Introdução
A indústria farmacêutica é um dos empreendimentos mais lucrativos de todo o
mundo, a tal ponto que os investidores estão deslocando dinheiro de outros
setores para aplicar em laboratórios farmacêuticos. Quem paga esse lucro são os
doentes e os idosos, escravos dos tratamentos cada vez caros.
``A BOLSA OU A VIDA" , frase que os ladrões antigos
utilizavam, mostra bem a realidade da exploração social a que chegaram as
multinacionais e industriais brasileiros a ela vinculados. A extorsão é
evidente, não existe dó nem piedade dos donos da ciência moderna. "A bolsa ou a
vida" talvez seja a frase que melhor descreve a indústria farmacêutica de ponta.
Isso é fácil de entender: enquanto a tecnologia barateia custos de produtos
em todos os ramos, os medicamentos são vendidos a preços cada vez maiores. As
pesquisas modernas têm melhor produtividade e estão mais baratas do que
antigamente, e os novos medicamentos estão sendo mais rapidamente
comercializados.
O preço dos remédios não tem nada a ver com investimentos em pesquisa. O
monopólio do tratamento permite que a indústria farmacêutica fixe preços
altíssimos; ou o doente paga ou não pode se tratar. No atendimento à saúde,
todos ganham, apenas o consumidor paga.
Portanto, ou o consumidor se defende, com todos os recursos
possíveis, ou ninguém vai lutar por ele. Neste parecer, tentamos explicar
procedimentos legais que o paciente deve tomar na defesa de seus direitos.
Em 1999, quando os médicos começaram a receitar pelo nome
genérico, houve queda de 20% do lucro das indústrias multinacionais. Em
princípio, médicos e farmacêuticos são aliados de seus pacientes, preocupando-se
com eles.
As indústrias farmacêuticas reagiram ao prejuízo, iniciando "campanha
antigenéricos" milionária, assinada pela ABIFARMA, confundindo médicos,
farmacêuticos e a população. Políticos e governantes influenciados pela
indústria, sabe-se lá a que preço, emitiram decretos e resoluções de interesse
social e/ou constitucionalidade duvidosa.
Médicos e farmacêuticos foram os principais defensores da LEI DOS GENÉRICOS,
estimulantdo o receituário pelo nome genérico. Mas podem existir profissionais
que tratam o paciente sem a devida consideração, e o consumidor deve estar
atento contra esse tipo de mau atendimento.
Nessa guerra dos genéricos, o consumidor tem que se defender contra quem o
explora.
Exija do médico a receita pelo nome
genérico
É posicionamento ético das associações médicas a responsabilidade do médico
em cooperar com o paciente na aquisição de medicamentos compatíveis com seu
orçamento. Não basta receitar remédios, é preciso que o paciente tenha condições
de os obter; para isso, é fundamental o receituário pelo nome genérico.
A receita pelo nome genérico permite ao consumidor escolher, dentre produtos
semelhantes, o que melhor lhe agrade. O médico pode vir a indicar sua
preferência de remédio, desde que saiba descrever seus motivos de sua escolha.
Não existe diferença de qualidade entre os medicamentos registrados no Brasil e
o médico não tem competência legal para avaliar ou supor qualidade. Pouco
importa se são ``inovadores", ``similares" ou ``medicamentos
genéricos".
Há quase cinquenta anos a Organização Mundial da Saúde recomenda a receita pelo
nome genérico. Essa identificação é fundamental sob o ponto de vista médico,
indepedente de qualquer ligação com preço, pois é o principal meio de
identificar interações medicamentosas e efeitos adversos.
Proteja-se, exija a receita pelo nome genérico.
Guarde a receita
A receita é o principal - e geralmente único papel - que contém as
explicações certas de como tomar o medicamento. Por isso, pertence ao paciente,
tem que ser guardada e tem que ser lida e relida face a qualquer dúvida de como
tomar o remédio.
Às vezes ocorre troca do remédio na farmácia: o médico receita um, a farmácia
entrega outro com nome parecido. Convém sempre verificar. Quando o paciente
consulta mais de um médico, com especialidades diferentes, cada um precisa saber
o que o outro profissional receitou. Quando tratamento não dá certo, quando é
necessário voltar ao mesmo médico (que pode ter se esquecido ou se enganado no
que escreveu) é conveniente rever a receita antiga.
