Quem deixa de pagar uma dívida tem seu nome incluído em cadastros de
inadimplentes e perde o direito de parcelar pagamentos, ter cheque especial ou
contrair empréstimos
Órgãos de defesa do consumidor, como os Procons, podem orientar na renegociação
da dívidaDívida. Para muita gente, essa palavra provoca arrepios na espinha.
E se engana quem pensa que basta ser disciplinado para que ela nunca entre em
seu vocabulário. Afinal, ninguém está livre do desemprego, de doenças na família
ou de outros percalços financeiros que podem levar até os mais certinhos a
atrasarem seus pagamentos.
Superar esse tipo de problema é especialmente difícil quando as dívidas são
multiplicadas por juros altos e, na pior das hipóteses, quando há restrição
quase total ao crédito depois que o nome aparece nos cadastros de inadimplentes.
E para se livrar do famoso "nome sujo na praça" não há mágica: é necessário
pagar a dívida. Esqueça as receitas mirabolantes de anúncios e sites que
prometem limpar o nome do devedor sem que ele precise quitar o débito. Esse já é
um golpe bem conhecido para tirar dinheiro dos mais aflitos.
A ampla oferta de crédito é coisa relativamente nova no Brasil,
principalmente quando se considera a parcela recém-chegada à chamada classe C.
Não é de se admirar, portanto, que muitos brasileiros ainda se atrapalhem ao
lidar com facilidades como o cartão de crédito e o cheque especial - maiores
vilões dos endividados devido aos juros altíssimos. Mesmo assim, de acordo com
as empresas que mantêm bancos de dados de devedores, os níveis de inadimplência
no país ainda não devem ser considerados preocupantes. "Não deve haver
descontrole", afirma Carlos Henrique Almeida, assessor econômico da Serasa
Experian. Segundo ele, a inadimplência costuma crescer às vésperas de datas
festivas ou em razão de incentivos fiscais ao consumo, mas nada que venha
fugindo ao tolerável.
Mas não tem jeito. Quem deve tem que pagar. É claro que nem sempre é possível
quitar a dívida de imediato, principalmente quando surgem emergências e gastos
inesperados. Quando isso acontece, pode ser que a empresa ou banco credor inclua
o CPF do devedor em bancos de dados de inadimplentes, consultados por
instituições que fazem análise de crédito, a fim de identificar os chamados
"maus pagadores". E aí pode começar uma forte e prolongada dor de cabeça: se a
dívida não for quitada, o CPF permanece no cadastro durante cinco anos, durante
os quais o inadimplente não poderá contrair empréstimos, parcelar pagamentos,
obter financiamentos, ser avalista ou mesmo ser locatário de imóveis. Em alguns
casos, é possível que sejam suspensas as emissões de talões de cheques e as
linhas de crédito como a do cheque especial. A exceção fica por conta de um
possível cartão de crédito que ainda esteja dentro do limite e pago em dia -
este pode continuar a ser utilizado.
Como limpar o nome
Para não perder o acesso a essas facilidades, a melhor opção é entrar em
contato com a entidade credora e tentar renegociar a dívida. Para isso, não é
necessária a intermediação de um advogado ou de um órgão de defesa do
consumidor. Aliás, se o devedor perceber que não vai ter como pagar, pode
renegociar antes mesmo de ter seu CPF incluído em um cadastro, para se prevenir.
Isso porque, apesar de poderem cadastrar seus devedores até um dia depois do
vencimento de uma dívida, empresas e bancos fazem um esforço de cobrança, pois
têm o interesse não só de receber, mas também de manter o cliente. Com uma
renegociação, é possível conseguir o reparcelamento da dívida e até uma redução
de juros, no caso de linhas de crédito mais caras.
Para quem tem problemas com o cartão de crédito, uma opção é cancelá-lo.
