Os fundos quantitativos compram e vendem ativos sem a interferência de gestores
humanos - e costumam gerar bons lucros quando a bolsa entra em tendência de
queda
Central de servidores: máquinas decidem quando comprar e vender ativosNo
cinema, já virou clichê abordar o avanço da tecnologia como uma ameaça ao ser
humano. Desde a primeira filmagem de Frankenstein, passando por 2001:
Uma Odisseia no Espaço até se chegar a Matrix, a desconfiança de
que as máquinas pudessem se voltar contra seus criadores foi um tema recorrente
nas telas. De certa maneira, a discussão nasce da percepção de que o avanço da
tecnologia veio acompanhado de várias ameaças à humanidade, como a perda de
empregos, a poluição das cidades e o aquecimento global. No mercado de trabalho,
muitas profissões deixaram de existir e outras - como cortadores de cana,
frentistas ou cobradores de ônibus - só sobrevivem amparadas por acordos
político-sindicais. Mas não são apenas os trabalhos manuais que foram colocados
em xeque pela tecnologia. Um supercomputador já desafiou - e venceu - o maior
enxadrista do mundo. No mercado financeiro, os operadores do pregão viva-voz da
bolsa deixaram de existir. E nem os gestores dos bilhões de reais aplicados em
fundos de investimento podem dormir tranquilos.
No mundo todo, já existem milhares de fundos conhecidos como quantitativos,
em que todas as ordens de compra e venda de ativos são disparadas
automaticamente por servidores sem a interferência do ser humano. Apesar de os
gestores de recursos estarem entre os profissionais mais qualificados e
bem-remunerados do mercado de trabalho de qualquer país, os servidores
produzidos atualmente possuem uma capacidade de armazenamento e processamento de
dados muito maior do que a do ser humano. Além disso, não sentem a dor da perda,
não são gananciosas nem sucumbem à soberba nos bons momentos. "A grande vantagem
desses fundos é tirar a emoção do gestor na tomada de decisão", diz Alexandre
Silvério, superintendente de fundos de renda variável e multimercados do
Santander, o primeiro grande banco a lançar um fundo quantitativo no Brasil.
A presença da inteligência humana nesses fundos, entretanto, é bem maior do
que se pode supor. Na MAN Investments, por exemplo, uma equipe de 116 pessoas -
entre matemáticos, estatísticos e físicos - é responsável por
desenvolver modelos sofisticados que serão rodados em computadores para
determinar onde serão investidos nada menos do que 22 bilhões de dólares. Criado
em 1987, o AHL, fundo quantitativo da MAN, é um dos mais antigos e maiores de
sua categoria no mundo. Jorge Rodrigues, gerente regional para a América Latina
da MAN, explica que o segredo da longevidade é adaptar constantemente os
modelos usados pelos computadores às mudanças do mercado. Além da equipe
própria, o fundo possui um escritório dentro da universidade de Oxford onde
aproveita a presença de alguns dos maiores cérebros do Reino Unido para a
atualização constante das fórmulas.
A própria origem dos fundos quantitativos remonta à universidade. Na década
de 70, os físicos Doyne Farmer e Norman Packard, da Universidade da Califórnia,
criaram modelos estatísticos para vencer nas roletas em Las Vegas. O que começou
nos cassinos evoluiu para a criação de uma empresa de gestão de recursos no
mercado financeiro na década seguinte. A Prediction Company fez tanto sucesso
que acabou avaliada em mais de 1 bilhão de dólares quando foi vendida ao banco
suíço UBS.
Mas qual é o segredo?
Os fundos quantitativos usam centenas de modelos matemáticos diferentes para
ganhar dinheiro no mercado. Há, no entanto, três estratégias que norteiam a
maioria desses fundos. A primeira é a dos seguidores de tendência. Sempre que o
computador identifica que uma ação, commodity ou contrato futuro entrou em
tendência de alta, por exemplo, dispara uma ordem de compra daquele ativo. A
máquina também pode operar vendida se o viés for de baixa. Quando não há uma
tendência muito definida, o fundo tende a ficar de fora do mercado. E as perdas
ocorrem quando há a reversão de um movimento de alta ou baixa.
Esse tipo de estratégia é bastante interessante em momentos de baixa no
mercado acionário. Tanto que os fundos quantitativos apresentaram resultados
excelentes em anos ruins para a bolsa como 2001 e 2008. Por esse motivo, são
bastante indicados para investidores que usaram parte de seu dinheiro para
comprar ações, mas querem estar protegidos caso a alta esperada não se
materialize. "Como não há uma correlação entre os resultados da bolsa e dos
ativos que compramos, nosso fundo acaba servindo de hedge", explica Jorge
Rodrigues, da MAN. "Recomendo que 10% a 20% do dinheiro do cliente destinado à
renda variável seja investido em um fundo como o AHL."
