Entenda como os investidores analisam balanços e fazem contas para avaliar se
determinada empresa está ou não barata
O megainvestidor Warren Buffett é o mais célebre exemplo de sucesso entre os
adeptos da análise fundamentalistaNem todo mundo que investe por conta
própria na bolsa é especialista em economia, negócios e finanças. Por isso
mesmo, os relatórios de analistas de mercado acabam se tornando essenciais para
ajudar na hora de escolher os melhores papéis e as empresas mais sólidas. Quem
busca investimentos com boa rentabilidade no longo prazo - como forma de
poupança ou mesmo de formação de uma previdência complementar - provavelmente
vai se identificar mais com a análise fundamentalista, escola mais tradicional
dos estudos de mercado. É claro que nem todo mundo será capaz de se transformar
em um Warren Buffet ou um George Soros, grandes entusiastas dessa complexa
vertente de análise. Mas vale a pena compreender alguns dos conceitos que a
norteiam.
A análise fundamentalista busca, basicamente, avaliar a saúde financeira das
empresas, projetar seus resultados futuros e determinar o preço justo para as
suas ações. Para isso, os analistas levam em consideração os chamados
fundamentos da empresa, isto é, todos os fatores macro e microeconômicos que
influenciam no seu desempenho. A partir de uma minuciosa análise de todos eles,
é possível projetar os resultados da companhia no longo prazo, em geral num
período de cinco a dez anos. "A análise fundamentalista é uma foto do momento da
empresa, que permite aos analistas projetar o futuro", resume Samy Dana,
professor de finanças da FGV-SP.
Por buscar entender todos os fatores que influenciam o desempenho dos
negócios de uma companhia, a análise fundamentalista encara o investimento em
ações de uma maneira especial: o investidor se torna sócio da empresa. Uma boa
análise leva em conta tanto fatores macro quanto microeconômicos. "Nós sabemos
que as empresas não dependem só delas mesmas. Em um momento de crise, por
exemplo, mesmo aquelas que tomam atitudes acertadas podem ter problemas",
explica Dana.
Assim, de um lado, o analista avalia fatores como inflação, taxas de juros,
câmbio, Produto Interno Bruto (PIB), finanças públicas e decisões
governamentais; de outro, olha para as características do setor em que a empresa
atua, seus concorrentes e para os resultados da empresa, como balanços,
dividendos, lucro, governança corporativa etc. A análise da empresa leva em
conta, portanto, tanto o lado quantitativo - seus números - quanto o qualitativo
- seus controladores, executivos, a composição do conselho administrativo e
assim por diante. "Damos cada vez mais ênfase ao lado qualitativo, pois muitas
vezes é o motivo de as ações da empresa serem baratas", alerta Rafael Rodrigues,
diretor de renda variável da gestora de recursos Rio Bravo.
Mas como todos esses fatores impactam no preço das ações e nas perspectivas
de rentabilidade dos investimentos? É relativamente simples. Esses dados ajudam
os analistas a determinar o "preço justo" das ações e, com isso, identificar se
elas estão super ou subavaliadas pelo mercado. Embora as informações usadas como
base pelos fundamentalistas sejam todas públicas, análises profundas levam não
só à identificação de bons negócios para seus acionistas, como também à
descoberta do que o mercado não está precificando.
Por exemplo, uma empresa com saúde financeira impecável pode estar
subavaliada devido a problemas de governança de conhecimento dos grandes
investidores, ou simplesmente por causa de eventos atípicos que não se refletem
nos balanços, mas que serão passageiros. Cabe ao bom analista saber diferenciar.
A avaliação do "preço justo" da ação também permite identificar investimentos
relativamente mais seguros. "Busca-se uma discrepância entre o valor intrínseco
da companhia e seu preço de mercado. Quanto maior essa diferença, maior a margem
de segurança do investimento", explica Rafael Rodrigues.
A análise fundamentalista também fornece alguns indicadores que permitem ao
investidor avaliar quanto valem suas ações, quanto elas podem gerar em
dividendos, em quanto tempo ele pode recuperar o que investiu e assim por
diante. É interessante conhecê-los para poder mensurar, na prática, os
resultados de seu investimento. Os dados para calcular esses indicadores provêm
dos demonstrativos financeiros das empresas, que também fornecem alguns
conceitos que os investidores devem conhecer, como lucro operacional, ativo,
passivo, patrimônio líquido, receita bruta e assim por diante.
Análise das demonstrações financeiras
Enraizada na tradição contábil, a análise fundamentalista no Brasil tem como
um de seus pontos de partida a análise das demonstrações financeiras das
empresas, também conhecida como análise de balanços. As principais demonstrações
financeiras são o Balanço Patrimonial (BP) e a Demonstração do Resultado do
Exercício (DRE).
