Especialistas dão dicas para evitar divergências sobre animais, crianças,
vazamentos, carros, inadimplência, acessibilidade, preservação ambiental,
barulho, drogas e atividades comerciais
Os principais motivos que fazem os moradores de prédios perderem a cabeçaÉ
muito fácil lembrar das principais fontes de picuinha entre moradores de um
mesmo condomínio. Especialistas e síndicos costumam tratá-las como os cinco "Cs":
cachorro, criança, cano, carro e calote. Já resolver os problemas relacionados a
esses temas não é tão simples, apesar de a legislação que rege os condomínios
não ser extensa. Até 2002, apenas a Lei 4.591, d 1964, determinava as normas
para a relação dentro de um mesmo condomínio. Com o novo Código Civil, síndicos
e condôminos ganharam 27 artigos para nortear seus direitos e deveres. "Mas
essas normas tratam o assunto de forma genérica.
Cabe à convenção do condomínio especificar as regras internas", afirma o
advogado Márcio Rachkorsky, presidente da Associação de Síndicos de Condomínios
Comerciais e Residenciais do Estado de São Paulo (Assossíndicos) e apresentador
do programa "Condomínio Legal", da rádio CBN.
Apesar de a delegação de poderes aos condôminos ter tornado todo o processo
mais democrático, não é de se esperar que uma multidão de pessoas cujo único
vínculo comum é o fato de terem escolhido o mesmo lugar para morar cheguem
rapidamente a um consenso sobre temas considerados polêmicos até mesmo para
juristas. Para resolver esse tipo de impasse, os especialistas aconselham a
criação de regras e sanções bastante detalhadas para nortear a convivência. Leia
abaixo as dicas de dois advogados especializados em direito condominial para
evitar os pomos de discórdia mais rotineiros:
Cachorro: Campeões de resmungos de vizinhos, os animais de
estimação até pouco tempo eram proibidos por boa parte dos condomínios. Mas os
tempos mudaram. Em estados como Rio de Janeiro, esse tipo de regra já se tornou
ilegal. Nas outras regiões, a jurisprudência garante ganho de causa para quem
entra com ação pedindo autorização para ter um bichinho dentro do apartamento. A
dica, então, é ser extremamente meticuloso na criação do regulamento interno.
"Tem que abranger todos os detalhes - se pode entrar garagem ou pela porta de
pedestres ou em que situações o animal deve usar focinheira, por exemplo", diz
Rachkorsky. "Isso já é meio caminho andado para evitar confusão". Em situações
que extrapolam o limite do tolerável, como quando o cachorro rotineiramente é
deixado sozinho e não para de latir, devem ser tomados os procedimentos padrões
para quebra de regulamento. Há casos, afirma Marcelo Borges, da Associação
Brasileira das Administradoras de Imóveis (ABADI), que podem parar na Justiça.
"O animal pode até ser expulso do prédio", diz.
Crianças: O primeiro aspecto para prevenir problemas com as
crianças do condomínio é criar áreas comuns de lazer. "Elas aprontam quando não
têm nada para fazer", diz Rachkorsky. Se o prédio não possui espaço disponível,
o jeito é usar a criatividade. Salas ociosas podem ser transformadas em
brinquedotecas, salão de jogos e até equipadas com home theater para exibição de
filmes. Outra dica do presidente da Assossindicos é eleger um síndico mirim.
"Ele terá a responsabilidade de levar as demandas das crianças para o síndico
principal, também vai fiscalizar os amiguinhos", afirma.
Calote: Desde 2003, quando entrou em vigor o novo Código
Civil, os síndicos perderam uma importante ferramenta para o combate à
inadimplência. Até então, o teto das multas para quem não pagava as taxas
condominiais em dia era de até 20% do valor do condomínio. Essa taxa, agora,
caiu para 2%. "Isso criou uma categoria de inadimplentes volantes, que atrasam
alguns meses, mas não sempre. Como a multa é menor do que ficar com outros
pagamentos em atraso, o condomínio acaba sendo a última preocupação das
pessoas", afirma Rachkorsky. No entanto, a administração dos prédios ainda tem
como recurso protestar as contas atrasadas em cartório. Se o condômino não pagar
no prazo estipulado, terá o nome incluído em listas sujas dos serviços de
análise de crédito, como o SCPC e a Serasa.
Cano: Fora do alcance da visão de boa parte dos moradores,
os problemas de encanamento podem ser protagonistas das piores dores de cabeça
de qualquer vida em condomínio. "A grande dica resolver essas questões com
agilidade porque fica barato para todo mundo", diz Rachkorsky. O primeiro ponto,
portanto, é ter consciência sobre as responsabilidades de cada um. Assim, quando
a assunto é encanamento, os encargos se separam em duas esferas. Se o problema
for na ramificação geral do prédio, a missão de reparar os danos recai sobre o
condomínio. "O Código Civil até determina que se o síndico for omisso na
correção de determinados vazamentos e isso ficar provado, o morador pode
solucionar o problema e, depois, cobrar do condomínio", diz Borges. Dentro do
imóvel, a responsabilidade é do condômino. "De acordo com a Lei de
Responsabilidade Civil, ninguém pode provocar dano ao outro. Se há vazamento em
meu apartamento, é meu dever reparar", afirma o advogado da ABADI.
