No momento em que os baby boomers (geração nascida depois do fim da Segunda
Guerra Mundial) começarem a se aposentar e a gastar suas economias, eles
precisarão de novos produtos financeiros que façam seu dinheiro durar mais. É o
que dizem os conferencistas presentes ao recente Congresso de Impacto da Wharton
intitulado ?Gerindo o dinheiro da aposentadoria: como posicionar, investir e
gastar seus ativos?. O congresso tratou de padrões emergentes de gastos durante
a aposentadoria e discutiu novas idéias para ajudar os aposentados a administrar
suas finanças depois de deixar a ativa.
De acordo com Olivia S. Mitchell? diretora executiva do Conselho de Pesquisa
de Pensão da Wharton (Pension Research Council), e diretora do Centro Boettner
de Pesquisa sobre Pensões e de Aposentadoria (Boettner Center for Pensions and
Retirement Research), patrocinadores do encontro ? há um volume substancial de
pesquisas sobre a eficácia da poupança para fins de aposentadoria e sobre a
transição dos planos tradicionais de pensão para programas que permitem ao
interessado escolher a solução mais adequada ao seu caso. Agora que a geração
dos boomers está prestes a se aposentar, os analistas começam a se preocupar com
a forma como as economias desses indivíduos será gasta.
?Decidimos que era hora de voltar nossa atenção para a fase de ?desacumulação?
da seguridade dos aposentados?, disse Mitchell. ?O foco hoje é no futuro. Como
essas pessoas encaram, ou deveriam encarar, a gestão do seu dinheiro agora que
estão aposentadas??
Fornecedores de serviços financeiros, pesquisadores e órgãos reguladores ?têm
dedicado muita atenção à parte de ?acumulação? do ciclo de vida ? insistindo com
as pessoas para que poupem mais para a aposentadoria e diversifiquem suas
economias?, disse. ?Falta, infelizmente, uma análise coerente da gestão de risco
durante a fase de gastos da aposentadoria.?
Uma das formas de o aposentado lidar com esses gastos consiste em voltar a
trabalhar. Entre um terço e metade de todos os trabalhadores que se aposentam
integral ou parcialmente voltam a trabalhar de uma ou de outra forma, explica
Swin Chan, diretora adjunta de Políticas Públicas da Robert F. Wagner Graduate
School of Public Service, da Universidade de Nova York. Chan apresentou um
estudo elaborado por ela em parceria com Ann Huff Stevens, professora de
Economia da Universidade da Califórnia, em Davis, intitulado "A aposentadoria
está passando por uma reformulação? Fatos sobre padrões de mercado de trabalho
em idades mais avançadas."
"Quando pensamos em aposentadoria, a idéia que nos vem à mente é mais ou
menos a seguinte: trabalhe, trabalhe, trabalhe e se aposente", disse Chan.
"Contudo, muita gente opta por uma aposentadoria mais gradual, reduzindo o
volume de trabalho antes de abandonar permanentemente a ativa. Há também pessoas
que invertem o processo, reintegrando-se à força de trabalho depois de se
aposentarem."
O retorno à força de trabalho se dá por meio de empregos chamados de
"empregos-pontes", que podem durar até cinco anos. Os indivíduos parcialmente
aposentados passam de 16 horas por semana a 40 semanas ao ano nesse tipo de
atividade, observa Chan. A decisão de voltar ao trabalho pode também alterar os
padrões de investimentos da aposentadoria, disse ela. "Alguém pode se dispor a
embarcar em um portfólio mais arriscado logo que se aposenta, sabendo que pode
voltar ao mercado de trabalho pouco mais à frente."
Menos gastos com alimentação e mais com entretenimento
Apesar da preocupação com os níveis de poupança dos aposentados, Erik Hurst,
professor de Economia da Graduate School of Business, da Universidade de
Chicago, assinala que a maior parte - ou quase todos - os trabalhadores
americanos parecem estar poupando o suficiente para uma aposentadoria segura.