Balanço Patrimonial (BP): reflete a posição financeira da empresa em
determinado momento, em geral no fim do ano ou de um período prefixado. É
formado por ativo (propriedade mensurável monetariamente), passivo (dívidas com
terceiros) e patrimônio líquido (PL). O patrimônio líquido evidencia a riqueza
da empresa, uma vez que é formado pelo capital investido pelos proprietários,
acrescido do lucro retido, isto é, o lucro que não é distribuído pelos
acionistas. Assim, a equação simplificada é ATIVO - PASSIVO = PATRIMÔNIO
LÍQUIDO. E a leitura do balanço é feita da seguinte forma:
Balanço Patrimonial |
Ativo
Bens (máquinas, terrenos, estoques, dinheiro,
ferramentas, veículos, instalações etc.) + direitos
(contas a receber, duplicatas a receber, títulos a receber, ações,
depósitos em contas bancárias, títulos de crédito etc.).
Divide-se em:
- Circulante: contas que já são dinheiro (caixa, bancos etc.) +
contas que se converterão em dinheiro rapidamente (títulos a receber,
estoques etc.). É o ativo mais líquido.
- Realizável a Longo Prazo: contas que se transformarão em dinheiro
mais lentamente (valores a receber no longo prazo). Menor grau de
liquidez.
- Permanente: itens que dificilmente se tornarão dinheiro porque
normalmente não são vendidos, mas que são usados para as atividades
operacionais da empresa (prédios, máquinas etc.). Praticamente nenhuma
liquidez. |
Passivo
Contas a pagar, fornecedores de matéria-prima (a prazo), impostos a
pagar, financiamentos, empréstimos etc.
Divide-se em:
- Circulante: contas pagas mais rapidamente (salários, impostos
etc.).
- Exigível a Longo Prazo: contas pagas num prazo mais longo
(financiamentos etc.). |
Patrimônio Líquido
(PL) (capital próprio)
Capital (injetado pelos proprietários) +
Lucro reinvestido (resultante da atividade da empresa)
O PL seria, grosso modo, o equivalente, no lado do passivo, ao
�Permanente� no lado do ativo. São as obrigações com os proprietários,
que, evidentemente, não são exigíveis. |
Demonstração do Resultado em Exercício (DRE): é o
demonstrativo apurado ao final do exercício, em geral de um ano, que mostra se a
empresa teve lucro ou prejuízo. Não acumula de um exercício para o outro. A
fórmula é simples: receita - despesa = resultado (lucro). Porém, existem vários
"tipos" de lucros. Esses valores são obtidos à medida que são subtraídas
determinadas espécies de despesas. Deste jeito:
Demonstração do Resultado em
Exercício (DRE) |
Receita bruta |
resultado das vendas ou prestações de
serviços incluindo impostos e sem excluir possíveis devoluções ou
descontos nos preços das mercadorias e serviços |
(-)
Deduções |
impostos sobre vendas, devoluções e descontos comerciais |
(=)
Receita líquida |
receita real da empresa, base de
cálculo para o Lucro Bruto |
(-)
Custo das vendas |
custo da mercadoria ou serviço |
(=) Lucro bruto |
|
(-)
Despesas Operacionais |
necessárias para administrar a empresa, vender os produtos ou prestar os
serviços e financiar as operações |
(=)
Lucro operacional |
resultante apenas da atividade
operacional da empresa |
(-)
Despesas não operacionais |
receitas e despesas resultantes de outras atividades que não a atividade
operacional da empresa, como venda de ativos imobilizados, correção
monetária etc. |
(+)
Receitas não operacionais |
|
(=)
Lucro antes do imposto de renda (LAIR) |
|
(-)
Provisão para o Imposto de Renda (IR) |
|
(=)
Lucro depois do imposto de renda |
|
(-)
Participações |
de debêntures, empregados e administradores, partes beneficiárias,
contribuições para instituições ou fundos de assistência ou previdência
de empregados |
(=)
Lucro líquido |
sobra líquida à disposição dos acionistas |
Os analistas também costumam estudar a Demonstração de Origens
e Aplicação dos Recursos (DOAR), a Demonstração de Lucros e Prejuízos Acumulados
e a Demonstração de Mutações do Patrimônio Líquido. A primeira explica a
variação do Capital Circulante Líquido da empresa, isto é, o fluxo de caixa.
Esse demonstrativo ajuda o analista a entender como e por que a Posição
Financeira mudou de um exercício para outro. O segundo apura o destino do Lucro
Líquido, somando-o ao Lucro Acumulado (cujo destino ainda não foi definido) e
definindo o saldo efetivamente disponível aos proprietários da empresa. Já o
terceiro mostra todo acréscimo e diminuição do PL, assim como a formação de
reservas, inclusive aquelas não originadas pelo lucro.
