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Carreira / Emprego - Serviço público: o poder e a burocracia opondo-se à liderança. A visão do servidor 

Data: 17/08/2010

 
 

O incômodo e o inconformismo sempre me perseguiram enquanto servidor público. Mais precisamente de como as pessoas que conduziam esse serviço. Comecei ministrando aulas de educação física. Trabalhavam-se 12 horas por dia e a remuneração era insatisfatória. Pensei que o que me faltava era dinheiro. Abandonei a educação. Mudei. Passei a ganhar o dobro. Mas estava incomodado. Faltava-me algo mais. Mudei de novo. Encontrei um ambiente melhor, mas, eu esperava mais. Cursei a faculdade de Direito. Mudei, novamente.

Hoje recebo quatro vezes mais, trabalho 6 horas diárias menos e percebo que meu incômodo não era somente pela falta do dinheiro ou pelo ambiente agradável. Descobri o que faltava: era oportunidade. Oportunidade para mudar e se fazer mudar. Doar, antes de receber. Servir, antes de ser servido. Ouvir para ser ouvido e compreender mesmo que incompreendido. Soa bíblico, mas concluo que junto à família, com os amigos ou no trabalho é tudo muito semelhante. Dê o máximo de si e receberá o máximo dos outros. Aí estava o que procurava. Na escala profissional, salário corresponde ao degrau de número três. No primeiro degrau repousam as oportunidades para você poder mostrar seu potencial, sua criatividade, poder liderar e ser liderado. Ganhar e fazer ganhar.

Em segundo lugar está o ambiente de trabalho. Somente com um ambiente ótimo podemos formar uma equipe, onde todos planejam, todos opinam, todos expõem e se expõem, onde todos vibram com a vitória e todos choram as derrotas, por que elas são de todos.

As palavras poder/burocracia e liderança são faces opostas da mesma moeda. Entretanto, sendo o poder uma arma potente que, dependendo de como você o manejar, poderá vir a tornar-se um líder ou um burocrata ou até um tirano. Ao se falar em liderança, muitos imaginam um monge tibetano como Dalai Lama ou o líder africano, Mandela. Na empresa ou no serviço público não é preciso ir tão longe. Bastam-se atitudes reais, o pensar nobre, priorizarem-se, preliminarmente, as necessidades dos clientes internos, respeito, flexibilidade, motivando a equipe a estreitar as relações. Conforme James Lowell. "O problema não está no fracasso, mas no objetivo pequeno". O conviver traz aprendizado. Já laborei em diversos órgãos. Em alguns deles havia líderes, outros, porém, burocratas que se aproveitam de habilidades políticas para chegar ao cimo e, curiosamente, se dizem líderes. Com esses aprendemos a buscar os opostos; com aqueles, observamos e refletimos sobre suas ações.

A experiência como gestor, a leitura de diversos livros nessa linha, contribuíram de forma relevante na minha autopercepção profissional, bem como, na busca por mudanças. Tudo isso, aliado aos cursos de capacitação ministrados por intermédio de uma empresa, foram fatores decisivos para busca por respostas aos temas correlacionados. Enfim, a cada dia mais, percebo-me um curioso, ou melhor, um ávido em conhecer os segredos dos relacionamentos interpessoais.

Hoje, mudaram-se os paradigmas do sucesso. As grandes empresas que, outrora, visavam nos currículos os títulos e de onde provinham esses títulos, apostavam no potencial individual de cada empregado, hoje, todavia, apostam no ser humano, na equipe. Buscam-se hoje pessoas com maturidade e inteligência emocional capazes de dirimir crises. E é por isso que a administração pública tem que rever seus conceitos burocráticos. Em princípio, devem-se mudar as regras de ingresso do futuro servidor.

O poder público, hoje, faz uma inversão: ao invés de prever qual o perfil do servidor que se deseja para ocupar os claros na administração pública, valorizam-se aqueles que possuem ótima memória, ou conhecimento técnico apurado, desprezando-se a inteligência emocional. O resultado pode ser catastrófico. Ao final, para aliviar essa situação criada pelo próprio poder público, ministram-se diversos cursos denominados de habilitação, sendo, na maioria das vezes de pouca valia, ao passo que não traz qualquer implicação na personalidade do ser, gerando descontentamento para o servidor ao invés de segurança. Apostar na equipe é apostar no ‘ganha-ganha'. Se a equipe ganha, todos vencemos. Não há mais espaços para o "eu".