A estratégia só não funciona com ativos de baixa liquidez. Quando um contrato
é pouco negociado, um único investidor pode criar uma tendência artificial de
alta se começar a comprar grandes lotes desse papel. A restrição à liquidez é um
dos motivos que levam à pequena representatividade dos fundos quantitativos na
indústria financeira brasileira. A maior parte dos fundos nacionais desse
segmento têm patrimônio líquido inferior a 100 milhões de reais. Mesmo os "quants"
estrangeiros que captam recursos no Brasil costumam aplicar o dinheiro fora do
país, em bolsas e ativos mais líquidos. Entre os poucos contratos futuros que
servem para estratégias quantitativas estão os de juros, dólar e Ibovespa
negociados na BM&F.
A segunda grande estratégia dos fundos quantitativos é conhecida como
"arbitragem estatística". O computador é alimentado com dados de negociações de
vários ativos e busca distorções entre as cotações atuais e as médias históricas
. Sempre que identifica um ativo sub-avaliado, opera comprado. Ao mesmo tempo,
quando encontra um ativo caro, fica vendido. Esse tipo de estratégia tem a
vantagem de poder ser feita com dezenas de ativos mesmo no Brasil. "Dá para
fazer arbitragem estatística com todas as ações mais líquidas do Ibovespa", diz
Marcelo Paixão, gestor da Principia Capital Management, um dos fundos
quantitativos mais antigos do país. Dentro dessa estratégia, o computador pode
escolher, por exemplo, duas ações de siderurgia como Gerdau e CSN e operar
comprado em uma e vendido em outra. Também pode comprar as ações ordinárias da
Vale e vender as preferenciais caso perceba que a relação entre as duas está
distante da média histórica. Esses fundos quantitativos, no entanto, não
costumam funcionar como hedge de outras operações em renda variável.
Alta frequência
A última grande estratégia quantitativa inclui as operações de alta
frequência, que envolvem a compra e venda de ativos em prazos curtíssimos de
tempo para a aproveitar pequenas distorções de preço. O computador identifica,
por exemplo, que a ação preferencial da Vale no Brasil é negociada com um
desconto de centavos em relação ao ADR (American Depositary Receipts, papel
negociado nos (Estados Unidos) da mineradora. A máquina então dispara uma ordem
de compra da ação negociada na Bovespa e a vende em Nova York em milésimos de
segundo, gerando um pequeno ganho. Repetidas milhares de vezes, essas
operações podem levar a um lucro de milhões de reais ao longo de um ano.
Apesar do recente desenvolvimento, esse tipo de operação ainda engatinha no
Brasil. Nos Estados Unidos, as negociações de alta frequência respondem por mais
da metade do volume das operações em bolsa. Na Europa, o percentual é de cerca
de 35%. Já no Brasil, não chega a 10%. A BM&FBovespa espera que esses negócios
possam representar 30% do volume em cerca de três anos. Para chegar lá,
entretanto, será necessário vencer algumas barreiras. A baixa liquidez da
maioria dos papéis negociados no Brasil é um impeditivo. A decisão do governo de
cobrar Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) dos investidores estrangeiros
no Brasil reduziu muito a arbitragem entre ações e ADRs - restando aos
computadores a opção de encontrar distorções entre papéis negociados no mercado
local. Além disso, a maioria dos gestores brasileiros ainda toma decisões de
investimento a partir de análises fundamentalista - enquanto os "quants" são
baseados em avaliações técnicas.
A Bovespa, no entanto, trabalha para desenvolver esse mercado. A bolsa ainda
aguarda autorização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para permitir que
corretoras e investidores possam colocar servidores dentro da própria bolsa, a
poucos metros de seu computador central. Isso permitirá que uma operação de
compra ou venda de uma ação seja fechada em 10 milésimos de segundo - bem
provavelmente à frente de outros investidores que enxergaram a mesma
oportunidade no mesmo momento. Hoje, para economizar tempo nas negociações, já
há muitos fundos que instalam seus computadores dentro das corretoras. Mesmo
assim, uma ordem de compra costuma demorar cerca de 20 milésimos de segundo para
chegar na bolsa e ser fechada. "Para um investidor normal, é como escolher entre
uma Ferrari F40 ou uma Ferrari Maranello", diz Fernando Kazan, gerente de
Conectividade e Operações Eletrônicas da corretora XP. "Mas isso faz diferença
para os investidores de alta frequência."
Além da autorização da CVM, as corretoras esperam que a BM&FBovespa divulgue
uma política de taxas mais convidativas para as operações de alta frequência.
Como esses investidores precisam fechar milhares de negócios para obter um lucro
representativo, aumenta o peso das taxas de corretagem e dos emolumentos da
bolsa. A Bovespa já sinalizou com a concessão de descontos de até 80% para os
investidores que negociarem centenas de milhões de reais por dia. No entanto, o
mercado ainda cobra da bolsa uma política de melhores incentivos, principalmente
para os investidores de menor porte. Ao menos em um ponto, a bolsa e as
corretoras concordam: as negociações de alta frequência serão um dos principais
vetores de crescimento do mercado brasileiros nos próximos anos.