Os principais múltiplos
De posse das informações dos demonstrativos financeiros, os analistas podem
verificar a saúde financeira de uma empresa, por exemplo, comparando os
demonstrativos de um ano para outro, para ver a evolução das contas, ou
comparando demonstrativos de empresas diferentes de um mesmo setor, para
verificar qual delas teve um melhor desempenho naquele exercício. Aliás, a
análise sempre é mais confiável quando se considera também os concorrentes da
empresa analisada e o seu desempenho ao longo dos anos.
A partir dos dados dos balanços, é possível também calcular uma série de
índices e múltiplos. É importante ressaltar que isoladamente nenhum desses
indicadores é suficiente para avaliar se os papéis de uma empresa são "bons"
para se investir ou não. É preciso, portanto, considerar o conjunto de dados
para tentar traçar um cenário, comparar indicadores de diferentes empresas de um
mesmo setor e a variação deles de um ano para outro.
Conheça alguns dos principais índices e múltiplos da análise fundamentalista:
Ebitda (na sigla em inglês, Lucro antes de impostos, juros, depreciação e
amortização): o Ebitda representa o Lucro Operacional, acrescido de
depreciação e amortização inclusas no custo dos produtos vendidos e nas despesas
operacionais. Ele é expresso em percentual do faturamento, ou seja, quanto de
lucro restou de cada real gerado pela atividade operacional da empresa. Vale
lembrar que para bancos não é possível calcular o Ebitda.Esse indicador é
considerado eficiente porque mostra o real potencial de geração de caixa de uma
empresa, uma vez que indica quanto dinheiro é efetivamente gerado por sua
atividade principal. Seu mérito é desconsiderar a dedução das despesas
financeiras, de depreciação e de impostos. Isso porque, na hora de contabilizar
essas deduções, é possível ser bastante flexível, o que não torna o Lucro
Líquido o indicador mais consistente. Quando se compara empresas de países
diferentes, então, o Ebitda se torna uma ferramenta ainda mais importante.
Considera-se que esse indicador pode medir com precisão a produtividade e a
eficiência do negócio. No entanto, o Ebitda não considera o montante de
reinvestimento requerido pela depreciação. Em outras palavras, não considera se
a empresa reserva uma parte de sua receita para reinvestir, por exemplo, na
renovação de suas máquinas e equipamentos que, com o tempo, certamente sofrerão
desgaste. "Além disso, não mostra se a empresa está muito endividada, por
exemplo. Ela pode estar em situação delicada", acrescenta Paulo Esteves,
analista da corretora Gradual.
Valor de empresa sobre Ebitda (VE / Ebitda): relaciona o valor de
empresa com sua capacidade de geração de caixa, aferida pelo Ebitda. O valor de
empresa equivale ao valor de mercado acrescido de sua dívida líquida, ou seja, o
valor pertencente aos acionistas e aquele pertencente aos credores. O valor de
mercado, por sua vez, é expresso pela cotação da ação multiplicada pela
quantidade total de ações.
Margem Bruta: relaciona Lucro Bruto com as vendas em um determinado
exercício. Demonstra quanto, de cada real vendido, permaneceu na empresa na
forma de Lucro Bruto.
Margem Bruta = Lucro Bruto / Vendas Líquidas
Se o resultado for, por exemplo, 0,06, significa que, de cada real vendido ou
de serviço prestado, 6 centavos sobram de lucro para a empresa. Pode-se fazer o
mesmo cálculo utilizando-se, em vez do Lucro Bruto, o Lucro Operacional e o
Lucro Líquido, obtendo-se, respectivamente, a Margem Operacional e a Margem
Líquida.
Valor Patrimonial da Ação (VPA): representa o valor intrínseco da
ação.
VPA = Patrimônio Líquido / Quantidade de Ações
Se as ações são negociadas acima de seu VPA, significa que o mercado tem boas
expectativas em relação à empresa e, por isso, os investidores aceitam pagar
mais do que a ação teoricamente valeria. Do contrário, significa que o mercado
tem expectativas negativas em relação à empresa ou a seu setor. No entanto, o
investidor não deve se enganar: ações negociadas a cotações muito acima de seu
VPA podem indicar euforia. Quando isso acontece, pode ser que a empresa não
consiga entregar os resultados esperados. No caso de uma crise, o choque no
preço dessas ações é especialmente desastroso para o investidor.
Preço por Valor Patrimonial da Ação (P/VPA): indica a relação entre o
preço da ação (sua cotação no mercado) e seu valor patrimonial.
Fórmula: Preço da ação / VPA
Se o resultado for acima de 1, significa que a ação está sobreavaliada pelo
mercado. Abaixo de 1, indica que está subavaliada.