Hurst disse que a queda no consumo logo depois da aposentadoria não é prova de
que os aposentados tenham economizado pouco; pelo contrário, ele constatou que
boa parte da queda nos gastos está concentrada em categorias de trabalho
relacionadas, sobretudo transporte, vestuário e consumo de alimentos fora de
casa. Com base em registros diários de monitoramento de gastos com alimentação e
ingestão de nutrientes, Hurst concluiu que os aposentados gastam mais tempo em
casa produzindo alimentos a um custo menor do que no trabalho. Ao mesmo tempo,
observou, há um aumento no gasto com entretenimento. "Eles estão comendo menos
fora, mas continuam a jogar golfe com a mesma freqüência."
Hurst disse que, apesar de todas as descobertas feitas, pode haver uma fração
substancial de aposentados que não economizou o bastante para uma aposentadoria
confortável. Com relação aos gastos com alimentação, os que estão no quartil
inferior de riqueza acumulada para uso durante a aposentadoria tiveram quedas de
mais de 30% nesse segmento, ao passo que os indivíduos situados nos níveis
superiores da escala tiveram quedas de 9% a 14%.
Os que abandonam a força de trabalho repentinamente, talvez por motivo de
saúde, podem também ter declínios mais acentuados nos gastos que podem estar
associados a outros fatores além do fim de sua vida ativa, acrescentou Hurst. "A
média dos indivíduos parece planejar bem. Há, porém, um segmento - talvez de
mais de 25% - que não planeja tão bem assim e, portanto, deverá gastar menos,
talvez em decorrência de problemas de saúde. Deve-se procurar identificar esses
indivíduos e de que forma se comportam."
A maior fatia do patrimônio líquido de muitos aposentados está atrelada à sua
casa. Os aumentos significativos observados nos preços dos imóveis despertaram o
interesse pela forma como os aposentados poderão recorrer a esse ativo para
financiar sua aposentadoria.
O valor do imóvel residencial subiu cerca de 40% entre 2000 e 2005. A casa é
um patrimônio que, de modo geral, representa mais de 60% do patrimônio líquido
do indivíduo, conforme explica Todd Sinai, professor de Bens Imóveis da Wharton,
e Nicholas Souleles, professor de Finanças. Ambos analisaram o percentual do
valor do imóvel que poderia ser usado na aposentadoria em um estudo intitulado
"Patrimônio líquido e valor do imóvel durante a aposentadoria". [O valor a que
se refere o título do estudo é o que se conhece como equity, isto é, a diferença
entre o valor atual da casa e o valor da hipoteca paga pelo indivíduo].
Não importa o quanto o imóvel desses indivíduos se valorize, observou Sinai,
o aposentado ainda precisa gastar alguma coisa com ele depois que pára de
trabalhar, mesmo que ele venha a vender o imóvel e embolse o montante
correspondente à valorização de sua propriedade.
Para avaliar quanto do valor do imóvel estaria disponível para o consumo
relacionado a outros itens da aposentadoria, Sinai e Souleles construíram dois
modelos. Usando os programas atuais de hipoteca reversa antes da incidência de
taxas, os estudiosos concluíram que um aposentado de 90 anos poderia gastar até
75% do valor de sua casa, enquanto um aposentado de 65 anos poderia consumir
metade desse valor. De acordo com outro modelo baseado em uma hipoteca reversa
ideal de liquidez máxima, essa faixa é maior. Aos 90 anos, o valor da casa
disponível para consumo saltaria para 84%, ou cerca de 94.000 dólares, ao passo
que um aposentado médio de 65 anos poderia recorrer apenas a 34% do valor do seu
imóvel, ou cerca de 36.000 dólares. O estudo assinala que 15% desses lares não
teriam essa possibilidade.
"Tivemos um aumento considerável no valor das casas, o que levou a um aumento
do patrimônio líquido, mas nem todo esse valor pode ser consumido", concluiu
Sinai. "Temos de levar o seguinte em conta: a fração consumível não teve
alteração, embora haja uma mudança real no montante disponível às pessoas de
mais idade em decorrência da elevação dos valores da moradia."
Vivendo até 110 anos
Boa parte da pesquisa apresentada no congresso preocupou-se em mostrar como
evitar viver além do que se tem durante a aposentadoria. Mitchell observou que
as anuidades cumulativas existem já há algum tempo, mas pouca atenção tem sido
dada às anuidades de pagamentos, ou contratos financeiros que asseguram uma
renda estável durante o tempo de vida do consumidor.
