O "A" em forma de triângulo indica um temperamento agressivo e autoritário.
Um "C" enrolado é sinal de egoísmo. O "J" com a perna sinuosa mostra uma pessoa
traumatizada e rancorosa. Para quem acredita na grafologia, as letras podem
revelar a alma de uma pessoa. Essa é uma verdade apregoada há seis séculos por
adivinhos e videntes. Agora, ganhou ares de ciência. Grandes empresas resolveram
usar a grafologia na hora de selecionar novos funcionários. O objetivo é barrar
os candidatos incompetentes, preguiçosos ou desonestos. Como? Sutilezas como
interrupções bruscas, torções ou inclinações acentuadas podem conter revelações
inimagináveis. Basta, para isso, o grafólogo interpretar essas minúcias gráficas
como indícios seguros de uma personalidade inconfiável.
A Rede de Hotéis Othon, com 3,2 mil funcionários espalhados em 18 cidades,
por exemplo, decidiu apelar para a grafologia há quatro anos. "Precisávamos
contratar novos empregados para preencher cargos estratégicos. Cada função
exigia uma personalidade diferente e, para encontrar a pessoa certa, consultamos
um grafólogo", conta a gerente de recursos humanos da Rede Othon, Cristina
Secchin. Ela admite que a grafologia foi decisiva em muitos casos. "Nossa
principal exigência é honestidade. Candidatos foram barrados porque apresentaram
traços de insinceridade na grafia." Segundo os grafólogos, letras retorcidas,
assinaturas com letras muito diferentes do resto do texto e falta de clareza na
escrita a ponto de dar margem a interpretações dúbias são indícios de falta de
sinceridade.
A avaliação grafológica é realizada por empresas especializadas. A mais
famosa delas é a Grafia, do psicólogo Alberto Swartzman, 41 anos, que fez
Pós-Graduação em Grafologia na Universidade Gama Filho, do Rio de Janeiro.
Espécie de guru da interpretação da escrita, Swartzman cobra R$ 100 por
consulta, atende empresas e pessoas físicas e acaba de lançar um livro
(Grafologia - manual prático) para quem deseja se iniciar nos mistérios da
ciência de decifrar as letras. Sua clientela inclui laboratórios farmacêuticos,
lojas de departamentos e companhias de seguro. No total, são mais de 50 firmas.
Nenhum candidato a um posto de trabalho é obrigado a fazer o teste grafológico.
As companhias precisam obter uma autorização por escrito do pretendente ao cargo
para enviar o texto. Antes de responder a cada consulta, Swartzman recebe do
cliente uma descrição pormenorizada das características exigidas para o
preenchimento da vaga. Honestidade e sociabilidade são os itens mais
valorizados.
Mas existem empresas que desejam saber detalhes sutis da personalidade do
candidato ao cargo. Algumas vasculham até mesmo a opção sexual do futuro
funcionário. "Para muitos empresários, o homossexualismo acaba sendo uma
restrição no momento de contratar um empregado", afirma Swartzman. Nesses casos,
o grafólogo lava as mãos. A particularidade não é registrada no relatório sobre
o candidato. "Em geral, faço a observação diretamente ao chefe do departamento
pessoal pelo telefone. A decisão final é da empresa", relata o grafólogo. Mas
como detectar, sem margem de erro, a opção sexual? "Não é difícil. A grafia dos
gays apresenta sinais inconfundíveis, como floreios, coqueterias e excesso de
curvas. Já as lésbicas exibem ângulos pontiagudos nas letras", explica Swartzman.
Em consultas para pessoas físicas, muitas vezes, o grafólogo precisa desvendar
casos de adultério, como se fosse um detetive. "Uma senhora me trouxe um texto
do marido para saber se estava sendo traída. Constatei que ele era, de fato,
desonesto, mas não poderia garantir que era adúltero."