Rentabilidade sobre Patrimônio (RPL): representa a taxa de retorno do
acionista, medindo a capacidade da empresa de gerar lucro a partir de seu
patrimônio, ou seja, do capital investido.
RPL = Lucro Líquido / Patrimônio Líquido
Quanto maior for esse indicador, melhor. Ao aumentar de ano em ano, esse
múltiplo mostra que a performance da empresa foi melhor (pois mostra que o mesmo
capital gerou mais lucro).
Preço / Lucro (P/L): é um dos múltiplos mais importantes da análise
fundamentalista. Indica ao acionista o tempo de retorno do seu investimento,
isto é, o número de anos necessários para que o investidor lucre a partir de sua
aplicação.
Fórmula: Preço da ação / Lucro por ação
O Lucro por ação é obtido dividindo-se o Lucro Líquido pela quantidade de
ações. Esse múltiplo é um bom indicador de "preço" da ação, pois,
simplificadamente, quanto menor o P/L, menor o preço. Não se deve, no entanto,
comprar uma ação só porque seu preço está "baixo". Quando se compara papéis de
empresas de um mesmo setor, por exemplo, um P/L mais elevado em relação a uma
das companhias indica o otimismo do mercado em relação ao seu desempenho.
É bom verificar, no entanto, se houve alguma anormalidade no lucro do último
ano, bem como a expectativa de lucro para o próximo exercício, a fim de definir
se a relação entre os dois indicadores - preço e lucro - vai se manter ou não.
Taxa de retorno (TR): é o inverso do P/L. Assim, a TR mostra,
percentualmente, o quanto se obtém em um ano.
TR = (L/P) x 100
Ou seja, se o P/L de uma empresa é de quatro anos, isso significa que o
investimento só será inteiramente recuperado em quatro anos e que, a partir daí,
teoricamente, o acionista começa a lucrar. Essa mesma empresa terá uma TR de
25%, o que indica que, em um ano, o acionista recupera 25% de seu investimento.
Dividend Yield (DY): indica o quanto a empresa distribui de dividendos
a seus acionistas, em percentual sobre o valor de mercado da ação.
DY = (Valor total dos Dividendos / Cotação da Ação) x 100
Ou seja, se uma ação vale 100 reais e a empresa distribuiu, no último
exercício, 8 reais em dividendos, o valor do DY será de 8%. Vale lembrar que
empresas que mantêm um elevado DY possuem papéis de menor volatilidade, já que a
maior parte dos retornos ao acionista vem na forma de dividendos e não pelo
aumento no valor da ação. DYs elevados são mais característicos, portanto, de
empresas em estágio mais maduro de negócios, que não investem pesadamente em
expansões no médio prazo.
Outros indicadores importantes
Além dos índices de rentabilidade (Margem Bruta, Ebitda, Taxas de Retorno),
os analistas fundamentalistas costumam usar outros indicadores para mensurar a
saúde financeira das empresas. Conheça os outros três grupos de índices:
Índices de Liquidez: usados para avaliar a capacidade de pagamento da
empresa, ou seja, se a companhia terá como saldar seus compromissos. O principal
índice é o de Liquidez Corrente, que mede a capacidade de pagamento de dívidas
de curto prazo. Ele é calculado dividindo-se o Ativo Circulante pelo Passivo
Circulante. Em geral, se estiver acima de 1 significa que a empresa tem dinheiro
em caixa para saldar suas dívidas. É claro que isso depende da capacidade de os
recebíveis se converterem realmente em dinheiro antes da quitação das dívidas. E
também do ramo da empresa: uma companhia de transporte público não vende a
prazo, não possuindo, portanto, recebíveis. Nesse caso, um índice ligeiramente
menor que 1 pode não ser problemático.
Índices de Endividamento: permitem avaliar o nível de endividamento da
empresa, sua capacidade de gerar caixa para pagar suas dívidas e para garantir o
crescimento sustentado de suas atividades. É possível medir a percentagem de
capital de terceiros no capital total (que idealmente não deve exceder muito a
metade), o quanto de capital próprio existe em relação ao capital de terceiros
(que, em geral, deve ser, no mínimo, de 1 para 1) e o percentual de dívidas de
curto prazo no total do endividamento (que, se for muito elevado, pode
comprometer o caixa da empresa).
Índices de Atividade: usados para medir a rapidez com que a empresa
recebe pelas vendas para pagar suas compras e renovar seu estoque. Nesse grupo
se inclui o Giro de Caixa, que mede a rapidez com que o dinheiro recebido pelas
vendas ou serviços prestados é usado para financiar as atividades da empresa. Um
giro de caixa alto e uma liquidez corrente baixa mostram que o dinheiro que
entra é logo desembolsado.