Você entra em uma loja de departamentos ou em um grande varejista, escolhe
alguns produtos e enquanto aguarda na fila e escolhe a forma de pagamento alguém
lhe aborda gentilmente, com uma expressão feliz e olhos bastante focados. Você
ouve uma proposta: "Oferecemos a possibilidade do pagamento em maior número
de parcelas, sem juros, participação em sorteios, além de descontos e benefícios
exclusivos em cada compra. Tudo isso de graça ao optar por nosso cartão".
O discurso é sempre o mesmo e pretende convencê-lo de que aceitar o cartão da
loja não vai lhe trazer nenhuma mudança no cotidiano. Vende-se a idéia de você
não perde nada ao optar por um cartão deste tipo. O máximo que pode acontecer é
você usá-lo de vez em quando e ainda obter bons descontos. Você é induzido a
pensar "Hum, tanto faz. Legal". Pura falácia! Cuidado.
O cartão de loja não é seu aliado nas compras, sinto decepcioná-lo. Ele é um
instrumento de fidelização e faturamento. Ponto. Poderíamos ir além, discutindo
se sua agressiva estratégia de massificação não pretende também gerar
consumidores ainda mais despidos de consciência financeira e focados apenas no
consumo facilitado através dos altos custos (e lucros, na outra ponta) do
crédito. O que você acha?
Mitos e verdades sobre os cartões de loja
O texto de hoje tem caráter educativo, portanto facilitarei o entendimento de
minhas opiniões montando uma pequena lista dos principais motivos de confusão e
problemas quando o assunto são os cartões de loja. Reflita sobre seus principais
mitos e verdades:
- Cartão de loja também é cartão de crédito? MITO! É
muito comum que se confunda o cartão de loja com o cartão de crédito. O
cartão de loja pode ser um cartão de crédito. Pode, mas na maioria não é,
pois não há bandeira alguma a ele associada. A ProTeste fez um excelente
estudo com 15 opções de cartões; destes, apenas 3 funcionavam como cartões
de crédito. O funcionamento, no entanto, é semelhante: há fatura, cobrança
de juros no crédito rotativo e tarifas;
- Cartão de loja é totalmente grátis, sem anuidade e tarifas?
MITO! As propagandas informam que o cliente não terá custos se usar
o cartão, mas isso não é verdade. A maior parte das opções disponíveis gera
custo sob nomes como "tarifa de manutenção", "taxa de extrato" ou "custo de
manutenção". A moda agora é também oferecer - pasme! - seguros como pacotes
adicionais aos serviços, todos com valores embutidos no parcelamento.
Informe-se muito bem antes de aderir;
- Cartão de loja oferece parcelamento fixo, sem juros? MITO!
O foco da publicidade é na questão do valor fixo das parcelas, mas
geralmente há incidência de juros. Não raro, ao apresentar o cartão da loja
no ato do pagamento, o profissional responsável tenta induzi-lo a parcelar
no maior número possível de parcelas. Lojas de departamento costumam ser as
únicas a oferecer parcelamento do valor anunciado sem acréscimo;
- Cartão de loja oferece melhores condições de pagamento e
descontos? MITO! No caso dos descontos, a matemática é simples: o
"benefício" está precificado em outros itens e na margem dos pagamentos com
juros. Não há desconto real, pechincha. As condições de pagamento,
geralmente voltadas para a opção de parcelas fixas, são péssimas: juros da
ordem de mais de 100% ao ano (e 400% a.a. para o rotativo), mais caros que
um empréstimo pessoal ou consignado.
Ué, mas só foram citados os mitos. E as verdades? Este artigo tem como
referência a maioria dos cartões, então há (poucas) exceções, mas a verdade é
que você não precisa de um cartão de loja. Seu atual cartão de crédito, cuja
data de vencimento e características você já conhece bem, resolve muito bem as
situações de compra em que o cartão de loja seria necessário. Dinheiro vivo e
cartão de débito completam a mais que suficiente cesta de meios de pagamento de
qualquer brasileiro.
Com foco no dinheiro, o produto virou estratégia.
Se analisar com atenção as práticas detalhadas neste artigo, chegará a uma
conclusão simples e óbvia: o produto que você compra nas lojas é a isca, o
gatilho, a razão da compra. O faturamento galopante das redes vem mesmo da
comodidade oferecida pelos cartões próprios. O antigo crediário evoluiu. Logo, a
prática não é nova, mas continua perigosa.
Não entendeu? A empresa lhe empresta o dinheiro necessário para que você leve
os itens que escolheu, acrescido de juros, permitindo o pagamento parcelado. Ah,
mas isso não caracteriza um empréstimo? Exato, o varejo descobriu que ser banco
é muito mais interessante que ser loja e que ser os dois pode ser ainda melhor,
afinal o produto vendido tem sua margem própria de lucro.
Conclusão: as instituições gentis ao oferecer o inocente "cartão facilitador
de compra" ganham nos juros, como uma financeira, e ganham nos produtos, como
uma loja. Não há nada de criativo nesta constatação. Quer negociar melhor?
Prefira usar o cartão de crédito que você já tem, jogue fora os cartões de loja
e pague sempre à vista e com desconto. Se você insistir, as lojas acabarão
aceitando. Afinal, o consumidor desinteressado sempre paga por quem pede
desconto. Simples assim.
PS: Você está diante do artigo número 1000
do Dinheirama. São três anos dedicados à educação financeira e tudo
aquilo que envolve a boa tomada de decisão. Economia, investimentos,
empreendedorismo, pedagogia, sustentabilidade, finanças pessoais, resenhas e
muito mais. Tudo só vale a pena porque você nos visita e nos prestigia. Muito
obrigado! Continuamos aqui se você continuar por ai. Divulgue nosso trabalho e
participe sempre!