Nessa linha, algo tão importante quanto ouvir é respeitar. Respeito é bem diferente de obediência. Na obediência as pessoas camuflam seus verdadeiros sentimentos e não há comprometimento com o resultado, posto que não existe união na criação. Os subordinados procuram falar e fazer o que o chefe quer ouvir e quer que seja feito. Não por que tem que ser falado ou feito, mas por uma questão de roupagem de se vender a imagem de bom funcionário/servidor, naquela velha história de "ficar de bem" com o chefe.

O respeito é a outra face da moeda. O respeito se faz surgir pelas ações do líder, pelo que ele representa para os liderados. A liderança nasce do carisma, da confiança, da flexibilidade, do exemplo (não só pelas palavras), da humildade e da lealdade, recíprocos. É ver no outro, si mesmo; respeitando-o e aceitando as diferenças. "Confiança: é isso que une líderes e seguidores". Warren Bennis.

Talvez esteja na hora de nós olharmos por intermédio do espelho e perguntarmos se somos obedecidos ou respeitados. Será que estamos sendo respeitados pelos nossos exemplos, pelas nossas ações ou estamos sendo obedecidos pelo cargo que ostentamos? Sempre quando faço essa pergunta, ouço uma voz que faz me lembrar de algo que deva mudar e eu estou sempre propenso a mudanças. "Em última instância o que está sendo discutido é a redefinição da relação entre chefe e subordinado" - Jack Welch, da General Eletric.

Respeitando as opiniões divergentes, ouso afirmar que o líder não nasce líder. Liderança é um aprendizado diário e difícil. Você precisa, em primeiro lugar querer ser líder, depois, aceitar que você precisa mudar e, principalmente, conhecer-se a si próprio. Uma forma para você avaliar sua liderança é a capacidade de os liderados se comprometerem com o trabalho e o engajamento com o resultado, independente de comando. Quando há liderança, as engrenagens se movem sem você atuar. As decisões são tomadas sem que todos se vejam na obrigação de lhe perguntar se a decisão seria certa ou errada. Apenas decidem de forma comprometida e sincera. A equipe respeita a autoridade do líder para indicar caminhos sem, contudo, lhes proporcionar os meios de se chegar aos resultados. Os resultados virão, nascerão de um consenso e você, chefe, auditor, prefeito, diretor, secretário, juiz, presidente, com certeza não são as mentes mais brilhantes, insuperáveis. "Noventa e nove por cento de toda a liderança não acontecem do topo, mas do escalão médio de uma organização". Martin Luther King Jr.

A burocracia faz segurar o ser criativo com amarras. Amordaça-se quem ousa fazer diferente. Então, quando um membro da equipe se revela líder, o burocrata sentindo-se ameaçado, coloca aquele líder em um casulo, onde ele pode ser controlado e suas ideias não podem ressoar. O serviço público está repleto de pessoas encasuladas, fazendo coisas sem importância, trabalhos que não lhes dignificam, sem chances de mudanças e de se fazerem mudanças.

Quantos de nós já tivemos ideias, em princípio, brilhantes, mas que não foram à frente porque, na visão do burocrata, ou não é o momento certo para mudanças ou ainda, bem pior, que o "time que está ganhando não se mexe" - ora, como se não houvesse elenco para tentar mudança e ganhar de goleada. Geralmente, os que pensam assim, são administradores que não ousam fazer diferente. Estão acostumados a jogar pelo empate, sempre na defensiva. O pior é que se correr o menor risco de derrota, preferem nada produzir a colocar em xeque-mate suas funções comissionadas que, a meu ver, não deveriam ser "função de confiança" ou de "antiguidade", mas de competência, as quais são utilizadas apenas, e tão somente, como complementação salarial.

Para o burocrata nada deve mudar, apesar de haver milhares de maneiras de se conceber algo e de como transformá-lo. Coragem e audácia são palavras riscadas do planejamento dos burocratas. As escolhas de substitutos no poder público, às vezes, é pura comédia. Ao se escolherem substitutos, fazem-no, na maioria, apoiados em palavras postas de forma desarrazoadas. A primeira palavra é competência e, depois, perfil. No serviço público não se aplicam as definições, apenas dizem que este ou aquele servidor ou não tem competência ou não tem perfil. Mas, qual perfil? O perfil de quem? Do chefe? Daquilo que agrada ao chefe?

A competência individual e o perfil são, normalmente, avaliados conforme a visão do chefe ou avaliador. Entretanto, todo servidor tem competência, nisso ou naquilo. O que é preciso é ser descoberto, oportunizar-lhe. "As pessoas querem sentir que seu trabalho faz a diferença". Frances Hesselbein, Presidente da Peter Drucker Foundation. Todos precisam fazer o que deseja e naquilo que é bom. Parafraseando o teórico de Administração Frederick Herzberg "Se você quer que alguém faça um bom trabalho, primeiro lhe dê um trabalho bom". Infelizmente, ao final nada é analisado, posto que o chefe diligencia no sentido de encontrar alguém que lhe seja igual para que, ao depois, não haja surpresa. Tratando o perfil como os traços morais do ser, por que não tratamos o perfil, na visão dos burocratas, como defeitos pessoais? Procura-se um substituto que tenha, no mínimo, os seus defeitos - uma questão de visão.