Segundo Valéria Cunha, assistente de direção do Procon-SP, ao fazer isso a
dívida vai parar de crescer porque não serão cobrados mais os juros mensais. "É
uma forma de facilitar o pagamento", diz ela. Sem a facilidade do cartão,
provavelmente o consumidor também passará a consumir menos. E, quando o débito
tiver sido quitado, ele poderá contratar outro cartão até com alguma vantagem
financeira, já que em geral os plásticos possuem isenção ou abatimento de
anuidade no primeiro ano de contratação.
Já quem tem mais de uma dívida deve, primeiramente, fazer um levantamento de
todas elas, aconselha Valéria. Para isso, basta levar identidade e CPF a um
balcão da Serasa ou do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) - empresas privadas
mantenedoras de bancos de dados de inadimplentes - e solicitar uma consulta
gratuita. Em seguida, o devedor deve identificar seus credores e renegociar
diretamente com eles. É preciso, no entanto, ponderar se o custo final valerá a
pena. Isso porque pode sair mais em conta fazer um empréstimo consignado, cujos
juros são baixos em relação a outras linhas de crédito, para quitar as demais
dívidas à vista. "Esse é um tipo de empréstimo que o inadimplente em geral
consegue fazer, pois o pagamento é certo, já que é descontado na folha
salarial", explica ela.
Depois de renegociar ou pagar sua dívida, o cidadão tem o direito de ter seu
CPF excluído do cadastro de "maus pagadores" em até 24 horas. Se isso não
acontecer, a pessoa deve reclamar com os credores ou até alertar o órgão de
proteção ao crédito.
Caso o devedor decida deliberadamente deixar de pagar uma dívida, a
legislação brasileira só permite que seu CPF conste em um cadastro de
inadimplentes por no máximo cinco anos. Após esse período, deve ser
automaticamente removido e, na prática, o inadimplente recobra seu direito a
crédito. O problema é que, mesmo assim, a dívida não deixa de existir. O credor
ainda pode entrar com uma ação na Justiça para forçar a cobrança.
É bom ter em mente que, fora as dívidas vencidas, outras situações também
podem motivar a inclusão de um CPF em um banco de dados de inadimplentes. Quem
emitir cheques sem fundos, tiver título protestado em cartório (dentro do prazo
de cinco anos a partir do vencimento), deixar de pagar tributos ou for alvo de
uma ação judicial de execução de dívida, busca e apreensão de bens ou pedido de
falência de empresa da qual seja sócio também está sujeito a ficar com o "nome
sujo". Mas atenção: atrasos em pagamentos de financiamentos imobiliários e de
mensalidades de escolas e faculdades não podem levar ao cadastro de um CPF.
Além disso, SPC e Serasa não são as únicas instituições que mantêm esse tipo
de bancos de dados. O Banco Central também possui o Cadastro de Emitentes de
Cheques sem Fundos (CCF) e o Sistema de Informações de Crédito (SCR). Existem
ainda os Cadastros Informativos de Créditos não Quitados do Setor Público (CADINs),
mantidos pelos órgãos fazendários da União e dos estados para ter o controle de
quem está com o pagamento de impostos atrasado. É importante conhecer a
existência desses bancos de dados, pois como há forte troca de informações entre
eles, quem consta em um pode muito bem constar em outros.
As armadilhas do "nome sujo"
Mas nem sempre é tão simples "limpar o nome". Por vezes, os juros são
exorbitantes, de forma que o total da dívida se torna impagável. Também é
possível que um CPF apareça em um cadastro indevidamente. Nesses casos, o que
fazer? Por exemplo, quando a cobrança de juros é abusiva, principalmente nas
linhas de crédito mais caras, até uma renegociação pode ficar inviável. Aí pode
ser necessário buscar o poder judiciário, pedir a revisão de juros e forçar um
acordo em condições mais favoráveis. "Vamos supor que eu deva 500 reais no
cheque especial e perca meu emprego. Um ano depois, eu quero regularizar a
dívida e ela está em 5000 reais. Isso não é razoável", exemplifica José Serpa
Jr., especialista em direito do consumidor e editor do site Endividado.com.
