O incômodo e o inconformismo sempre me perseguiram enquanto servidor público.
Mais precisamente de como as pessoas que conduziam esse serviço. Comecei
ministrando aulas de educação física. Trabalhavam-se 12 horas por dia e a
remuneração era insatisfatória. Pensei que o que me faltava era dinheiro.
Abandonei a educação. Mudei. Passei a ganhar o dobro. Mas estava incomodado.
Faltava-me algo mais. Mudei de novo. Encontrei um ambiente melhor, mas, eu
esperava mais. Cursei a faculdade de Direito. Mudei, novamente.
Hoje recebo quatro vezes mais, trabalho 6 horas diárias menos e percebo que
meu incômodo não era somente pela falta do dinheiro ou pelo ambiente agradável.
Descobri o que faltava: era oportunidade. Oportunidade para mudar e se fazer
mudar. Doar, antes de receber. Servir, antes de ser servido. Ouvir para ser
ouvido e compreender mesmo que incompreendido. Soa bíblico, mas concluo que
junto à família, com os amigos ou no trabalho é tudo muito semelhante. Dê o
máximo de si e receberá o máximo dos outros. Aí estava o que procurava. Na
escala profissional, salário corresponde ao degrau de número três. No primeiro
degrau repousam as oportunidades para você poder mostrar seu potencial, sua
criatividade, poder liderar e ser liderado. Ganhar e fazer ganhar.
Em segundo lugar está o ambiente de trabalho. Somente com um ambiente ótimo
podemos formar uma equipe, onde todos planejam, todos opinam, todos expõem e se
expõem, onde todos vibram com a vitória e todos choram as derrotas, por que elas
são de todos.
As palavras poder/burocracia e liderança são faces opostas da mesma moeda.
Entretanto, sendo o poder uma arma potente que, dependendo de como você o
manejar, poderá vir a tornar-se um líder ou um burocrata ou até um tirano. Ao se
falar em liderança, muitos imaginam um monge tibetano como Dalai Lama ou o líder
africano, Mandela. Na empresa ou no serviço público não é preciso ir tão longe.
Bastam-se atitudes reais, o pensar nobre, priorizarem-se, preliminarmente, as
necessidades dos clientes internos, respeito, flexibilidade, motivando a equipe
a estreitar as relações. Conforme James Lowell. "O problema não está no
fracasso, mas no objetivo pequeno". O conviver traz aprendizado. Já laborei
em diversos órgãos. Em alguns deles havia líderes, outros, porém, burocratas que
se aproveitam de habilidades políticas para chegar ao cimo e, curiosamente, se
dizem líderes. Com esses aprendemos a buscar os opostos; com aqueles, observamos
e refletimos sobre suas ações.
A experiência como gestor, a leitura de diversos livros nessa linha,
contribuíram de forma relevante na minha autopercepção profissional, bem como,
na busca por mudanças. Tudo isso, aliado aos cursos de capacitação ministrados
por intermédio de uma empresa, foram fatores decisivos para busca por respostas
aos temas correlacionados. Enfim, a cada dia mais, percebo-me um curioso, ou
melhor, um ávido em conhecer os segredos dos relacionamentos interpessoais.
Hoje, mudaram-se os paradigmas do sucesso. As grandes empresas que, outrora,
visavam nos currículos os títulos e de onde provinham esses títulos, apostavam
no potencial individual de cada empregado, hoje, todavia, apostam no ser humano,
na equipe. Buscam-se hoje pessoas com maturidade e inteligência emocional
capazes de dirimir crises. E é por isso que a administração pública tem que
rever seus conceitos burocráticos. Em princípio, devem-se mudar as regras de
ingresso do futuro servidor.
O poder público, hoje, faz uma inversão: ao invés de prever qual o perfil do
servidor que se deseja para ocupar os claros na administração pública,
valorizam-se aqueles que possuem ótima memória, ou conhecimento técnico apurado,
desprezando-se a inteligência emocional. O resultado pode ser catastrófico. Ao
final, para aliviar essa situação criada pelo próprio poder público,
ministram-se diversos cursos denominados de habilitação, sendo, na maioria das
vezes de pouca valia, ao passo que não traz qualquer implicação na
personalidade do ser, gerando descontentamento para o servidor ao invés
de segurança. Apostar na equipe é apostar no ‘ganha-ganha'. Se a equipe ganha,
todos vencemos. Não há mais espaços para o "eu".
Nessa linha, algo tão importante quanto ouvir é respeitar. Respeito é bem
diferente de obediência. Na obediência as pessoas camuflam seus verdadeiros
sentimentos e não há comprometimento com o resultado, posto que não existe união
na criação. Os subordinados procuram falar e fazer o que o chefe quer ouvir e
quer que seja feito. Não por que tem que ser falado ou feito, mas por uma
questão de roupagem de se vender a imagem de bom funcionário/servidor, naquela
velha história de "ficar de bem" com o chefe.
