Apesar da promessa recorrente das montadoras, as promoções de veículos
financiados com juro zero costumam esconder outras taxas
Financiamento sem juros do Peugeot 207: Conar pediu modificação da propaganda
Banco de couro, financiamento com juros zero, tanque cheio e IPVA grátis. Vale
tudo para fisgar o cliente interessado em comprar o carro novo. A bem da
verdade, até aqueles que não planejam colocar os pés na concessionária cedem à
tentação e se convencem da urgência de aproveitar as promoções. Especialistas
esclarecem, no entanto, que a enxurrada de ofertas que inunda o mercado pode não
passar de um velho truque de marketing. E que por trás da magia de descontos e
presentes, se esconde um conhecido personagem das compras a prazo: os juros
embutidos.
Décio Carbonari de Almeida, presidente da Associação Nacional das Empresas
Financeiras das Montadoras (Anef), é taxativo quando o assunto é o preço dos
carros parcelados. "Sempre existiu alguma forma de incentivo de vendas,
criatividade é o que não falta. Mas a verdade é que nenhum banco trabalha com
taxa zero", admite. A instituição financeira paga juros pela captação de
recursos no mercado e, como naturalmente intenta aumentar a margem de
rentabilidade, repassa - e aumenta - esse custo para emprestar dinheiro ao
consumidor.
Tanto que no Brasil os juros médios para a compra de veículos são os maiores
entre os principais mercados mundiais, segundo estudo da consultoria Roland
Berger. Para tirar a prova, basta saber qual será o desconto obtido à vista na
compra de um carro que poderia ser financiado com custo zero. Ou ainda o valor
final do automóvel dispensados os adicionais grátis prometidos pela
concessionária. Se o vendedor sinalizar a possibilidade de negociação, a
diferença de preços alcançada representará os juros escondidos.
Héssia Costilla, economista da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor
(ProTeste), alerta que as propagandas de carro devem informar não apenas as
taxas de juros cobradas no financiamento mas também o Custo Efetivo Total da
operação. Encontrado em letras miúdas no rodapé dos anúncios, o CET, como é
chamado, é um percentual que inclui todas as tarifas, despesas e tributos
cobrados pela financeira anualmente. "A propaganda de juros zero atrai a atenção
de qualquer um. Mas é importante frisar que ela não implica em gasto zero. O CET
reflete o custo real que a pessoa terá, podendo ser mais caro que o usual para
compensar a ausência de juros", afirma Costilla.
No ano passado, a ProTeste fez uma patrulha na internet para identificar
irregularidades nas peças publicitárias que se apoiavam no mote dos juros zero.
Depois de um imbróglio que se arrastou por seis meses, o Conar (Conselho de
Autorregulamentação Publicitária) acatou o recurso que pedia a alteração das
propagandas da Citroën e Peugeot, alegando que as empresas induziam o consumidor
a acreditar que o financiamento era isento de custos.
Os CETs divulgados para o financiamento dos carros C4 Pallas Flex, Grand C4
Picasso e Xsara Picasso não consideraram a Taxa de Abertura de Crédito (TAC) de
888 reais, maquiando o custo total da operação. Por sua vez, a propaganda do
Peugeot 207 não mostrava qualquer outra informação que não a possibilidade de
parcelamento sem juros. A simulação da compra, entretanto, revelou a existência
de CET de 15,5% ao ano.
A exceção à regra
Em algumas situações específicas, as montadoras subsidiam os juros para
desovar seus estoques e girar o capital. Isso acontece, por exemplo, quando os
pátios estão abarrotados de carros. Seja por uma forte retração nas vendas ou
pela necessidade de escoar carros na transição entre modelos, o interesse é em
vender logo os veículos remanescentes. Para dar respaldo às promoções, as
montadoras podem bancar os subsídios com o próprio bolso ou mesmo captar
recursos no exterior. A prática permite a obtenção de dinheiro com juros
menores, possibilitando um repasse mais modesto para os clientes finais.
Segundo dados registrados nos últimos seis anos pela Anef, a média de juros
cobrados pelos bancos das montadoras vem mantendo uma pequena - porém regular -
distância do mercado em geral. Em 2009, estas instituições cobraram uma média de
1,42% ao mês para o financiamento, ao passo que a taxa do mercado ficou em 1,9%.
A margem pode parecer pequena, mas garante uma diferença de quase 7% ao longo do
ano. "Para o cliente, só há taxa zero quando a fábrica resolve pagar os juros
para os bancos", diz Décio Carbonari de Almeida. De qualquer forma, a condição é
observada em pouquíssimos casos: geralmente na oferta de carros mais caros,
adquiridos com 50% de entrada e parcelados em no máximo 24 meses.
É, portanto, uma estratégia para atrair o cliente que a princípio poderia
comprar o carro à vista, mas passa a considerar a possibilidade de dividir os
gastos pagando a mesma quantia pelo bem. Considerando que a média de
parcelamento dos financiamentos no Brasil é de 42 meses, não é difícil constatar
que a oferta não contempla exatamente o consumidor que mais precisa de
iniciativas desta natureza. "Via de regra, o financiamento é uma ferramenta que
viabiliza o negócio para o cliente que não tem renda suficiente para realizar um
sonho sem pagar juros por ele", afirma Sílvio Paixão, professor da Fundação
Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi).
Para Miguel Ribeiro de Oliveira, economista da Anefac (Associação Nacional
dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade), as concessionárias
têm muito interesse nas vendas parceladas porque embolsam, além do ganho com a
operação, uma comissão paga pelo banco utilizado no financiamento. "Quanto maior
o prazo acordado, maiores serão os juros para o cliente e o bônus para as
empresas", ressalta. Por isso, aqueles que não precisam do carro com urgência
podem economizar e investir em um fundo de renda fixa, por exemplo, antes de
colocarem as mãos atrás do volante. "Quanto maior for o montante disponível para
a entrada, mais vantajosa será a compra", finaliza.