessará se o morto não deixar patrimônio algum. “Se alguém morre e não
tem patrimônio, o débito não pode ser transferido a herdeiros. Havendo
patrimônio, ele será partilhado para que as dívidas sejam cobertas”, diz o
presidente da Proconsumer.
Foi só depois de muito reclamar e encaminhar carta ao JT, segundo Maria Amélia,
que o banco a procurou. “Houve erro operacional e a conta não foi encerrada, por
isso, os juros continuaram sendo cobrados e acumularam. Mas, assim que
detectamos o erro, iniciamos o processo de encerramento da conta, bem como o CPF
do sr. Amaro foi retirado da Serasa”, justifica Cláudio Marcelo de Godoy
Fonseca, do Departamento de Marketing/Qualidade do BankBoston.
Leis |
Artigo 5o
- Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação.
*Constituição Federal
Artigo 42 - Na cobrança de
débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será
submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Artigo 71 - Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça,
coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas
ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor,
injustificadamente, a ridículo ou interfira em seu trabalho, descanso ou
lazer:
Pena: Detenção de três meses a um ano e multa.
*Código de Defesa do Consumidor |
Matéria
publicada na edição de 14/9/2002 do Jornal da Tarde
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