O respeito é a outra face da moeda. O respeito se faz surgir pelas ações do
líder, pelo que ele representa para os liderados. A liderança nasce do carisma,
da confiança, da flexibilidade, do exemplo (não só pelas palavras), da humildade
e da lealdade, recíprocos. É ver no outro, si mesmo; respeitando-o e aceitando
as diferenças. "Confiança: é isso que une líderes e seguidores". Warren
Bennis.
Talvez esteja na hora de nós olharmos por intermédio do espelho e
perguntarmos se somos obedecidos ou respeitados. Será que estamos sendo
respeitados pelos nossos exemplos, pelas nossas ações ou estamos sendo
obedecidos pelo cargo que ostentamos? Sempre quando faço essa pergunta, ouço uma
voz que faz me lembrar de algo que deva mudar e eu estou sempre propenso
a mudanças. "Em última instância o que está sendo discutido é a
redefinição da relação entre chefe e subordinado" - Jack Welch, da General
Eletric.
Respeitando as opiniões divergentes, ouso afirmar que o líder não nasce
líder. Liderança é um aprendizado diário e difícil. Você precisa, em primeiro
lugar querer ser líder, depois, aceitar que você precisa mudar e,
principalmente, conhecer-se a si próprio. Uma forma para você avaliar sua
liderança é a capacidade de os liderados se comprometerem com o trabalho e o
engajamento com o resultado, independente de comando. Quando há liderança, as
engrenagens se movem sem você atuar. As decisões são tomadas sem que todos se
vejam na obrigação de lhe perguntar se a decisão seria certa ou errada. Apenas
decidem de forma comprometida e sincera. A equipe respeita a autoridade do líder
para indicar caminhos sem, contudo, lhes proporcionar os meios de se chegar aos
resultados. Os resultados virão, nascerão de um consenso e você, chefe, auditor,
prefeito, diretor, secretário, juiz, presidente, com certeza não são as mentes
mais brilhantes, insuperáveis. "Noventa e nove por cento de toda a liderança
não acontecem do topo, mas do escalão médio de uma organização". Martin
Luther King Jr.
A burocracia faz segurar o ser criativo com amarras. Amordaça-se quem ousa
fazer diferente. Então, quando um membro da equipe se revela líder, o burocrata
sentindo-se ameaçado, coloca aquele líder em um casulo, onde ele pode ser
controlado e suas ideias não podem ressoar. O serviço público está repleto de
pessoas encasuladas, fazendo coisas sem importância, trabalhos que não lhes
dignificam, sem chances de mudanças e de se fazerem mudanças.
Quantos de nós já tivemos ideias, em princípio, brilhantes, mas que não foram
à frente porque, na visão do burocrata, ou não é o momento certo para mudanças
ou ainda, bem pior, que o "time que está ganhando não se mexe" - ora, como
se não houvesse elenco para tentar mudança e ganhar de goleada. Geralmente,
os que pensam assim, são administradores que não ousam fazer diferente. Estão
acostumados a jogar pelo empate, sempre na defensiva. O pior é que se correr o
menor risco de derrota, preferem nada produzir a colocar em xeque-mate suas
funções comissionadas que, a meu ver, não deveriam ser "função de confiança" ou
de "antiguidade", mas de competência, as quais são utilizadas apenas, e tão
somente, como complementação salarial.
Para o burocrata nada deve mudar, apesar de haver milhares de maneiras de se
conceber algo e de como transformá-lo. Coragem e audácia são palavras riscadas
do planejamento dos burocratas. As escolhas de substitutos no poder público, às
vezes, é pura comédia. Ao se escolherem substitutos, fazem-no, na maioria,
apoiados em palavras postas de forma desarrazoadas. A primeira palavra é
competência e, depois, perfil. No serviço público não
se aplicam as definições, apenas dizem que este ou aquele servidor ou não tem
competência ou não tem perfil. Mas, qual perfil? O perfil de quem? Do chefe?
Daquilo que agrada ao chefe?
A competência individual e o perfil são, normalmente, avaliados conforme a
visão do chefe ou avaliador. Entretanto, todo servidor tem competência, nisso ou
naquilo. O que é preciso é ser descoberto, oportunizar-lhe. "As pessoas
querem sentir que seu trabalho faz a diferença". Frances Hesselbein,
Presidente da Peter Drucker Foundation. Todos precisam fazer o que deseja e
naquilo que é bom. Parafraseando o teórico de Administração Frederick Herzberg
"Se você quer que alguém faça um bom trabalho, primeiro lhe dê um trabalho bom".