Carro: A maneira como cada morador enxerga o ato de conduzir
um veículo pode ser outro pivô de atritos homéricos no condomínio. Criar regras
claras e ser criativo na hora de construir a garagem é essencial para
preveni-los. A começar pela segurança. "O condomínio precisa definir se lhe é
interessante ser guardião da garagem", diz Borges. Estabelecido isso, o próximo
passo é determinar a velocidade máxima para os veículos e, em casos de escassez
de espaço, adaptar o estacionamento do prédio. Para isso, há uma série de
soluções. "Dá para instalar vallets, guincho hidráulico e, até, contratar
manobristas", sugere Rachkorsky. Ele também diz que o tamanho das vagas de
garagem costuma gerar atritos entre condôminos. Em geral, falta espaço para a
maioria dos condôminos estacionar veículos de grande porte, como picapes ou SUVs
- cada vez mais comuns no Brasil. Com pouco espaço, cresce o risco de que haja
avarias na lataria. No longo prazo, a solução passa pelo aumento do tamanho das
vagas nos prédios que serão futuramente construídos.
Acessibilidade: De uns tempos pra cá, outros assuntos
passaram a fazer parte da pauta das assembleias dos condomínios. Um deles é a
promoção da acessibilidade dos edifícios para deficientes físicos. De acordo com
o decreto federal 5.296, de 2004, todos os prédios, sejam privados ou públicos,
devem ser adaptados para que pessoas portadoras de alguma deficiência física
possuam livre acesso ao edifício. "Os condomínios tinham até 2008 para fazer
essas alterações", diz Mara Gabrilli, ex-secretária da Pessoa com Deficiência da
cidade de São Paulo. No entanto, na prática, a lei não é respeitada pela maioria
dos condomínios. Até porque, de acordo com Borges, da ABADI, alguns edifícios
não possuem condições arquitetônicas para tais adaptações. Tendo em vista isso,
na capital paulista foi criada uma lei municipal que faculta a exigência das
modificações para prédios construídos antes de 1992. "Um condomínio habitacional
não pode privar uma pessoa da livre circulação", diz Mara. Assim, de acordo com
ela, toda entrada dos prédios deveria ter soluções como rampas ou elevadores
para permitir a passagem de condôminos ou visitantes portadores de alguma
deficiência física, além de elevadores internos que respeitem os padrões
determinados pela ABNT.
Barulho: Os decibéis emitidos pelos moradores são os
principais pivôs de discussões e caras feias nos condomínios. É o salto da
vizinha do andar de cima que impede que alguém consiga tirar um cochilo, são as
crianças que não param de pular ou o gosto musical duvidoso do companheiro de
andar Para esses e outros problemas ligados ao barulho excessivo, o condomínio
deve sempre criar um bom regulamento interno. Determinar os períodos para o
silêncio, o limite máximo de decibéis e as punições para quem infringir as
regras são cruciais para resolver este impasse. Em alguns estados, existem leis
que determinam qual é esse limite. Em algumas regiões da capital carioca, por
exemplo, o barulho em condomínios não pode exceder 35 decibéis. No entanto, em
alguns casos, os próprios condôminos devem recorrer a lei de vizinhança para
resolver o conflito. "Se o barulho incomodar apenas uma pessoa, o condomínio não
tem legitimidade para intervir", afirma o advogado da ABADI.
Drogas e Cigarro: Uma preocupação que tem esquentado a
cabeça de muitos síndicos está ligada ao consumo de entorpecentes dentro do
condomínio. O porte de maconha para consumo próprio, por exemplo, não é crime no
país. No entanto, é possível que esta prática gere inconvenientes para os outros
moradores. A reação, contudo, deve variar de acordo com o local em que o
condômino usa o entorpecente. "Se é dentro do imóvel, a atuação é muito
limitada", diz Borges. A polícia deve ser acionada apenas quando os efeitos
alucinógenos começam a incomodar ou colocar outros moradores em risco. Quando o
uso é em áreas comuns do prédio, a história é outra. "A administração do prédio
pode até enquadrar o condômino em uma conduta anti-social", diz. No caso de
cigarro, as regras variam de acordo com a legislação antifumo de cada estado.
Por exemplo, em São Paulo, a lei proíbe que os condôminos fumem nas áreas comuns
dos prédios. No Rio de Janeiro, a proibição é mais rigorosa: os moradores não
podem fumar nem mesmo na varanda do apartamento.
Comércio: Com expansão do mercado autônomo e de projetos de
trabalho remoto, tornou-se comum que profissionais de diversas áreas atendam
clientes em suas próprias residências. Apesar dos benefícios para os
profissionais, esta prática pode ser traduzida em riscos de segurança para os
outros moradores. "Se o condomínio é residencial, manter uma atividade comercial
no imóvel é irregular", diz Borges, da ABADI. Muitas vezes, no entanto, é
difícil comprovar estes casos. A solução para os casos mais graves é restringir
a entrada de desconhecidos, por exemplo.
Sustentabilidade: Equipar um condomínio com soluções
sustentáveis não é tarefa de outro mundo - muito menos é necessário extremo
ativismo ambiental. "O síndico tem que lembrar que ele é representante de uma
pequena sociedade, por isso, ele precisa ter uma visão social e cidadã", afirma
Borges, da ABADI. Por isso, em um primeiro momento, é possível adotar soluções
mais simples como coleta seletiva do lixo e uma política de reaproveitamento da
água pelos funcionários podem ser adotadas. Mas, os especialistas aconselham
projetos mais ambiciosos como individualização dos hidrômetros e instalação de
painéis solares. Além, é claro, de uma política de conscientização dos
condôminos.