Segredos de alcova não interessam à Price Waterhouse, uma das mais
importantes empresas de auditoria e consultoria do mundo. Mas outros aspectos da
personalidade como sociabilidade, capacidade de concentração e objetividade são
itens fundamentais para a avaliação de futuros empregados. "O principal item é a
sociabilidade. Afinal, trabalhamos sempre em equipe", diz a psicóloga Edna
Godoy, do departamento de recursos humanos da empresa. Ela admite que a
grafologia pode levar a equívocos, caso seja utilizada de modo inadequado. "Para
não cometer a injustiça de recusar um candidato por dados puramente subjetivos,
associamos a grafologia a outros testes. Na realidade, o modo como o candidato
escreve fornece subsídios para validar outras informações obtidas ao longo do
processo seletivo."
Essa cautela é necessária. Entre os psicanalistas, a grafologia é vista com
restrições. "A fala é muito mais importante porque revela atos falhos. A grafia
mostra apenas o temperamento, não a personalidade", analisa a psicanalista
carioca Regina Taccola. "A grafologia funciona apenas como ponto de partida.
Definir a personalidade humana pela grafia é pretensioso demais", reforça
Marlene Dias da Silva, da Sociedade Brasileira de Psicanálise. De fato, nada é
tão simples como parece. Uma letra ascendente que, para o grafologista, sinaliza
ambição desmedida, por exemplo, pode representar um disfarce para um complexo de
inferioridade, segundo a interpretação do psicanalista. "Na realidade, nada
substitui a entrevista com o candidato a um posto de trabalho. As empresas
apelam para a grafologia para economizar tempo. O perigo é estabelecer um
diagnóstico simplista e precipitado", adverte Raquel Zeidel, também da Sociedade
Brasileira de Psicanálise.
A grafologia tem origem curiosa. Ela nasceu no confessionário de uma igreja
na Espanha, no século XIV. O rabino Samuel Hangid costumava aconselhar os fiéis
depois de analisar o modo como eles escreviam bilhetes. Dois séculos depois,
médicos espanhóis e italianos começaram a fazer uma comparação entre a grafia e
o caráter. Surgiram as primeiras tentativas de estabelecer regras de análise da
escrita. A história começou a ficar séria mesmo quando surgiu a primeira escola
de grafologia, em Paris, no século XIX. Depois disso, os grafólogos incorporaram
conceitos de Freud e Jung para interpretar o inconsciente por meio da análise da
grafia. Há casos em que não é difícil perceber uma ambição sem freios. Nas
cartas que o sequestrador Leonardo Pareja - que liderou uma rebelião no presídio
de Aparecida de Goiânia, em Goiás - escreveu à polícia, a letra "M" aparece com
as pernas reforçadas para baixo, o que indicaria forte atração por dinheiro,
afirmam os grafólogos.
Nem sempre uma letra bonita é sinônimo de personalidade harmônica e bem
resolvida. Os especialistas dizem que a beleza do traço tem valor estético, mas
não diz muito sobre o caráter. A caligrafia ilegível, no entanto, demonstra com
certeza que a pessoa tem dificuldades de se comunicar com os outros. Seria um
indício de inadaptação ou mesmo sentimento de inferioridade. Em contrapartida,
quem escreve com excessiva clareza, fazendo questão de sublinhar seguidamente as
palavras, pode no fundo esconder uma carência afetiva. O certo é que a falta de
acentuação e pontuação corretas caracteriza uma personalidade negligente.
A análise da grafia de políticos também pode ser esclarecedora. Nesses casos,
o melhor é atentar para a assinatura. Especialmente se o político é dado a
escrever bilhetinhos, como o ex-presidente Jânio Quadros. Seus recados para
assessores, com recomendações, críticas e elogios, foram sua marca registrada. O
detalhe que chamou a atenção dos grafólogos foi a mania que Jânio tinha de
arrematar a assinatura com um ponto final. Os especialistas dizem que isso é
sinal de autoritarismo. Mas indica ainda que Jânio era uma pessoa desconfiada e
tinha obsessão em ser perfeito. Quando se debruçaram sobre a assinatura do
ex-presidente Fernando Collor, os estudiosos notaram que ele fazia questão de
realçar o sobrenome. Para os especialistas em grafologia, isso é indicativo
certo de vaidade e orgulho.