A receita é o "seguro saúde" indispensável para que o paciente tome o remédio
corretamente. Reter a receita médica é um crime contra a orientação do paciente.
Não permita que ela seja retida, ou tire uma cópia, e procure identificar quem a
reteve.
Mas, nessa guerra dos genéricos, a receita passa a ter outros valores. Sabe-se
que a receita pode ser influenciada por brindes dos laboratórios e, nesses
casos, onde o agrado do médico ao laboratório prevalece sobre o interesse do
paciente, a receita é um documento que pode e deve ser utilizada contra o
médico.
A propósito, no item "Orientação aos profissionais" aconselhamos a médicos e
dentistas o melhor modo como deve ser feita receita: pelo nome genérico e sem
vínculo com a indústria farmacêutica.
Por exemplo, considera-se "RECEITA MARCADA", a que é caracterizada pela "prescrição
de um única marca" ou "prescrição pelo nome genérico seguida do nome de
um laboratório farmacêutico". O médico tem grande poder de influência sobre
o paciente, pois este tem medo de não se curar. Assim, o paciente segue
cegamente a receita. O paciente não sabe qual remédio é importante ou não: se o
médico receitou, ele vai comprar o remédio.
Mas se o médico recebeu qualquer brinde do laboratório ao qual ele deu
preferência ele estará usando o dinheiro do paciente para retribuir um favor.
Legalmente, ele pode estar cometendo crime de estelionado: pode ser preso. Sob o
ponto de vista ético, ele estará praticando dicotomia (divisão de dinheiro do
paciente com o produtor do medicamento): pode ser suspenso pelo Conselho
Regional de Medicina ou pode até mesmo perder o diploma.
Sabe-se que nem todo tratamento dá certo, mas sabe-se também que nem sempre o
médico acerta o tratamento. Se o médico agiu de forma ética, faz parte da vida
profissional não ter êxito em todos os pacientes que trata. Mas se o médico
emitiu uma "receita marcada", ele deve responder pelo insucesso do tratamento.
Por que insistir em um único laboratório para um remédio que não funcionou?
Assim, caso o paciente receba uma receita com restrições de aquisição do
medicamento, ele deve guardar essa receita para posterior uso em ações judiciais
contra o médico. Deve pedir, na Justiça, o reembolso do dinheiro gasto e
indenização por perdas e danos do insucesso no tratamento.
Por outro lado, o governo tem a obrigação constitucional de dar atendimento à
saúde da população. O governo tem que dar o remédio gratuitamente; por exemplo,
pacientes que moveram ação judicial contra o governo em casos de tratamentos
mais caros (por exemplo ribavirina) acabaram recebendo o remédio de graça.
O mesmo tem de acontecer aos medicamentos que eram baratos mas que, por causa da
permissividade do governo tiveram seus preços elevados. Se o governo tem acordo
com indústrias, tem também a obrigação de dar o remédio ao consumidor.
Se cada consumidor fizer sua reclamação no PROCON, na polícia ou na Justiça,
serão milhares ou milhões de ações judiciais contra governo, ou profissionais da
saúde, ou contra farmácias ou contra indústrias. É o único meio legal do
consumidor não ser explorado.
Guarde a receita e não tenha medo de usá-la, na polícia e na Justiça, se sentir
que seus direitos não foram respeitados. Se possível, exija o reembolso de seus
gastos.
Conclusão
A insistente exigência dos consumidores da RECEITA PELO NOME GENÉRICO é
fundamental para que esse salutar tipo de uso racional de medicamentos se torne
uma realidade brasileira.
Mas não basta apenas conversar com o médico. GUARDE A RECEITA e use-a como
documento judicial.
Defenda-se: se você não der sua bolsa para a indústria farmacêutica, seus
dirigentes não se importam que você perca sua vida.
Tanto no caso do ladrão comum como no crime de abuso econômico por
dirigentes (presidentes e funcionários) da indústria farmacêutica - "a bolsa ou
a vida" - a única defesa do consumidor é recorrer à polícia e Justiça.
Antonio Carlo Zanini - médico,
consultor da Organização Mundial da Saúde e ex-secretário nacional de Vigilância
Sanitária. Foi o introdutor da nomenclatura genérica na legislacão brasileira,
em 1981, seguindo-se a DCB (Denominações Comuns Brasileiras) em 1983