A burocracia é inversamente proporcional à liderança. Ambos nascem na vertical. A burocracia do topo para a massa. A liderança, contudo, da massa para o topo. Nessa linha de construção, o estudo, o planejamento e a logística devem ter nascedouro na base da pirâmide, por todos os integrantes da equipe e isso é exatamente o inverso das administrações que veem no administrador a chave do sucesso. Ou seja, hodiernamente, as decisões devem ser tomadas em conjunto, avaliando-se as variantes, de forma que todos tomem parte do processo cognitivo-construtor, sempre de forma responsável de baixo para cima.

Parece-me claro que para se ter sucesso no serviço público de forma responsável e equilibrada é inevitável que se dilua o poder. Conforme John F. Kennedy "Nem todo mundo possui o mesmo talento, mas deveria ter oportunidade de desenvolvê-los". Tal fato confirma-se, pois todos os servidores estão ansiosos para desligar o "botão automático" e mostrar que tem potencial, que podem fazer a diferença: basta querer, e, muitos o querem. O que cada um precisa, enfim, é de uma chance para errar e tentar consertar o próprio erro, com autonomia, dentro de suas competências, para discutir, planejar, para criar, decidir, delegar. É gratificante para um servidor/colaborador o reconhecimento como um membro importante dentro do órgão público. Executar sem possuir o poder de decidir é o mesmo que acordar de madrugada para trocar a fralda do filho do vizinho, posto que só existe doação para uma causa que lhe pertença. "É surpreendente quanto você pode conquistar sem se importar com quem leva a fama", Abraham Lincoln.

Quero afirma que sem a desconcentração do poder não há resultado satisfatório. Ilustro essa afirmação com um exemplo: Os cargos no serviço público são como vasos com pequenas plantas e a parcela do poder é a água que as plantas precisam para se manterem vivas, as quais se encontram dispostas em uma figura geométrica de uma pirâmide. Verifica-se que, nela, a primeira planta ocupa o lugar mais alto da pirâmide; abaixo dela existem dezenas de plantas em pequenos vasos, as quais dependem da primeira receber um volume de água em quantidade suficiente para transbordar e alimentar as plantas nos vasos abaixo, que por sua vez, quando transbordados, alimentarão às plantas dos vasos abaixo, assim, por conseguinte, até que a planta de número 1.000 (mil) receba a sua cota parte. Caso a água (poder) fique represada no primeiro vaso, somente ela receberá alimento, fazendo com que as plantas que estão logo abaixo fiquem miúdas, algumas morrem. Da mesma sorte, se o poder represar nas mãos do administrador, gerará uma desaceleração nas atividades dos demais servidores, decorrentes da falta de motivação, sem poder de modificar as coisas, por menores que pareçam. (...). A insatisfação deixa os servidores ansiosos para ver as horas no trabalho fluírem, sem condições de verem suas vozes ressoarem e ouvidas, no tempo.

A motivação é um fator que é da essência do ser humano. Quando trabalham naquilo que lhes interessam, que lhes gratificam ficam motivados, apesar de que não se pode olvidar de que a remuneração, também é estimulador que leva à motivação, apesar de fora da natureza humana. Motivação é o combustível que faz mover a máquina humana. Nas palavras de Mary Kay Ash, da Mary Kay Cosmetics, "Existem duas coisas que as pessoas desejam mais do que sexo e dinheiro: reconhecimento e elogio".

Quando um servidor se preocupa com o órgão a que pertence e com os clientes internos, em verdade está se preocupando com si próprio, com o próprio sucesso. Quando isso acontece, torna-se perceptível que as atitudes do líder chegaram primeiro que palavras. Ao fim, todos os dias fazemos inúmeras escolhas. Escolhas que nos levam a percorrer diversos caminhos, muitas das vezes, surpreendentes. E essas escolhas podem nos fazer cópias do sistema vigente ou servidores melhores no que se refere às relações interpessoais e a resultados eficazes. Assim, qual o caminho que se pretende seguir? A resposta a esta pergunta nos conduz a novos questionamentos: O que eu quero para mim e para os meus clientes? E você... o que quer? Finalizo com a sabedoria de Dalai Lama: "Se você quer transformar o mundo, mexa primeiro em seu interior".



 
Referência: RH.com.br
Autor: Jorge Gaidarji da Costa
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