Caso seu CPF apareça indevidamente em um cadastro de inadimplentes - no caso
de uma dívida já quitada ou com vencimento de mais de cinco anos - é fundamental
entrar em contato com o credor, com o SPC e a Serasa, a fim de exigir a remoção
imediata. Se isso não acontecer, cabe entrar com ação de danos morais e
materiais contra a empresa. Serpa explica que às vezes isso pode acontecer
devido a erros de processamento interno da empresa credora - que não dá baixa na
dívida já quitada - ou por um protesto indevido de título já prescrito em
cartório. "Existe uma avalanche de casos de empresas que compram dívidas de
outras empresas e reinscrevem CPFs de pessoas cujos débitos já venceram há mais
de cinco anos ou até já foram quitados", explica o advogado.
Quem tem cheques ou documentos roubados ou extraviados também precisa tomar
cuidado com inscrições indevidas no SPC ou Serasa. É fundamental comunicar
imediatamente à polícia, fazer um registro de ocorrência e, em seguida, alertar
os órgãos de proteção ao crédito, mediante apresentação do documento policial.
Isso vai resguardar o cidadão, caso criminosos utilizem seus documentos para
contrair dívidas em seu nome. Na Serasa Experian, esse alerta pode ser feito
pela internet, na seção "Serviços Úteis", no link
www.serasaexperian.com.br/servicosaoconsumidor .
Cuidado com os golpes
No afã de se livrar do fantasma de uma dívida, muitas pessoas acabam apelando
para receitas aparentemente infalíveis. Quem nunca se deparou com um daqueles
folhetos onde se lê "Limpe seu nome sem pagar dívida!" distribuídos nos centros
comerciais das grandes cidades? Também não faltam páginas na internet onde se
faz a mesma promessa. Mediante o pagamento de alguns poucos reais, supostos
especialistas oferecem apostilas onde ensinam todo o tipo de procedimento para
quem quer se ver livre dos cadastros de inadimplentes sem precisar pagar ou
renegociar a dívida ou sem passar pela Justiça. Tentador, não? Sim, mas também
um fracasso na certa.
Essas ofertas não passam de golpe, que muitas vezes podem inclusive induzir o
endividado a adotar uma conduta ilegal. Em geral, os golpistas anunciam seus
serviços em folhetos, cartazes, sites e e-mails onde oferecem apostilas ou
"serviços personalizados" por um custo que varia de 20 a 50 reais. Após a vítima
depositar a quantia na conta do criminoso, normalmente fica a ver navios ou
então recebe uma apostila com informações sem valor algum.
As versões mais "inofensivas" apresentam um modelo de ação judicial em que o
endividado alega que a restrição de crédito não foi previamente notificada pela
empresa mantenedora do cadastro de inadimplentes em questão, solicitando liminar
para exclusão imediata de seu CPF. "Chama-se 'ação por obrigação de fazer'. O
problema é que esse argumento não tem força. A vítima vai perder dinheiro
somente", diz José Serpa Jr. "O cidadão só vai ganhar tempo. Depois que a
liminar cair, o CPF volta para o cadastro", explica Carlos Henrique Almeida, da
Serasa.
Outras apostilas instruem a vítima a adotar condutas ilegais, como levantar
falso testemunho, tentar corromper funcionários dos órgãos de proteção ao
crédito e até emitir um novo CPF, o que se configura em falsificação de
documentos e agrava ainda mais o perfil do crime. Há ainda aqueles golpistas que
ensinam o "cliente" a fraudar um cheque sem fundos já emitido, falsificando a
microfilmagem do cheque e solicitando a sua baixa junto ao banco. Nesses casos,
de simples endividado, o cidadão pode passar a ter problemas também com a
Justiça.