"Agora que os boomers estão prestes a se dar conta de que a aposentadoria não
é mais um sonho, e sim uma realidade, deve-se avaliar de que modo as pessoas
poderão evitar de gastar mais do que possuem?, disse ela. ?Para isso, uma
anuidade de renda para toda a vida atrelada à inflação deve desempenhar um papel
importante na carteira de muitos boomers. O problema consiste primeiramente em
fazê-los entender isso, e quanto tempo sobreviverão à aposentadoria; em segundo
lugar, que tipo de proteção buscar para uma vida extremamente longeva. Só então
será possível fazer com que os boomers levem o risco da longevidade a sério.
Pessoalmente, planejo viver até os 110 anos! E isso me preocupa."
Mitchell analisou uma parte desse "enigma da anuidade" em um estudo escrito
por ela em parceria com Jeffrey R. Brown, professor de Finanças, e Marcus Casey,
candidato ao doutorado em Economia, ambos da Universidade de Ilinóis, em
Urbana-Champaign, intitulado "Quem dá valor à anuidade do seguro social? Novas
evidências do estudo sobre saúde e aposentadoria".
Brown ressaltou a "falta de conexão" entre o valor das anuidades pagas ao
contratante até sua morte e falta de interesse em adquiri-las. Essa falta de
conexão se tornará cada vez mais importante à medida que os planos de
aposentadoria com benefícios definidos que garantem a renda ao longo da vida
forem perdendo força e não forem substituídos pelo mercado voluntário de
anuidade, disse ele. "As pessoas terão de começar a descobrir a importância das
anuidades." Na prática, a Seguridade Social é uma anuidade, ?mas fora isso,
pouca gente usa as anuidades na aposentadoria".
Brown apresentou diversas explicações para a demora na aceitação dos produtos
de anuidade atuais. Entre outros:
• Seus preços são considerados altos pelo público;
• Há o desejo de transferir as economias para os herdeiros;
• Necessidade que tem o consumidor de liquidez para se proteger de
surpresas com gastos médicos;
• Tendência dos aposentados de adiar a reflexão sobre a morte;
• Dependência dos benefícios da Seguridade Social;
• Inexistência de artifícios de proteção contra a inflação nos produtos
mais interessantes.
"Contudo, o enigma persiste", disse Brown. "No fim das contas, a pesquisa
continua sem explicar por que os aposentados demoram para aceitar a anualidade."
Os autores entrevistaram os participantes do Estudo sobre Saúde e
Aposentadoria de 2004 e pediram a 1.000 pessoas entre 50 e 64 anos que se
imaginassem com 65 anos e recebendo 1.000 dólares ao mês em benefícios do Seguro
Social. Elas estariam dispostas a reduzir o benefício para 500 dólares ao mês
para receber um pagamento único no valor de 87.000 dólares? Os pesquisadores
ficaram surpresos em constatar que praticamente 60% dos entrevistados disseram
que aceitariam receber esse montante em vez dos pagamentos da Seguridade Social
pelo resto da vida. O público entrevistado demonstrou, sem dúvida alguma, uma
certa sensibilidade aos preços; consumidores avessos ao risco valorizam a
anuidade paga ao longo de toda a vida indexada à inflação de 20% a 50% a mais do
que seu valor atuarial. No entanto, um aumento no preço de 25% seria suficiente
para induzir 11% do público a aceitar o montante único. O levantamento foi feito
antes da discussão ocorrida em 2005 em torno da sustentabilidade do programa de
Seguridade Social, de modo que os participantes não tiveram de responder se
acreditavam na possibilidade de redução dos benefícios.
Mercado: um campo de batalha
Às vezes, o mercado de remuneração de aposentados parece um campo de batalha
em que os boomers são aconselhados a aderir integralmente à anualidade, ou
evitá-la por completo, diz Mitchell. E acrescenta: "Nossa pesquisa, e a pesquisa
de outros colegas, indicam que talvez haja espaço para compromisso, o que
deixaria os consumidores em uma situação muito melhor."