Infelizmente, ao final nada é analisado, posto que o chefe diligencia no sentido
de encontrar alguém que lhe seja igual para que, ao depois, não haja surpresa.
Tratando o perfil como os traços morais do ser, por que não
tratamos o perfil, na visão dos burocratas, como defeitos pessoais? Procura-se
um substituto que tenha, no mínimo, os seus defeitos - uma questão de visão.
A burocracia é inversamente proporcional à liderança. Ambos nascem na
vertical. A burocracia do topo para a massa. A liderança, contudo, da massa para
o topo. Nessa linha de construção, o estudo, o planejamento e a logística devem
ter nascedouro na base da pirâmide, por todos os integrantes da equipe e isso é
exatamente o inverso das administrações que veem no administrador a chave do
sucesso. Ou seja, hodiernamente, as decisões devem ser tomadas em conjunto,
avaliando-se as variantes, de forma que todos tomem parte do processo
cognitivo-construtor, sempre de forma responsável de baixo para cima.
Parece-me claro que para se ter sucesso no serviço público de forma
responsável e equilibrada é inevitável que se dilua o poder. Conforme John F.
Kennedy "Nem todo mundo possui o mesmo talento, mas deveria ter oportunidade
de desenvolvê-los". Tal fato confirma-se, pois todos os servidores estão
ansiosos para desligar o "botão automático" e mostrar que tem potencial, que
podem fazer a diferença: basta querer, e, muitos o querem. O que cada um
precisa, enfim, é de uma chance para errar e tentar consertar o próprio erro,
com autonomia, dentro de suas competências, para discutir, planejar, para criar,
decidir, delegar. É gratificante para um servidor/colaborador o reconhecimento
como um membro importante dentro do órgão público. Executar sem possuir o poder
de decidir é o mesmo que acordar de madrugada para trocar a fralda do filho do
vizinho, posto que só existe doação para uma causa que lhe pertença. "É
surpreendente quanto você pode conquistar sem se importar com quem leva a fama",
Abraham Lincoln.
Quero afirma que sem a desconcentração do poder não há resultado
satisfatório. Ilustro essa afirmação com um exemplo: Os cargos no serviço
público são como vasos com pequenas plantas e a parcela do poder é a água que as
plantas precisam para se manterem vivas, as quais se encontram dispostas em uma
figura geométrica de uma pirâmide. Verifica-se que, nela, a primeira planta
ocupa o lugar mais alto da pirâmide; abaixo dela existem dezenas de plantas em
pequenos vasos, as quais dependem da primeira receber um volume de água em
quantidade suficiente para transbordar e alimentar as plantas nos vasos abaixo,
que por sua vez, quando transbordados, alimentarão às plantas dos vasos abaixo,
assim, por conseguinte, até que a planta de número 1.000 (mil) receba a sua cota
parte. Caso a água (poder) fique represada no primeiro vaso, somente ela
receberá alimento, fazendo com que as plantas que estão logo abaixo fiquem
miúdas, algumas morrem. Da mesma sorte, se o poder represar nas mãos do
administrador, gerará uma desaceleração nas atividades dos demais servidores,
decorrentes da falta de motivação, sem poder de modificar as coisas, por menores
que pareçam. (...). A insatisfação deixa os servidores ansiosos para ver as
horas no trabalho fluírem, sem condições de verem suas vozes ressoarem e
ouvidas, no tempo.
A motivação é um fator que é da essência do ser humano. Quando trabalham
naquilo que lhes interessam, que lhes gratificam ficam motivados, apesar de que
não se pode olvidar de que a remuneração, também é estimulador que leva à
motivação, apesar de fora da natureza humana. Motivação é o combustível que faz
mover a máquina humana. Nas palavras de Mary Kay Ash, da Mary Kay Cosmetics,
"Existem duas coisas que as pessoas desejam mais do que sexo e dinheiro:
reconhecimento e elogio".
Quando um servidor se preocupa com o órgão a que pertence e com os clientes
internos, em verdade está se preocupando com si próprio, com o próprio sucesso.
Quando isso acontece, torna-se perceptível que as atitudes do líder chegaram
primeiro que palavras. Ao fim, todos os dias fazemos inúmeras escolhas. Escolhas
que nos levam a percorrer diversos caminhos, muitas das vezes, surpreendentes. E
essas escolhas podem nos fazer cópias do sistema vigente ou servidores melhores
no que se refere às relações interpessoais e a resultados eficazes. Assim, qual
o caminho que se pretende seguir? A resposta a esta pergunta nos conduz a novos
questionamentos: O que eu quero para mim e para os meus clientes? E você... o
que quer? Finalizo com a sabedoria de Dalai Lama: "Se você quer transformar
o mundo, mexa primeiro em seu interior".