Alguns dos produtos que poderiam desempenhar esse papel são as anuidades com
impostos diferidos e as de nível duplo - que pagam mais no caso de incapacidade
e de necessidade de cuidados médicos no lar -, pagamentos atrelados à inflação e
anuidades variáveis, dando ao investidor acesso às ações do índice utilizado
mesmo em caso de aposentadoria. Planos de saque graduais também podem se
beneficiar de mecanismos de proteção contra a inflação por meio de Títulos do
Tesouro Protegidos contra a Inflação (TPIS), disse Mitchell.
Uma nova estratégia para a gestão do risco financeiro dos aposentados pode
ser a estratégia do "cofre compartimentado" proposta por William F. Sharpe, um
dos fundadores da Financial Engines e professor emérito da Graduate School of
Business da Universidade de Stanford, laureado com o Prêmio Nobel de Ciências
Econômicas por seu trabalho no desenvolvimento de modelos que auxiliem a decisão
de investimento. Sharpe liderou a apresentação de um estudo intitulado
"Estratégias financeiras para uma aposentadoria eficiente", escrito em parceria
com Jaon S. Scott, diretor do grupo de pesquisa e desenvolvimento da Financial
Engines, e John G. Watson, fellow da consultoria Financial Engines,
especializada na área de aposentadoria.
Sharpe desafiou as regras de poupança e de gastos para aposentadoria
comumente aceitas e utilizadas pelos estrategistas financeiros, como a regra do
"4%", segundo a qual o aposentado pode consumir um valor real igual a 4% de sua
poupança inicial, contanto que invista de 50% a 75% de sua carteira em ações.
"Ao analisar algumas das regras mais difundidas pelo ângulo da economia
financeira, sinceramente não gostamos muito do que vimos", disse Sharpe.
O problema das estratégias tradicionais de seguridade para aposentados é que
elas se dividem em duas partes: uma estratégia de investimento e uma política de
gastos, disse. "A verdade é que ambas precisam estar interligadas e integradas.
Enquanto isso não acontecer, os resultados não serão os que seu cliente merece."
A equipe de pesquisa de Sharpe propõe então uma estratégia de "cofre
compartimentado", em que frações da riqueza inicial são alocadas em contas
virtuais, ou cofres. O dinheiro de cada cofre é investido de forma independente.
Ao longo do ano, o aposentado gasta somente o conteúdo do cofre específico
daquele ano. "O ponto a ressaltar é que cada cofre tem uma estratégia cuja
eficiência depende de seu ano de vencimento. Portanto, a coisa toda funciona de
forma muito eficiente."
Sharpe disse que o conceito de "cofre" também oferece proteção contra
problemas relacionados à idade, à poupança e aos gastos com aposentadoria. "A
estratégia do cofre maximiza a utilidade esperada em minha idade atual e a
compara com a idade que terei daqui a 20 anos - ou quando eu estiver morto. Não
quero esperar até chegar lá porque aí então já estarei babando e não saberei o
que significa essa utilidade. Essa estratégia me permite pensar agora sobre mim
no futuro e agir in loco parentis (no lugar dos pais) a favor do meu eu idoso e
senil."
Mtchell observou um certo otimismo em relação ao desenvolvimento de produtos
futuros que será útil na gestão de risco da aposentadoria. "A pesquisa de gestão
de risco vem levando os fundos mútuos e as seguradoras a cooperarem no segmento
de aposentadoria para com isso atender melhor o interesse dos aposentados tanto
no que diz respeito ao acesso ao mercado de capitais quanto a concessão de
garantias mínimas?, disse. ?No futuro, deve crescer o interesse por produtos
diferidos - por exemplo, fluxos de renda garantidos que entrem em ação no
momento em que o aposentado atingir uma idade específica, aos 75 ou 85 anos."
Mitchell ressaltou que na Alemanha e no Reino Unido, as anuidades diferidas
foram impostas pelo governo para evitar que as pessoas ficassem sem dinheiro
cedo demais.
Em suas últimas observações no congresso, Mitchell incentivou os
pesquisadores a empregar seus talentos nessa área e disse: "O que queremos
dizer, portanto, não tem a ver com uma decisão do tipo ?ou isto ou aquilo? -
isto é, não se trata apenas de contratar uma anuidade ou um investimento. Há um
conjunto muito mais rico de inovações financeiras para um mundo de indivíduos
cada vez mais velhos que temos de ajudar a integrar ao mercado global."